
Ana Maria Cemin – Jornalista
24/01/2024 – (54) 99133 7567
Em recente matéria publicada no blog www.bureaucom.com.br publicamos sobre a prisão de 11 advogados em 8 de janeiro e que seguem com tornozeleira e medidas cautelares. Nessa matéria, contamos a história do Dr. Antônio Caliare, 57 anos, advogado morador de Juína, MT, que também é professor e radialista. Na foto de capa da matéria estão três gerações: ele, seu filho Andrey, também advogado, e o neto Daniel. Há pelo menos 20 anos atua na Rádio Comunitária Metropolitana de Juína, onde narra e comenta futebol, além de fazer matérias jornalísticas. Sua principal atividade, no entanto, ocorre no escritório de advocacia.

Sobre assinar o Acordo de Não Persecução Criminal (ANPP) que está sendo proposto pelo Estado Brasileiro para centenas de presos políticos de 8 de janeiro, Dr. Caliare é categórico ao afirmar que não quebrou nada, não depredou nada, portanto não assumirá uma culpa que não é sua. “Prefiro ficar 10 anos com a tornozeleira eletrônica”, declara.
Ao ir à Brasília no início do ano para a manifestação na Praça dos Três Poderes, Dr. Caliare jamais imaginaria ser preso, mas diz que faria tudo de novo, por não renunciar seus direitos de expressão e liberdade. Preso dentro do QG junto com outras 2 mil pessoas, inclusive crianças e idosos, ele só saiu do cárcere no dia 1º de março de 2023, mesmo sendo safenado e tendo parecer favorável de soltura desde o dia 26 de janeiro. Foram 52 dias de prisão.

Hoje, o Dr. Caliare não pode sair de sua comarca, das 22 horas da noite às 5 horas é obrigado a permanecer em sua residência, e está proibido de colocar o pé fora da porta de sua residência nos finais de semana. Sobre a OAB, o advogado diz que é uma instituição que tem sido insuficiente, pois não faz os enfrentamentos necessários para defender as prerrogativas de seus membros.
“Haja vista o que vem acontecendo e a OAB se queda inerte, no que tange ao acesso aos autos, bem com a defesa em plenário dos assistidos, prejudicando o direito de ampla defesa dos acusados, o que é uma afronta ao exercício da advocacia. O advogado é obrigado a pagar a anuidade, mas a entidade foi incapaz de comparecer, através da Comissão dos Direitos Humanos, pelo menos uma vez na minha prisão e dos meus dez colegas de profissão, para observar as condições a que estávamos submetidos. Quando cheguei em casa, depois de preso, na mesa do meu escritório estava o boleto da OAB para pagar. Paguei. Eu faço a minha parte, mas a nossa entidade não”.
PENA MÁXIMA DE 3,5 ANOS
Os crimes imputados ao Dr. Caliare são de “Incitação ao crime” e “Associação para o crime” que, juntos, dariam uma pena máxima de 3,5 anos de reclusão. A lei brasileira estabelece que processos com penas de até 4 anos são respondidos em domicílio.
“Sendo assim, se eu tivesse cometido os crimes que eu seu que não cometi, eu deveria ter assinado e vindo embora para casa. Caberia, então, ao Estado Brasileiro provar que eu cometi esses crimes. Mas pela ordem escrachada do ministro Alexandre de Morares eu fui preso por 52 dias atrás de grades, vivendo as agruras de uma prisão, que eu não desejo para ninguém. E ainda estou com as cautelares e a tornozeleira eletrônica até hoje”.
Na opinião do advogado, as pessoas que vandalizaram e quebraram devem responder pelos seus crimes, mas ele não vê qualquer possibilidade de associar o ocorrido em Brasília como um golpe de estado, porque não havia a presença do Exército.
“Tudo o que está acontecendo não passa de perseguição política”, desabafa.

Dr. Caliare se revolta com a situação atual dos poderes constituídos e diz que o Supremo Tribunal Federal (STF) está legislando no lugar do Congresso Nacional.
“E o pior é que o STF só pode julgar ministros, deputados, senadores, vice-presidente e presidente da República, ou seja, somente as pessoas com foro privilegiado. Eu sou um cidadão comum e deveria ser julgado pela justiça comum e não pelo STF que é a última instância. E quem está nos julgando e nos condenando é a mesma pessoa que instaurou os inquéritos. Está tudo errado.”

Durante o tempo em que os 11 advogados estiveram em Brasília, nenhum representante dos Direitos Humanos da OAB os procurou na prisão. E no contexto de todos os presos políticos, afirma que os seus direitos foram desrespeitados.
“Tanto que tivemos a morte de Cleriston Pereira da Cunha no dia 20 de novembro de 2023, no banho de sol, no pátio do Presídio Papuda. Ele tinha problemas cardíacos, como eu também tenho, e ficou 11 meses preso. Também tivemos o caso do Claudinei Pego da Silva que tentou suicídio. E o pior de tudo é saber que o Clezão tinha parecer de soltura da Procuradoria Geral da República dois meses antes de sua morte e o STF o manteve em cativeiro”.

