Ana Maria Cemin – Jornalista
22/12/2023 – (54) 99133 7567
A frase assusta e é de um preso político tornozelado de Ribeirão das Neves, MG. Luiz Fernando de Souza Alves, 47 anos, conta que começou a trabalhar com sete anos e não há contra ele nada que desabone a sua índole. É um trabalhador comum, brasileiro como qualquer outro, e que foi para Brasília emitir sua opinião, direito previsto na Constituição Federal. Mesmo assim, está num inquérito, o 4922, que está levando quase todos os brasileiros julgados pelo Supremo Tribunal Federal a condenações entre 14 e 17 anos. Portanto, ele afirma estar decidido a não voltar para a prisão e, segundo diz, se a Polícia Federal pretende buscá-lo deve providenciar um rabecão.
A informação do estado emocional chegou por meio da sua advogada de defesa, a Dra. Marta Padovani, que assiste cinco patriotas brasileiros presos no 8 de janeiro, todos pro bono, dentre eles Luiz. Dra. Marta contactou o psicólogo Otávio Augusto da Cunha Di Lorenzo, para que este iniciasse um tratamento com o preso político.
Conversei com Otávio e ele me diz que o paciente está de fato afirmando frontalmente que pretende tirar a própria vida numa situação de tentativa de recolhê-lo novamente ao presídio. “A certeza de uma condenação pode levar ao cumprimento desta promessa, portanto temo por qualquer notícia ruim nesse sentido”, diz o psicólogo, que se dispõe a fazer tratamento gratuito para outros presos políticos abalados, por entender que se trata de ajuda humanitária. Ele já desenvolve trabalhos voluntários para outras causas, como da Guerra na Ucrânia e atentados do grupo terrorista Hamas em Israel.
Vamos ao relato de Luiz:
“Perdi a empresa, só tenho o nome dela devido ao tempo de prisão. Antes de tudo acontecer eu comprava material plástico do tipo stretch descartado, recuperava em extrusoras, transformava em grãos e vendia para clientes que produziam sacolas plásticas. Sempre me virei sozinho, pois meu pai morreu quando eu tinha 5 anos e a minha mãe, quando eu tinha 8 anos, me deixou na casa da vizinha e foi embora. Portanto, aprendi cedo que eu tinha que trabalhar e ser dono do meu nariz.
Como empresário, tenho altos e baixos, e com a empresa fechada eu tenho que voltar ao mercado de trabalho como empregado. Eu sei disso. Saí do Presídio Papuda em 9 de agosto, fiquei sete meses trancado lá e a minha esposa tocando por aqui, vendendo tudo o que podia para pagar as despesas mensais da empresa, conseguir a subsistência da casa e pagar os honorários do advogado para me defender naquele momento.
72 DIAS DE MANIFESTAÇÃO
Ao todo eu fiquei 72 dias acampado nos QGs, pedindo transparência para o Brasil. Os primeiros 39 dias foram em Belo Horizonte e, os demais, no QG de Brasília, onde eu ajudava na segurança. A esquerda ficou muito tempo no poder aqui no Brasil e não trouxe nada de retorno para a população, não conseguimos ver a nossa evolução como Nação. E eu sou assim, me envolvo mesmo, desde 1988 eu participo da política. Sou do tipo que sai na rua para entregar panfleto e acredito que nós temos que fazer parte, não podemos deixar para lá o que pode mudar as nossas vidas. Por isso, em 1º de novembro eu decidi que precisava participar das manifestações pacíficas e ordeiras, e falar publicamente o que a gente queria para o Brasil.
No dia 2 de novembro do ano passado, peregrinei pelos três pontos de manifestação de Belo Horizonte e comecei a ajudar os QGs enfrentando todas as dificuldades, como estar de baixo de chuva. Vi muita coisa e inclusive errada como arrecadação de pix pelo Esdras Jonatas dos Santos sem prestação de contas. Era para o movimento e não tinha um controle contábil. Isso não ficou bem.
