
Ana Maria Cemin – 04/04/2025
Foram dadas 48 horas para o Instituto Médico Legal (IML) se manifestar sobre a saúde do preso político Jorge Luiz dos Santos, que está às véspera de entrar na terceira idade. Isso foi em 26 fevereiro e a ordem é do ministro Moraes. Estamos em 4 de abril e nada aconteceu!
O IML precisa completar um laudo que já tem pareceres de vários médicos sobre a urgência da cirurgia de coração de Santos: ele tem uma bomba-relógio no seu peito.
O assunto vem sendo tratado com total descaso desde 13.11.2024, quando foi soliticitado que passasse por uma junta médica. Depois foi autorizada a saída do preso político em 17.12.2024 para ser tratado e examinado no Hospital Isocardio. Na sequência, em 12.02.2025, a Secretaria da Administração Penitenciária do Distrito Federal informou ao STF sobre a conclusão dos exames e que seria necessária mais uma etapa: passar pelo IML para o laudo final.
Que tal? Não é um absurdo?
Depois de ter escrito três outra matérias sobre a gravidade da doença desse homem, que foi a Brasília sem nenhuma outra intenção a não ser orar pelo Brasil, me sinto sem saída. O que mais escrever? Então pego emprestado o título de um livro do Gabriel García Márquez (Crônica de uma morte anunciada) não para contar uma ficção, mas para falar de uma realidade absoluta: o pastor Shalom, condenado pelo STF e que está preso no Papuda desde 8.01.2023, vai morrer. Sua pressão está em 17×19, mesmo tomando medicação.
Aqui segue a história real que contei em primeira voz, para que você conheça esse pai de cinco filhos.
O médico falou nessa semana que estou com uma bomba-relógio no peito. Que eu posso dormir e não acordar.
Então fui obrigado a mandar recado para a minha família sobre a minha situação de saúde, afinal eu sei o quanto todos sofrem desde que fui preso aqui em Brasília e condenado a 16 anos e meio de prisão.
Nunca mais voltei para casa, para Minas Gerais, e tive outros problemas de saúde aqui dentro do Papuda, como hemorroida tipo 4, que indica necessidade de cirurgia, mas por enquanto só tenho cuidados com medicamentos.
Mas esse problema não tem nada ver com esse novo quadro detectado pelo médico nessa semana.
Foi a primeira vez que esse médico, aqui do PDF IV me examinou, e parecia bem assustado quando detectou o sopro cardíaco. Inclusive ele acredita que estou com as artérias dilatadas. E me disse que não entende como os médicos não perceberam antes, tal a gravidade!
Sei que o doutor fez o possível dentro da estrutura prisional; e deixou claro no meu prontuário que preciso de consulta com cardiologista e fazer os exames específicos, fora do presídio.
A minha pressão está sempre alta.
Comecei tomando um comprimido, mas ainda lá no Centro de Detenção Provisória II, o médico determinou que tomasse dois comprimidos para tentar regular a pressão.
Agora, aqui no PDF IV, passou para a dose de três comprimidos de manhã e um a noite, antes de dormir.
É verdade que as condições de vida aqui na cela não ajudam. Durmo no chão num cubículo junto com 17 pessoas. Tirando eu e um outro patriota, os demais são todos presos comuns, condenados por tráfico, assalto a bancos etc.
Um detalhe importante: a cela tem estrutura para apenas oito pessoas.
Eu gostaria que a minha família ficasse bem, por isso evito trazer mais desgosto para eles. Falar que estou com cardiopatia, depois de estarmos sem nos ver por quase dois anos, pode assustar a todos, mas o que eu posso fazer? Mentir que está tudo bem?
…
Meu nome é Jorge Luiz dos Santos. Sou conhecido como o pastor SHALOM!
Tenho 59 anos e sou pai de cinco filhos. Sou casado com Creusa Maria Lisboa Maia Santos, de 58 anos, e tenho a minha mãe viva, a Dona Ondina Maria dos Santos, que não abraço há tanto tempo.
Somos de Conselheiro Lafaiete, município que fica a 50 km de Ouro Preto, Minas Gerais.
Sempre sustentei a casa com o meu trabalho. Até ser preso, vendia caldo de cana. Eu raspava a cana, moía e fazia o caldo. Desse trabalho vinha o sustento meu, da minha esposa e da nossa neta Adriele, que mora em nossa casa. Ela estava grávida quando fui preso e agora é mãe do Rael, que eu não conheci.
O trabalho com o caldo de cana era a única fonte de renda e cobria o aluguel da igreja também, porque sou pastor numa comunidade humilde chamada Itaverava. Loquei uma casa para levar a palavra de Deus uma vez por semana.
…
Fui para Brasília para me manifestar, um direito que qualquer brasileiro tem de dizer o que pensa. Além do voto, temos direito a participar de manifestações. Era o que todos nós pensávamos no dia 8 de janeiro.
Me refugiei dentro do Palácio do Planalto, que estava aberto, para fugir das bombas de efeito moral e tiros de balas de borracha da PM-DF.
Lá dentro fui gravemente agredido, quando um policial fez eu me levantar para em seguida levar um tranco e cair. Cai e quebrei a rótula do pulso. Não me levaram para o hospital…
Desci a rampa do Planalto com o braço enfaixado e fui levado para o presídio, de onde não sai até hoje.
…
Até surgiu um lampejo de esperança nestes dois anos e acreditei que veria a minha família novamente, quando a Procuradoria-Geral da República deu parecer favorável para a minha soltura em setembro do ano passado.
Foi uma esperança vã…
O ministro Moraes apresentou uma tese de que eu tinha antecedentes criminais e, mesmo com a apresentação de minha Certidão de Antecedentes Criminais, provando que nada daquilo era verdade, que sou um cidadão de bem, mesmo assim ele me manteve no cárcere, sendo que eu nem tinha sido julgado e condenado.
Meus familiares moram em Minas Gerais. Somos uma família humilde. Eu prefiro que não gastem com vindas até Brasília para me ver. Temos outras prioridades.
Talvez agora, com esse quadro de alerta do meu problema de saúde, a minha defesa consiga uma prisão domiciliar humanitária, para que eu possa realmente tratar da minha saúde.
A lei permite isso, mas da forma como tudo está acontecendo desde 8 de janeiro, eu prefiro não alimentar mais esperanças.
Passamos por muitas situações aqui dentro do Papuda. Teve um dia muito tenso em que um agricultor de 62 anos, o Jorginho Cardoso, tentou suicídio por ter sido condenado a 17 anos de prisão.
Meio ano a mais que eu.
Cheguei a pensar que a morte seria a melhor coisa para mim, um condenado do 8 de janeiro, mas hoje vejo que preciso reforçar ainda mais a minha fé.
O Clezão morreu do coração aqui dentro. Saber da minha condição de saúde, da minha cardiopatia, me deixou muito preocupado.
Eu não quero me tornar um mártir.”
Leia mais duas matérias feitas anteriormente:
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