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VIAGEM COM SUSPEITOS SEGUIDA DE PRISÃO

Ana Maria Cemin – Jornalista

11/03/2024 – (54) 99133 7567

Ao centro, com os conhecidos do QG do Rio de Janeiro, RJ.

“Essa moça falava muita gíria e aquilo me chamou atenção. Então ela perguntou se eu tinha almoçado e falei que não. Me convidou para comer num restaurante ao lado do QG, na estação de trem, e fomos juntas. No meio dessa conversa, ela mostrou imagens no seu celular dos atentados do dia 12 de dezembro de 2022 na frente da sede da Polícia Federal, quando o Sererê foi preso. Mostrou as gravações daquele dia, feitas por ela mesma, e pude ver que ela estava junto com outras pessoas vestidas de preto. Estranhei.

De volta ao ponto de embarque, aguardamos os ônibus até a madrugada e somente às 4 horas seguimos em viagem. Tinha gente viajando conosco que não tinha dinheiro nem para tomar um café, então de gravei um vídeo e pedi para um grupo a ajuda em pix. Juntei recurso para pagar alimento, a cada parada, para oito pessoas.

Sou evangélica e comecei a cantar um louvor durante a viagem, mas a moça com a qual tinha almoçado no Rio mandou eu parar com aquilo, fazendo uso de meia dúzia de palavrões. “Estamos indo para uma guerra”, disse ela.
Aquela fase me despertou e comecei a olhar para as pessoas que estavam naquele ônibus e a perceber o ambiente pesado. Era incrível como as pessoas discutiam entre si. Numa das paradas, já em Minas Gerais, vi um ônibus do PT estacionado com pessoas trajando camisetas do partido e do MST. O destino também era Brasília.

Ao chegarmos no QG, um rapaz informou que o nosso lugar estava reservado e, então, uma moça que parecia liderar o nosso grupo nos conduziu para uma área muito afastada do acampamento, onde não havia iluminação. Os homens do grupo começaram a brigar entre si por qualquer motivo e a garota entrou numa barraca. Eu andei até amanhecer pelo acampamento, pois não tinha onde dormir.
Ainda na parte da manhã sai para comprar uma barraca e só depois tomaria café da manhã. Quando retornei ao QG, estava um alvoroço e eu lembrei que dentro do ônibus a menina falou que teria reunião ao meio-dia.
O rapaz que estava sentado ao meu lado no ônibus, com quem fiz foto no QG de Brasília, me contou que ele e outros foram para os prédios para quebrar. Desceram do prédio em mangueira de incêndio o que me deixou muito tensa.  “Nós quebramos tudo. Não tem para ninguém”, diziam os rapazes animados.
Vi uma moça que estava pintando o rosto e fui lá ajudar, porque eu achei que usaríamos as cores da pátria, mas aquela turma estava pintando o rosto de preto. Depois vi colocarem papelão no peito, como proteção. Detalhe: mesmo quem tinha roupa verde e amarela usava uma peça preta.
Eu estava abismada, tudo parecia surreal, e lembro de alguém me perguntar o que eu tinha ido fazer em Brasília, porque eles sabiam que tinham ido para uma guerra. Meu Deus! E continuou dizendo que eles não iam partir para cima, mas que “eles” iriam disparar na gente. Então peguei um papelão e coloquei no meu peito também.  

Jupira participou de várias ações sociais dentro e fora do Brasil, sempre em caráter humanitário. Esse é o sentimento que a move todos os dias.

Depois que saímos do QG eu fui me afastando do grupo do ônibus do Rio de Janeiro. Passei pelo policiamento e pude observar que a polícia fazia de conta que impedia a derrubada das grades.
Lá na praça, eu andava de um lado para o outro, mas escolhi orar junto à Bandeira do Brasil hasteada.

De lá eu via as cadeiras sendo jogadas pelas janelas desde os andares superiores do prédio. As pessoas que estavam na parte superior do prédio vestiam preto e os patriotas ainda estavam na parte de baixo quando aconteceu tudo isso.


Eu também vi quando os helicópteros entraram na praça; eles voavam tão baixo que dava para sentir o deslocamento do ar provocado pelas hélices. Faziam movimentos circulares e fiquei numa angústia muito grande ao ver que as pessoas tentavam escapar do ataque.

Eu estava na metade do campo aberto e via muitos idosos e deficientes. Os policiais bombardearam a rampa e eu me deitei no chão, mas não adiantava nada, porque eu não conseguia respirar direito com toda aquela fumaça. Vi uma patriota levar um tiro na perna.

Eu tenho enfisema pulmonar e não poderia continuar naquele local, então comecei a me agarrar nas pessoas para sair, pois eu estava numa parte mais baixa do gramado. Eu dizia para todos que descer era pior, e pedia a Jesus que não me deixasse morrer ali. No meio de tanta confusão, uma senhora moradora de Brasília me viu naquele estado de desespero e decidiu me ajudar. Ela me levou de carro de volta ao QG.