EMPRESA FECHADA E EU LÁ
A minha esposa cuidava dos assuntos da empresa sem muito interesse na época, em função de discussões que tivemos e o relacionamento entrou numa crise séria. Hoje, estamos juntos novamente, mas chegamos a nos separar e ela ficou com tudo que nós tínhamos. Foi justo porque foram 23 anos de casamento e tivemos duas filhas, de 22 e 12 anos; temos ainda neto de quatro meses. Nesse tempo de relacionamento ruim acabei me envolvendo com outra pessoa e tenho um terceiro filho, de 11 meses.
A minha missão no QG foi garantir que as pessoas não consumissem bebidas alcoólicas e arrumassem confusão. Andei muito com o Cacique Sererê por lá, por quem tenho muito apreço e fazia a blindagem para que nada acontecesse com ele. Quando acontecia algo ilícito dentro do QG o protocolo era pegar a pessoa e levar até o Exército para que fosse tomada a providência cabível.
PRISÃO DE SERERÊ
Lembro que a prisão do Sererê em 12 de dezembro do ano passado gerou muita confusão. Por volta das 18 horas eu vi um pessoal muito diferente circulando pelo QG, portando pedaços de madeira nas mãos, afirmando que iriam tirar o índio Sererê da Polícia Federal. Não pareciam manifestantes como estávamos acostumados a ver. Inclusive queriam levar ônibus do QG lá para a sede da Polícia Federal, obrigando os motoristas a fazerem isso. Questionei e fui ameaçado. Eles estavam incitando as pessoas a descerem para resgatar o índio. Percebi que não eram patriotas.
Eu fui até a frente da sede da Polícia Federal e vi colocarem um colchão que estava escondido debaixo do viaduto dentro de um ônibus e tacaram fogo. Depois colocaram fogo em outros ônibus e carros estacionados, em lixeiras. Colocaram fogo até mesmo num carro que estava em um posto de gasolina. Pegaram bujões no posto de combustíveis e colocaram na rua. A gente viu que era um grupo que estava agindo, um pessoal que tinha camiseta do Corinthians que estava junto com os black blocs.
Avisei o pessoal do QG para que segurassem as pessoas no QG porque era uma armadilha, com o objetivo de prender os manifestantes. Ficou claro depois de tudo que aconteceu, com a queima de veículos e ônibus na frente da sede da PF de Brasília, que a intenção era de criar confusão antes que o presidente Bolsonaro entregasse o cargo. Os petistas sabem como fazer uma confusão ganhar repercussão. Lá dentro do QG continuamos mantendo a segurança e inibindo qualquer tentativa de prisão de patriotas.
A pressão estava grande, com propaganda circulando em 1º de janeiro para que os patriotas largassem os QGs regionais para acampar na Esplanada. Aí começou a pressão que levou aos acontecimentos de 8 de janeiro. E a gente sabe que não tinha nenhuma negociação para ser naquele domingo, pois não fazia sentido uma manifestação num local onde os prédios estavam vazios.
ÔNIBUS DO MST EM BRASÍLIA
Recebemos a informação de que dois ônibus do MST estava vindo a Brasília e que poderia entrar no acampamento. Fiscalizamos e não entraram, mas ficamos sabendo que eles foram para o Estádio Mané Garrincha, onde normalmente acontecem os acampamentos da esquerda, seja MST, CUT ou outros.
Naquela manhã eu estava num hotel, onde fui tomar um banho, e às 8 horas da manhã vi algumas pessoas estranhas usando camiseta amarela e bandeira amarradas no pescoço. Entrar em carros e saíram em direções diferentes. Não pareciam patriotas. Nós tivemos a informação de que a quebradeira dos prédios iniciou às 9h, que nos chegou via telefone.
O povo começou a descer para a Esplanada por volta das 11h30 e 12h e não tinha como impedir que fossem. Um policial militar subiu no caminhão de som do QG e afirmou que a Polícia Militar faria a segurança da nossa descida de 8 km até a Praça dos Três Poderes. E de fato a Polícia Militar escoltou toda a passeata dando segurança e amparo para as pessoas. Uma viatura na frente e policiais nas laterais. Tudo feito de forma ordeira e pacífica.
