Ana Maria Cemin – 11/12/2024
Joel Borges Corrêa, 46 anos, um dos cinco brasileiros exilados que estão no cárcere na Argentina desde o mês passado, devido ao pedido de extradição feito pelo Governo Lula, passou fome na prisão. Quem conta é a esposa Míriam Cristina Alves Corrêa, 48 anos, que só soube dessa situação no quarto dia de prisão do marido.
Míriam embarca no dia 22 de dezembro para Buenos Aires e, segundo a posição do escritório de advocacia local, é possível que o marido a receba no aeroporto. Ela diz que a esperança é muito mais dela do que do defensor do marido, mas ela quer acreditar, sim, que os ventos possam ser favoráveis até lá, até pelo histórico de vida do marido, que nunca cometeu qualquer crime e já estava trabalhando regulamente no país vizinho.
Míriam é casada com Joel há 20 anos e tem dois filhos com ele: Larissa, 17 anos, e Leandro, 19 anos. A família é de Tubarão, Santa Catarina. O rapaz faz Faculdade de Farmácia e paga os estudos, em trabalho fixo temporário. A menina está estagiando numa loja.
Míriam, que é pedagoga numa creche da rede pública, nos conta como foram os dois últimos anos de Joel e as circunstâncias das prisões, tanto no Brasil como na Argentina.
“Há muita desinformação sobre o que aconteceu com o meu marido na Argentina, e é importante esclarecer que ele foi preso em 19 de novembro em El Volcán, localidade da Província de San Luís, numa blitz, quando retornava para Merlo, onde reside num pequeno apartamento.
Desde junho Joel trabalhava em San Antônio de Pádua, cidade que fica na grande Buenos Aires, das 7h às 19h. Atuava como taxi, mas naquele local os automóveis com motoristas que funcionam de forma muito similar aos táxis no Brasil são chamados de remis.
O meu marido foi para El Volcán porque tinha uma promessa de trabalho com veículo pesado caso ele conseguisse documentação de motorista e, pelo que tinham dito a ele, o processo seria muito mais rápido naquela localidade.
Desde 8 de novembro ele já tinha em mãos o DNI, documento necessário para permanecer na Argentina e trabalhar, e ele também tem a precária junto ao CONARE válida até 15 de janeiro do ano que vem. Faltava a carteira de motorista de caminhão, já que a do Brasil não podia ser utilizada por lá.
Eu ajudei o meu marido a reunir toda a documentação que comprovava os muitos anos de estrada em todo o território nacional como caminhoneiro, e dos fretes que fez nos países da América do Sul. No trajeto até El Volcán, Joel foi parado em três blitz e nada aconteceu. Porém, na volta a Merlo, depois de andar apenas 6 km ele foi cercado por todos os lados. Aquilo não foi blitz, porque a polícia já tinha em mãos até mesmo o pedido de extradição dele. Ou seja, o cerco era para ele mesmo.
Desde então, o meu marido encontra-se numa espécie de delegacia, chamada de Comesaría Seccional 7ª, na Província de San Luís, numa cela de 1,20 x 2,00. Passou fome e foi privado de banho. Só no quarto dia pode se lavar. Ele ficou completamente desamparado lá dentro de 19 a 22 de novembro, quando conseguimos um escritório de advocacia.
É terrível o que vou dizer, mas nunca vi meu marido chorar, porque ele é realmente um homem muito forte, o mantenedor de nossa família, mas no dia em que o pai de um dos advogados foi até a delegacia vê-lo, às 21h30 da noite de 22 de novembro, encontrou o meu marido chorando dentro da cela, clamando por comida, de tanta fome.
O fato é que Joel recebia alimentação apenas uma vez ao dia e a comida servida era ainda pior que a comida que oferecem no Presídio Papuda. Ele não conseguia ingerir e fome o torturava. E eu só soube que ele estava passando por isso no dia 22, quando um policial autorizou uma videochamada.
Desde que descobrimos essa situação lamentável, o Senhor José Antônio Gradin, pai de um dos advogados do escritório contratado para a defesa, vai duas vezes ao dia levar almoço e janta para o Joel. Além disso, leva esperança ao meu marido. Quando às condições de banho, continuam deploráveis.
Ontem, 10 de novembro, o escritório entrou com o pedido de liberdade do Joel e posicionou com otimismo a saída dele para me receber no aeroporto em 22 de dezembro. Todas as pessoas que convivem com o meu marido na Argentina, em especial nesse local onde trabalha como motorista de veículo leve, gostam muito dele. Inclusive destacam que sua freguesia é muito fiel, muitas vezes aguardam no banco a sua chegada para fazer a corrida. Eu sinto muito orgulho do bom homem que o meu marido é.
