
Ana Maria Cemin – 08/04/2025
As barbáries decorrentes das prisões de 8 de janeiro chegam a dilacerar o coração quando conhecemos de perto a realidade de quem está dentro de presídios, como é o caso do idoso Antônio Teodoro de Moraes, de 70 anos. Ele está recolhido na Penitenciária Estadual de Maringá (PEM), por decreto do ministro Moraes de 25.02.2025.
Esse senhor teve uma longa vida ilibada, cuida da mãe de 92 anos, além de ser portador de comorbidades como diabetes e ácido úrico. Mesmo com todo o trabalho da defesa, que solicitou prisão domiciliar, ele segue preso desde que foi recolhido em prisão preventiva, após ser sentenciado a 14 anos de prisão.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) o acusou de cinco crimes e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) o julgaram.
E foi tudo muito rápido.
Toni, como é conhecido, foi notificado pelo STF para defender-se em 5 de junho do ano passado, pois surgiu uma imagem dele na frente do Supremo na tarde de 8 de janeiro de 2023. Dois meses depois dessa citação, ele já era réu e foi decretado o sequestro e indisponibilidade de bens, direitos e valores do acusado.
Ou seja, Toni que sempre agiu como um cidadão honrado, em poucas semanas passou a ser um criminoso perigoso para a sociedade, por associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Ao ser interrogado em Juízo, Toni disse que foi a Brasília de ônibus fretado, que não pagou pela passagem e que desconhecia quem tinha organizado a viagem. Saiu de Maringá no dia 7/1/2023 e chegou em Brasília no dia 8/1/2023, se instalando no acampamento em frente ao QGEx por volta das 14h. Levou barraca, pois não sabia quando seria o retorno para a sua cidade. Após montar a barraca, seguiu em direção à Praça dos Três Poderes, e retornou para o acampamento por volta das 18h.
As perguntas que ficam são: o fato de alguém participar de uma manifestação pacífica e ordeira, que acaba em baderna, o torna um criminoso? Uma foto do Toni em frente ao STF o faz ser um criminoso armado, sendo que antes de chegar à praça todos foram revistados?
SEGUE CARTA ESCRITA POR TONI, DIVULGADA EM PRIMEIRA MÃO:
“Excelentíssimo Ministro do STF, relator Alexandre de Moraes, e demais ministros desta Suprema Corte.
Eu, Antônio Teodoro de Moraes, brasileiro, solteiro, aposentado, venho respeitosamente através desta esclarecer as verdades dos fatos e expressar o histórico de minha vida, para que Vossas Excelências tenham conhecimento da minha vida desde o início até agora, conforme descrevo a seguir.
Nasci em 1954, em Uraí, no Paraná, numa família de lavradores de uma extrema pobreza. Como na época não era proibido menor trabalhar, aos 9 anos comecei a trabalhar na lavoura de café e algodão para ajudar os meus pais no sustento da família.
Ia descalço para a escola e o guarda pó era feito de saco de ração que era doado pelo sitiante vizinho.
Em 1966, consegui terminar o primário e foi então que meu pai resolveu mudar para onde hoje é o município de Godoy Moreira, que na época estava começando. As casas eram com paredes de palmito e a cobertura era de tabuinhas. A cidade mais perto era São João do Ivaí, a uma distância de 40 km por estrada no meio do mato. Por não ter escola onde morava tive que interromper os estudos por 4 anos.
Em 1970, aos 16 anos resolvi continuar os estudos e tive que deixar a minha família no sítio e ir para São João do Ivaí, onde fiz o antigo ginásio. Para isso trabalhava de dia e estudava à noite. Trabalhei como sorveteiro por um ano para o meu sustento, depois fui trabalhar em um bar por mais dois anos, onde dormia no depósito do bar, em uma cama de campanha que eu abria para dormir e fechava ao levantar.
Tinha só uma calça azul e uma camisa branca, que era uniforme. Eu mesmo lavava num dia para usar no outro. Foi quando surgiu um serviço em uma loja de tecidos onde trabalhei por mais de um ano, mas tive que sair porque o que eu ganhava não dava para pagar a alimentação. Voltei para o bar onde trabalhei por mais de 6 meses e, como o bar ficava ao lado do extinto Banco Bamerindus e o gerente frequentava o bar toda a noite, recebi um convite para fazer um teste, o qual fui aprovado. Isso foi no final de 1975. Trabalhei por 8 meses no Bamerindus e logo surgiu o concurso para o extinto Banestado e fui aprovado. Comecei a trabalhar em agosto de 1976.
Como o salário tinha melhorado, resolvi alugar uma casa e buscar a minha família do sítio, para que os meus irmãos tivessem a oportunidade de estudar. Fiquei dois anos em São João do Ivaí, aí surgiu uma oportunidade de transferência para Maringá e aceitei, pois queria continuar os estudos e fazer faculdade. No final de 1978 mudei para Maringá, mas continuei ajudando a família.
Em 1987, consegui trazer a minha família para Maringá onde tinha condições de cuidar melhor da minha mãe e dos meus irmãos, pois o meu pai tinha separado da minha mãe e eles precisavam do meu apoio, e eles precisavam cursar uma faculdade.