Desci também e fiz um vídeo do alto do viaduto por volta das 14h40 e 15 horas. Muita gente estava descendo. Eu desloquei do QG para ver o que estava acontecendo na Praça dos Três Poderes. Um detalhe que é importante destacar é que todas as pessoas que saíram do QG para a manifestação na Esplanada foram revistadas. Portanto, não tinha como ser um golpe contra o Estado Democrático de Direito ou qualquer coisa parecida. Era uma manifestação pacífica e ordeira, pelo menos para a quase totalidade dos manifestantes.
“QUE PRÉDIO É ESSE?”
Quando acessei a laje do Congresso Nacional, eu perguntei que prédio era aquele, porque nunca estive naquele local. Sou mineiro e nunca fiz turismo por ali. De lá avistei o STF e Planalto todo quebrado, inclusive com um pessoal portando as bandeiras, camiseta e boné do PT e do MST. Os policiais que vi estavam encostados nas viaturas, de braços cruzados, sem fazer nada. Pareciam estar alheios a tudo que estava acontecendo.
Nesse momento eu estava dentro do prédio do STF e um policial com farda da polícia legislativa veio até nós e disse para sairmos de lá e informou que todo o sistema de monitoramento de câmeras estava desligado. O ar lá dentro estava insuportável, com gás de pimenta forte demais e eu tenho problemas respiratório. Vi um vidro trincado e quebrei para que entrasse um pouco de ar.
Eu sabia que tudo aquilo era uma armação, mas eu via por todos os lados pessoas desesperadas. Saí do STF atendendo a orientação daquele policial, que nos avisava que logo seríamos presos pela polícia militar se continuássemos ali, e fui para o gramado.
USO DE BOMBAS PARA ACUAR
No gramado, a polícia jogava bombas de forma que nos conduzia de um lado para o outro. Um policial nos orientou para que entrássemos no prédio do Palácio do Planalto, porque lá estaríamos seguros, com a proteção do Exército. Fizemos isso. Não demorou muito para a Polícia de Choque entrar em ação e iniciar a agressão contra os manifestantes dentro do palácio. Eles estavam equipados com capacetes e escudos e nós com bíblias e bandeiras do Brasil. O gás era sufocante, não dava para enxergar nada, e aos gritos fomos obrigados a nos deitar no chão e desligar os nossos celulares.
Vi lá dentro o major José Eduardo Natali, subordinado do general G. Dias, abrindo espaço para caber mais gente naquele local. O objetivo era prender o maior número possível. Quem nos defendeu naquele momento em que estávamos sendo agredidos? Ninguém. Um major, chamado Erick da Silva, tentava amenizar a situação, mas só isso, porque o nível de agressões contra as pessoas lá dentro era demais.
ESTOU TORNOZELADO
Estou tornozelado e sem cabeça para trabalhar e pensar num negócio novo para recomeçar a vida. Sai para pedir trabalho e muitos empresários me enrolaram, pois creio que têm medo o Alexandre de Moraes. Quando sabem que somos presos políticos logo desconversam e eu cansei e desisti. A minha esposa conseguiu trabalho e recebe R$ 1.600,00 por mês, com os quais nós temos que viver. Se estou vivo ainda é porque Deus quer. Tem sido difícil para mim a sensação de estar excluído da sociedade. A cada dia que passa, nós temos que vender alguma coisa que temos para fechar as contas do mês. E não é incomum acordar com um pensamento ruim. Nós saímos muito prejudicados de Brasília por tanta coisa que assistimos. Por exemplo, o caso do Clezão. No dia em que entramos no presídio ele foi de cadeira de rodas e estava todo urinado. Ele estava mal e acabou morrendo lá dentro. Muitas injustiças estão acontecendo e não podemos expor para toda a população brasileira, nem temos apoio das entidades.”