CONTEÚDO EXTRA: RESUMO DE PROGRAMA DE TV CONCEDIDO PELO DR. CALIARE
Além de entrevista o Dr. Caliare, também assisti e resumi uma entrevista que ele concedeu para a TV Cidade de Juína no dia 23 de janeiro de 2024. O link: https://www.youtube.com/watch?v=fBG4G7DV1j8
- O Dr. Caliare chegou no acampamento de Brasília por volta das 9 horas do dia 8 de janeiro. Por volta das 14h desceu em marcha para a Praça dos Três Poderes. Foi participar da manifestação pacífica e ordeira, e fazer cobertura jornalística para a Rádio Metropolitana. Já tinha estado em Brasília com esse objetivo de noticiar por duas vezes.
- Na praça, assistiu o conflito com a Polícia Federal e das demais forças armadas. Viu que tinha pessoas quebrando, mas diz ser impossível saber se eram ou não patriotas, porque quem foi para Brasília não conhecia a maioria das pessoas que lá estavam. Era o seu caso.
- Ao retornar à Praça dos Cristais, viu a polícia cercar o QG e utilizar helicópteros em sobrevoo, o que durou a madrugada inteira.
- Por três vezes, Dr. Caliare teve a possibilidade de fugir do QG e voltar para casa, mas se considera um cidadão e não abandonou seus colegas de manifestação e não viu razão para fugir. “Eu assumo os meus atos. Se fomos junto, vamos voltar juntos”, diz o advogado.
- Cedo, no dia 9 de janeiro, foram convidados pelo Exército Brasileiro para que entrassem em ônibus para serem conduzidos para um local seguro e liberados a voltar para suas casas.
- Ao entrarem nos ônibus, diz que sentiu que o Estado Brasileiro estava exibindo os seus presos pelas ruas de Brasília como se fossem troféus de uma conquista. Depois de rodarem muito, sem as mínimas condições sanitárias, com sede e fome dentro dos veículos, foram levados para Polícia Civil e, depois, para o Ginásio da Polícia Federal, onde ficaram sem comer. À tardinha, chegaram marmitas com uma comida muito ruim que foi ingerida somente pelas condições de fome. 2 mil pessoas estavam presas no local.
- Na madrugada do dia 10 de janeiro, Dr. Caliare foi para a fila de triagem da PF e lá recebeu a voz de prisão por “depredar o patrimônio público” e por “tentar derrubar o governo”. Nas palavras do advogado: “Eu não sou a favor do governo que aí está, mas também não estava em Brasília para bancar o terror contra ninguém. Fui para manifestar a minha insatisfação em relação ao governo, por não concordar com as pautas que prega. Discordar é uma coisa, agir de forma destrutiva é outra completamente diferente e eu não concordo com esse tipo de atitude. E outra, eu não entrei em nenhuma das casas da República. Fiquei na avenida e na praça, mas assim mesmo fui preso”.
- Lá no Ginásio, ele se negou a assinar um termo de culpa, porque como advogado sabia que não devia criar provas contra si.
- Passou-se um ano e ele continua tornozelado por defender os direitos do cidadão brasileiro de liberdade de ir e vir e, também, a liberdade de expressão. Pelas palavras dele: “Agora sou eu que tenho a minha liberdade restrita, mas num breve espaço de tempo, se as coisas continuarem como estão, todos terão as suas liberdades vigiadas.”
- Essa não é uma prisão por termos cometido crime, é uma prisão política, segundo o advogado.
- Ele não falou para ninguém que era professor, advogado e radialista. Ficou junto com todas as pessoas e foi levado para o CDP II do Presídio Papuda, onde permaneceu por dois dias. Ficou numa cela para oito pessoas em 18 presos políticos, mais do que o dobro da capacidade. Não tinha água a não ser a da única torneira. Não tinha descarga para o vaso sanitário, portanto depois de defecar era preciso encher um caneco com água e jogar no local para os dejetos saírem, além de dormirem em dois num colchão de solteiro. Diz que foi um verdadeiro suplício.
- Quando souberam que Caliare era advogado, o levaram para o Batalhão da Polícia Militar que também fica no Complexo Papuda. Lá ficou 50 dias preso.
- Segue preso com tornozeleira, com as suas liberdades restritas, mas não se arrepende de ter estado lá. Se tivesse que ir, iria novamente em defesa da família, da pátria, da liberdade. “Eu dou a minha vida. Eu não vou desistir de lutar”, diz ele.
- O advogado sente orgulho de ter sido testemunha ocular da manifestação de 8 de janeiro. “As pessoas foram de forma ordeira e pacífica para a Praça dos Três Poderes em marcha e clamor pela liberdade, pátria livre de corrupção e em desenvolvimento. Devemos lutar por aquilo que é mais sagrado. O Brasil ainda tem jeito apesar dos pesares. As fases são cíclicas e ainda podemos ter um País com condições de vida dignas para todos os brasileiros, com saúde e trabalho para o seu sustento”, declarou.
- O advogado está revoltado com a forma de condução de todo o processo de 8 de janeiro. “Rasgaram a nossa Constituição e o Código de Processo Penal. Não individualizaram as condutas. Estávamos em milhares de pessoas e colocaram todos numa vala comum. Coloca num balaio e manda pena para todo mundo”.
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