
Ana Maria Cemin – 24/03/2025
Em carta aberta à comunidade brasileira, a presa política Ana Paula de Souza, 34 anos, conta o que está passando na Argentina, após ser presa e levada ao presídio no país vizinho. Ana Paula foi condenada a 14 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pediu asilo na Argentina e foi recolhida ao presídio, onde vive experiências terríveis que relata na carta.
Ela ainda está no complexo penitenciário de Ezeiza e não tem qualquer perspectiva de voltar a ser livre, assim como os outros quatro presos políticos que se encontram no mesmo presídio: Joelton Gusmão, 47 anos; Rodrigo Moro, 35 anos; Wellington Luiz Firmino, 34 anos; e Joel Borges Correa, 48 anos.
“Me chamo Ana Paula e estou escrevendo de uma penitenciária, presa novamente…sem ter cometido crime algum. Mais uma das injustiças resultantes do 8 de janeiro. O pesadelo parece não ter fim. Depois de perder toda a minha esperança de passar por um processo e investigação imparciais e justos no Brasil, pedi asilo político na Argentina.
Cheguei em fevereiro de 2024 e segui todo o protocolo de pedido de refúgio, como me foi solicitado. Meu documento de permanência, chamado precária, estava sempre atualizado, pois temos que atualizar a cada 3 meses e nunca menti nada sobre a minha identidade ou sobre o ocorrido em 8 de janeiro.

Por 9 meses vivi uma vida com paz e certa normalidade, esperando decidirem o meu caso. Passei por uma entrevista na CONARE (Comissão governamental que decide sobre os casos de refúgio) em junho de 2024 e estava confiante de que, enquanto aguardava a resposta em relação ao meu pedido, estaria protegida da perseguição da justiça brasileira… Ledo engano
No dia 28/11/2024 fui presa na esquina do apartamento que alugava, enquanto caminhava para ir a uma cafeteria. Policiais à paisana me pararam, me identifiquei e disseram que existia um pedido de extradição e ordem de captura na Interpol e que, mesmo com o pedido de refúgio em processo, eu seria presa.
Me levaram para a sede da polícia federal onde passei uma noite e depois me trouxeram para um presídio federal que é onde me encontro há 4 meses, sem ter a mínima noção de quando vão devolver a minha tão sonhada liberdade.
Dias depois da minha prisão, a proprietária do apartamento que eu alugava descobriu tudo e, mesmo depois da minha irmã ter explicado a situação, me expulsou da propriedade alegando que não iria permitir que “uma criminosa” vivesse lá, nos dando apenas algumas horas para retirarmos tudo e encontrarmos outro lugar. Fiquei sabendo do ocorrido na prisão e, obviamente, sofri muito por passar por mais uma injustiça e não poder fazer nada.
Somando-se a isso, a minha história saiu na mídia o que causou sofrimento à minha família, já que nunca fui ativa em redes sociais e sempre fui discreta, evitando qualquer exposição que pudesse piorar a saúde dos meus pais que já são idosos. Depois de um mês presa comecei a questionar o porquê de apenas 5 brasileiros do cerca de 300 que pediram refúgio aqui na Argentina estarem detidos e eu ser a única mulher.
Continuo sem respostas já que descobrimos que não é comum isso acontecer com refugiados de outras nacionalidades que pedem asilo político. Nessa busca encontramos algo que me deixou assustada: a polícia foi me buscar em casa porque a própria CONARE compartilhou o meu endereço, e-mail e número de telefone. Ou seja, a comissão na qual eu confiei e achei que me daria proteção me entregou para a polícia e continuo sem saber a razão pela qual estou passando por esse martírio.
Por três meses vivi sob tortura psicológica diária, perdi 10 kg e fui ameaçada de morte por uma das presas. Vivi num pavilhão sem ventilação, com presas que cometeram crimes comuns, testemunhando o uso de substâncias ilícitas do meu lado, num lugar infestado de baratas e sem ventiladores suficientes.
Eu espero há três meses por exames mamários que preciso fazer por causa das dores que tenho, e por ter histórico de nódulos e passado por duas cirurgias. Ainda tenho uma doença crônica autoimune na tiroide que não está sendo tratada adequadamente, me causando dores, ansiedade e fraqueza muscular. Sem contar a depressão que toda essa injustiça está me causando por saber que sou inocente e não deveria estar presa no Brasil e muito menos aqui.
A pergunta que não quer calar é: até quando centenas de brasileiros inocentes vão ter que passar por isso? Sendo tratados como criminosos no Brasil na Argentina e nos Estados Unidos, tendo que fugir do país que amamos para tentar viver em paz. Chega de tanta perseguição e humilhação contra cidadãos inocentes que sofrem e estão tendo as suas vidas destruídas há mais de 2 anos.
Onde estão os nossos representantes para ajudar a pôr fim a essa injustiça sem precedentes?
Continuo orando por todos os presos políticos e que isso termine rápido e, de coração, espero que “LIBERTAD, CARAJO” seja mais uma ação concreta do que palavras ao vento.”
Segue a carta escrita à mão




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