No trajeto de volta ao QG, vi que os policiais estavam se reposicionando e eu perguntei para a senhora se era normal o que estávamos vendo. Ela disse que algo muito grande estava por acontecer. “E já está acontecendo! ”, sentenciou.

Ainda passava mal quando cheguei no acampamento, e avistei o grupo de viagem. Os rapazes estavam com o rosto limpo e roupa trocada. Mesmo vendo o fluxo de pessoas voltando da praça, percebi que muita gente tinha ido embora.

O ambiente estava tenso. Era um entra e sai de soldados, presença de canhão, sons de helicópteros, exército correndo atrás da polícia, e a polícia correndo atrás de pessoas. Contando ninguém acredita a loucura que estava acontecendo naquele local. Era muita confusão, muito de alvoroço. Os policiais queriam invadir e o exército botava eles para fora.

Amanheceu e veio a ordem no alto-falante para que a gente deixasse o local em ônibus oferecidos pela polícia. Quando entrei já tinha pouca gente no acampamento. Aquele pessoal do ônibus com quem viajei desde o Rio de Janeiro não foi preso. Foram todos embora!

Eu não dormi desde a sexta-feira quando saímos do Rio. Eu tinha medo de morrer. Eu comprei a barraca, mas queria entender o que estava acontecendo em Brasília, quem eram aquelas pessoas com as quais viajei. Dormir e comer não estavam em questão.

As primeiras pessoas a chegarem no Ginásio da Polícia Federal, quando eu fui presa junto com cerca de 2 mil pessoas, foi o senador Marcos do Val e o Dr. Cláudio Caivano. Lembro que o senador falava muito baixinho e não dava para escutar, mas o advogado Caivano conseguiu acalmar os nossos ânimos. Estávamos muito apreensivos.

Todos nós teríamos que passar por um corredor, depois de enfrentar uma fila, para então sermos “liberados” do Ginásio da Polícia Federal. Começou a aparecer todo tipo de advogado para nos atender, do tipo porta de cadeia, muitos deles jovens.

Na terça-feira, dia 10, eu estava muito mal dentro do Ginásio, ao ponto de chamarem os bombeiros para me levarem de cadeira de rodas ao atendimento. A minha pressão estava 25 por 23. Meu corpo estava com formigamento e me levaram para uma maca, onde injetaram alguma coisa na veia. Quando acordei e abri os olhos, na mesma hora dois policiais me levaram para a audiência com o delegado.

O que aconteceu com o delegado foi também surreal: ele questionou os policiais porque não tinham me levado a um hospital; pediu desculpas pelo que iria fazer e disse que apenas cumpria ordens; pediu minha identidade e quis saber onde eu morava; e depois leu a minha confissão de culpa. Foi uma covardia, porque assinando ou não aquela confissão eu já estava presa mesmo.

Minha mente começou a falhar. Lembro que quando cheguei na 4ª feira as luzes estavam acesas. Fui levada para o Bloco 6, Ala B, Cela 11, onde fiquei até o dia 23 de janeiro. De lá, fui para o Bloco 3, Ala D, Cela 12, que dividi com as patriotas de Fortaleza, CE.
Eu estava sem os meus medicamentos e sem dormir. Tudo estava muito complicado e, então, minha família providenciou um advogado da minha cidade que eu conhecia desde a infância. O mais incrível é que mesmo pago ele me largou nas mãos da Defensoria Pública e não apareceu na minha audiência de custódia.
Minha família achava que eu tinha sido absolvida, inclusive. Que ele tinha me defendido. Pagaram diária de R$ 2,2 mil, mais aéreo, transporte e alimentação.

Na audiência de custódia eu passei mal e cai no chão, bati a cabeça. Eles continuaram a audiência comigo caída no chão. Foi a promotora que teve a iniciativa de chamar o pessoal do Presídio Colmeia para me buscar, porque os policiais penais ali presentes apenas riam e conversavam entre eles.
Uma colega de cela me buscou de cadeira de rodas. Conseguiram uma bombinha de ar, porque eu não conseguia respirar direito.  Fui direta no posto de saúde do presídio e, quando o enfermeiro me viu, disse “Essa aí estava a manhã toda aqui”, na maior indiferença.
Me colocaram num corredor de enfermagem e ouvia a conversa. “O que essa aí tem? Nada. Descobriu que tem um processo contra ela e fica fingindo que está passando mal. Eu estou louca para dar uma cacetada nela”. A psicóloga também passou por lá e disse “Não tem pena de morte no Brasil”…e assim foi. Cada um falava algo para que eu ficasse com medo.

3 comments

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VALERIA AFFONSO

Ela é a prova do que todos sabemos: os patriotas foram vítimas de uma emboscada e quem vandalizou não foi preso. Provavelmente a turma do paquiderme que sumiu fom as imagens. Absurdos e injustiças, até quando?

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Antonio Barbosa Andrade Junior

Não resta dúvida que foi uma armadilha.

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Naflavia

Miss Jupira, um dos presentes que ganhei dentro da Colmeia. Lembro cada dia passando nos quartos chamando pro culto e prós teatros. Após sua saída , sua voz ainda ecoava pelo corredor. Estamos juntas 🤝

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