IDA PARA BRASÍLIA
A presença do meu marido em Brasília dá para dizer que foi uma conspiração para que ele estivesse lá e testemunhasse tudo isso. Vou explicar quanto improvável era a ida dele ao evento.
No começo do ano, Joel estava com o caminhão carregado para fazer um frete até Minas Gerais. Porém, no dia 2 de janeiro ele foi até o mecânico para a a troca do óleo do caminhão e descobriu que o motor estava com problemas. Ele me ligou e fui buscá-lo no mecânico, então soubemos que a previsão era de que o conserto seria concluído apenas em 13 de janeiro.
Nisso, a minha filha, que então tinha 15 anos, falou: “Ôh pai, você não gosta do Bolsonaro? Vai ter uma manifestação em Brasília e sairá um ônibus aqui de Tubarão”. Joel se interessou, foi atrás, mas já não tinha vaga. Passados alguns dias, ligaram para informar que tinha aberto vaga e que era para ele comparecer na rodoviária no dia 6 de janeiro para a partida. Levei ele e na hora de entrar não tinha o nome dele na lista da ANTT. Aí foi a minha vez de comentar: “Joel, parece que não é para você ir…”.
Meu marido deu um jeito com o pessoal, parece que escreveram o nome dele a mão mesmo, e às 21 horas do dia 7 de janeiro o ônibus deles chegou em Brasília. Junto com as demais pessoas da excursão, Joel foi assistir à apresentação da Fernanda Oliver no QG.
Dormiram na pousada de onde saíram às 10 horas para ir até o QG, pois tinham a informação de que a caminhada em marcha para a Esplanada seria no meio da tarde, quando o tempo estaria mais ameno.
Joel conta que, por volta das 11h30, apareceu uma turma no QG chamando para a decida, fazendo muito alvoroço. A chamada foi tão forte que o pessoal começou a se organizar para descer e Joel, sem almoçar, acompanhou a multidão em marcha.
Na descida, ele mandava imagens e conversava comigo o tempo todo. Estava encantado com aquela gente toda descendo de forma ordenada, acompanhada pelos policiais em todo o percurso. Chegou ao gramado às 15 horas e continuava passando informações de que tudo estava lindo, elogiava o movimento pacífico, isso até que as bombas começaram.
O cenário mudou de uma hora para outra. O que era tranquilo virou uma bagunça e Joel me disse ao telefone que precisava desligar para encontrar uma forma de se proteger das bombas de gás e tiros de bala de borracha.
Ele foi para baixo da rampa do Palácio do Planalto, inicialmente. Lá ele constatou que não tinha mais como sair da praça, então Joel se posicionou atrás dos jovens policiais que carregavam escudos. Ali, estava protegido. Aqueles meninos de farda disseram para ele que seriam presos e que eles nada poderiam fazer, pois só cumpriam ordens.
Na sequência, Joel desceu a rampa do Palácio do Planalto algemado junto com os demais patriotas, foi levado para a Polícia Civil e às 12h30 do dia seguinte, 9 de janeiro de 2023, entrou no Presídio Papuda.
Saiu de lá em 9 de agosto e ficou com tornozeleira eletrônica até o dia que ele resolveu tirar da perna, em 14 de abril desse ano, e sair do Brasil. Ele foi condenado a 13 anos e meio de prisão pelo Supremo Tribunal Federal, sem direito a recorrer a outra instância, porque não existe. Até ser preso no mês passado, meu marido voltou a sonhar com o que ele mais gosta: dirigir veículo pesado.
Um homem que nunca cometeu qualquer crime, que foi a Brasília sem intenção alguma de praticar qualquer tipo de violência, encontra-se condenado por cinco crimes, afastado da família. No próximo dia 18, nossa filha Larissa se forma no Ensino Médio e ele não poderá estar presente e, mesmo com transmissão ao vivo, ele não poderá assistir esse momento tão importante, porque está atrás das grades na Argentina.
É muita injustiça!”
Além de Joel, estão presos no país vizinho Joelton Gusmão, 47 anos; Rodrigo Moro, 35 anos; Wellington Luiz Firmino, 34 anos; e Ana Paula de Souza, 34 anos. Foram recolhidos ao cárcere devido ao pedido de extradição de presos políticos feito pelo governo brasileiro ao governo de Javier Milei ainda em junho.
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