
Ana Maria Cemin – 24/03/2025
A carta que segue foi escrita por Wellington Luiz Firmino, 34 anos, morador de Sorocaba, SP, que hoje se encontra dentro de uma penitenciária na Argentina.
No final da carta, conto mais sobre ele. Fique com a leitura das linhas que ele enviou aos brasileiros:
“Tempos atrás, milhões de pessoas eram perseguidas por serem negras. Há menos de um século, milhões de judeus foram perseguidos e mortos simplesmente por serem judeus.
Hoje, por sede de poder político, assistimos pessoas sendo sufocadas até a morte por terem opinião política libertária.
Quantas vidas mais terão que ser ceifadas?
Quantos filhos órfãos de pais vivos terão que viver essa experiência e ver todos de braços cruzados?
Não escrevo essa carta só pela minha liberdade, mas também pela liberdade do meu país e de meu povo.
Estou há mais de dois anos sufocado pela ausência de minha liberdade, com um sonho distante de um dia poder ter um filho num país livre, a minha pátria.
Lembro de um trecho de uma letra de música que me comove: não permita Deus que eu morra sem que eu volte para lá…
Mas hoje preciso ser sincero: eu apenas luto para sobreviver.
Passei mais de um mês dentro de uma solitária sem água potável, sem chuveiro, sem o básico previsto pelos direitos humanos.
E eu não sei quando tudo isso vai acabar…
E nem sei se estarei vivo quando tudo isso chegar ao final.
Mas o que eu realmente quero é que o meu povo lute, não pela minha liberdade, mas pelo futuro dos seus filhos e netos.
Não tenha medo de lutar. Muitos ainda vão morrer pela liberdade!
Estude, trabalhe, prospere e nunca permita que o governo lhe convença de que você não é capaz.
Conviva em liberdade e expresse a sua opinião!
Hoje, infelizmente, não tenho mais a minha liberdade. Estou atrás das grades de um sistema penitenciário federal. Mas vocês têm! Portanto, lutem, lutem, lutem!”
QUEM É FIRMINO?
Após ter sido condenado a 17 anos de prisão no primeiro semestre do ano passado, Firmino decidiu pedir asilo político na Argentina, aonde chegou em 12.03.2024. Diz que saiu do Brasil, porque ele não tinha como recorrer na Justiça, uma vez que foi julgado em última instância e entendeu que o refúgio seria a última saída para garantir a sua liberdade.
Em novembro do ano passado, teve início uma onda de prisões de brasileiros exilados por ordem do governo de Milei, atendendo o pedido de extradição feito pelo governo brasileiro.
Firmino, apavorado e com muito medo de ser preso, dirigiu-se à Jama, que fica na província argentina de Jujuy divisa com São Pedro do Atacama, no Chile. Ele sabia que já tinham sido presos dois asilados: Joelton Gusmão de Oliveira, de 47 anos e condenado a 16 anos e seis meses no Brasil, e Rodrigo de Freitas Moro Ramalho, de 34 anos, condenado a 14 anos pelo Supremo Tribunal Federal. Ambos foram presos na cidade de La Plata, na quinta (14.11.2024) e sexta-feira (15.11.2024), respectivamente.
Acontece que Firmino desistiu e sair da Argentina após conversar com sua mãe por telefone. Ela reforçou a ideia de que ele não era bandido, não havia cometido crime e que deveria permanecer naquele país. Então, no dia 18.11.2024, ele se entregou na polícia em Jama. A polícia, no entanto, não queria prendê-lo por não tem ordem aberta, apenas um sinal de alerta com o nome dele. Era feriado na Argentina e só no dia seguinte os policiais poderiam conferir a situação de Firmino.
Embora tenha sido mandado embora na delegacia, ele fez questão de permanecer no local por 18 horas até confirmar o pedido de prisão, e esta foi efetivada. Firmino foi colocado numa solitária em San Salvador de Jujuy, local absolutamente insalubre, onde tinha apenas uma caneca para pegar água para beber, lavar-se e jogar no buraco onde urinava e defecava. Muitas vezes, por aqueles dias sombrio, pensou em tirar a própria vida. Seu único alento era conversar com a família por telefone uma vez por semana.
Somente em 6.01.2025 foi transferido para o complexo penal de Ezeiza, na Província de Buenos Aires, onde está com os outros quatro brasileiros exilados do 8 de janeiro. Presos, sem poderem trabalhar ou estudar, vivem uma vida de espera. Literalmente acordam, comem e dormem. Sofrem sem ter uma data para serem libertos e, isso, para Firmino tem sido pesado demais, inclusive para manter a sanidade.
Depois do 8 de janeiro, Firmino ficou 11 meses preso no Presídio Papuda. Agora são mais quatro meses preso na Argentina. “Eu ligo para a Comisión Nacional para los Refugiados (CONARE) aqui de dentro do presídio e a resposta é que só podem me atender presencialmente. A situação de prisão aqui é política também e parece que somente a CONARE poderia nos ajudar a sair aqui de dentro, coisa que não fez até agora”, diz, em pleno desânimo.
O que mais revolta Firmino é o fato de estar com a documentação de asilado provisório toda em dia. Está preso sem um motivo real, não há perspectiva de extradição, por ser um processo longo e, invariavelmente, irá acabar nas mãos de Milei. Quanto tempo ainda ficarão presos no país vizinho?
Logo após chegar na Argentina, Firmino começou a trabalhar e se estruturar para viver em liberdade. Abriu empresa e pagava os impostos regularmente, dando continuidade ao que fazia no Brasil, que é o serviço de entrega de produtos.
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