
Ana Maria Cemin – 29/05/2025
Aos 22 anos, Agnes Gusmão deslocou-se da Argentina para Brasília com seu filho Levi, de apenas cinco meses, para lutar pela liberdade de seus pais, ambos condenados a 17 anos de prisão. A família vivia em harmonia, nunca teve qualquer problema com a justiça, mas em 8 de janeiro de 2023 os pais de Agnes foram transformados em “perigosos bandidos”, merecedores de uma pena absurda por defenderem ideias conservadoras e participarem de uma manifestação pública em Brasília. Não há nenhuma prova de que sejam nem mesmo vândalos, apenas se abrigaram em prédios públicos durante o bombardeio com gás de efeito moral e tiroteio da polícia com balas de borracha contra os manifestantes. Ainda naquele dia, os pais Joelton e Alessandra foram levados aos presídios Papuda e Colmeia, onde permaneceram em prisão preventiva. A posterior foram condenados, porém antes de voltarem aos presídios brasileiros se refugiaram na Argentina, onde pediram asilo político.
Hoje, 29 de maio de 2025, Agnes participou de uma audiência pública no Plenário da Câmara, e leu algumas linhas para manifestar o seu descontentamento e fez um apelo à liberdade de seus pais e demais vítimas do 8.01.
“Senhoras e senhores,
Meu nome é Agnes Gusmão, filha de Alessandra Faria Rondon e Joelton Gusmão de Oliveira — dois seres humanos honestos, trabalhadores e íntegros, que foram injustamente presos e condenados a 17 anos de prisão no Brasil.
A prisão dos meus pais foi um golpe devastador. Eu era apenas uma jovem, dependente deles emocional e financeiramente. De uma hora para outra, meus pilares foram arrancados de mim. Desde então, tenho lutado todos os dias para processar a dor, o vazio e, acima de tudo, a injustiça brutal que se abateu sobre a minha família.
Minha mãe foi presa por seis meses. Durante esse tempo, ela foi humilhada, torturada, tratada com crueldade. Passou fome. Chegou ao ponto de comer comida com bichos para não desmaiar. Ela escolheu sobreviver — mas sobreviveu ao inferno.

Meu pai foi mantido preso por 11 meses no Brasil. Quando achamos que ele estaria seguro fora do país, já refugiado na Argentina, buscando apenas o direito de existir em paz, foi novamente encarcerado. Há cinco meses está preso lá, mesmo tendo solicitado asilo político com base nos tratados internacionais dos quais a Argentina é signatária.
A perseguição contra ele atravessou fronteiras. Ele foi preso ao renovar sua permissão de permanência, mesmo tendo direito ao processo de refúgio. Foi detido numa sala e entregue à polícia. Mais uma vez, seu direito foi violado. Mais uma vez, a dor voltou a bater à nossa porta.
Tivemos que fugir do Brasil. Nossos lares, nossa história, tudo ficou para trás. Restaram os traumas, a separação, a saudade. Eu me vi responsável por cuidar dos meus irmãos pequenos, que choravam dia e noite. Eles só tinham a mim.
Nossos direitos foram ignorados. Meus pais foram condenados pela Suprema Corte sem foro privilegiado, sem direito à ampla defesa, sem sequer serem ouvidos. Seus nomes foram apagados da lista de cidadãos protegidos por direitos humanos. A quem deveríamos ter recorrido? Quem nos ouviu?

A Convenção de Genebra de 1951 e outras normas internacionais garantem proteção aos refugiados. Na Argentina, eles têm direito de permanecer, de não serem devolvidos ao país onde correm risco. Têm direito à dignidade, à saúde, ao trabalho, à liberdade de expressão — e, principalmente, ao não-retorno ao perigo.
Mesmo assim, meu pai e mais quatro refugiados estão presos em condições degradantes, com processos de asilo ainda em andamento. Estão sendo tratados como criminosos, quando o único “crime” que cometeram foi buscar abrigo, justiça e paz.
E não estamos sozinhos. Há mais de 50 exilados brasileiros na Argentina, com mandados de prisão e ameaças de extradição. São mães com crianças de colo, idosos, pessoas doentes, vivendo com medo, fugindo do passado e sem perspectivas de futuro. Famílias separadas, vidas estilhaçadas. A maioria dessas pessoas foi sem nenhum tostão no bolso, sem preparo nenhum e tem se mantido amultuadas em pequenos cubículos para sobreviver.
Há mães que não abraçam seus filhos há mais de um ano. Crianças que choram por avós que nunca viram. Pais que têm medo de não reencontrar seus filhos vivos. Filhos que nasceram no exílio, sem saber o que é uma infância com afeto, proteção e liberdade.
E eu pergunto: quanto vale uma vida?
Quanto vale a vida do meu pai? Da minha mãe?
Quanto valem as vidas dessas pessoas honestas que foram esmagadas por uma máquina de injustiça?
Quero me dirigir ao presidente da Câmara, Senhor Hugo Motta, pedir a ele compaixão e dizer: por favor, não brinque com nossas vidas. Paute a Anistia. São vidas em jogo. São histórias verdadeiras, com nomes, rostos, lágrimas e dores reais.
Meu pai é o homem mais íntegro que conheço.
Minha mãe, a mulher mais justa e generosa que já vi.
Eles não merecem essa prisão. Nenhum deles.
Não queremos uma anistia pela metade.
Queremos anistia ampla, geral e irrestrita.
É o mínimo diante de tamanha injustiça.
Presidente Hugo, com o máximo respeito, essa decisão está nas suas mãos. E a história também. O Senhor terá que escolher de que lado quer estar:
Do lado da justiça… ou da omissão.
Do lado da dignidade… ou da covardia.
Se o Senhor não é capaz de fazer por mim, faça pelo meu filho e por tantos outros pequenos que ainda sofrem.
Porque a injustiça que se comete contra um só… ecoa em todos nós.
Anistia Já. Pela liberdade, pela vida, pela reparação.” – Carta lida por Agnes Gusmão na Audiência Pública de 29/05/2025
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