Fui funcionário do Banestado por 25 anos e, em 2001, houve a venda para o Banco Itaú. Foi quando eu pedi demissão em um plano de demissão voluntária e fui trabalhar por conta própria, como faço até hoje.
Quando era funcionário do banco tirava férias todos os anos, mas quando fui trabalhar por conta própria, o que já tem mais de 20 anos, não tirei mais férias. Ou seja, trabalho continuado de segunda a sábado.
Em junho, minha mãe vai fazer 92 anos. Ela mora com um filho que não cuida nem dele próprio, pois não tem a cabeça muito boa. Os demais são casados e têm a sua própria família e não têm como dar assistência para a minha mãe. Por força do destino, sobrou para eu cuidar da minha mãe. Sou eu que faço as compras do mercado para ela todos os dias, saio do trabalho e preparo a alimentação dela e, entre 18 e 19 horas fico conversando com ela. Aos domingos pela manhã, vou com ela à missa e almoçamos juntos. Minha mãe é apóstola da oração e nos domingos à tarde a levo para a reunião do apostolado.
Essa é a rotina da minha vida.
Minha vida política iniciou em 1992. Por ser muito conhecido em Maringá resolvi sair candidato a vereador pelo PMDB. Faltaram apenas 160 votos para me eleger. Em 1996, resolvi concorrer novamente e faltaram poucos votos para me eleger. Em 2000, tentei mais uma vez, sempre utilizando recursos próprios e sem nenhum centavo de ajuda partidária. Não fui eleito. Em 2004, como queria muito ajudar a cidade no que eu pudesse, resolvi sair pela última vez sempre pelo PMDB, partido pelo qual eu tinha muito respeito pela história de Ulysses Guimarães, Michel Temer, Roberto Requião e outros. Como não consegui me eleger, resolvi deixar a política e cuidar só da minha vida, pois ela precisava mais de mim.
Eu nunca fui de partido de direita nem de esquerda, visto que o PMDB sempre foi um partido de centro.
Quanto à vida acadêmica, me formei em pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá em 1994. Formei em direito pela Faculdade de Maringá em 2007, mas nunca prestei concurso da OAB.
Trabalhei por mais de 20 anos como comissário de menor em Maringá. Fiz parte do corpo de jurados em Maringá por muitos anos.
QUANTO AO ACONTECIMENTO DO DIA 8/01/2023 VOU RELATAR COMO TUDO ACONTECEU:
Na última semana de dezembro de 2022, passei em frente ao Tiro de Guerra de Maringá e vi que o povo parecia em festa. Aquelas famílias sentadas na rua, crianças brincando, parecia mesmo uma quermesse. Resolvi parar e ver o que era aquilo, e conversando com as pessoas soube que era uma manifestação. Todos os dias às 20 horas era rezado o terço e cantado o Hino Nacional. Então fiquei lá naquele dia rezei o terço com as pessoas. No outro dia, comentei com a minha mãe e, como ela é do apostolado a convidei para ir comigo. Ela topou e lá rezamos o terço e viemos embora.
Ainda naquela semana foi celebrada uma missa no qual a mãe foi comigo também. Na semana seguinte me falaram que no sábado sairia um ônibus para Brasília e perguntei o que iam fazer. Me disseram que era uma manifestação nos moldes daquela que acontecia em Maringá, só que com mais pessoas de outros lugares e me convidaram. E como há muito tempo eu não saía para lugar nenhum, organizei meus compromissos e resolvi ir. Seria uma oportunidade de conhecer Brasília e relaxar um pouco a cabeça, pois não vi nada de errado numa viagem para Brasília sendo que aqui em Maringá o movimento era parecido como uma confraternização.
Sábado, dia 7/01/2023, por volta das 16:00 entrei no ônibus. Éramos, se eu não me engano, entre 28 ou 29 pessoas e ninguém se conhecia. A viagem foi tranquila e chegamos na entrada de Brasília por volta de 11h30 ou 12 horas, quando paramos para almoçar. Após o almoço, fomos até o QG e chegamos por volta das 14h e 14h30. Desci do ônibus e fui até as barracas, mas vi que quase não tinha ninguém, porque o povo tinha ido para a Esplanada.
Perguntei para a moça que estava na barraca o porquê de as pessoas terem ido para a Esplanada e ela me disse que a manifestação seria lá, e se eu quisesse poderia deixar a mala na barraca dela. Eu estava perdido sem conhecer ninguém, sem saber a distância e onde ficava a Esplanada. Como estava sozinho sem ter nada o que fazer ali, então resolvi ir andando até lá.
Cheguei por volta de 16 horas muito cansado e me deparei com aquela quebradeira. Por curiosidade fiquei entre o Planalto e o STF observando. Tinha muito gás no ar, ardia os olhos, e de repente tudo se acalmou. Sentei e fiquei descansando por 30 minutos. Foi quando chegou um helicóptero soltando bomba de gás que ardia muito nos olhos. Saí do local e voltei caminhando até o QG, aonde cheguei por volta de 18 horas. Fiquei perdido sem saber o que fazer, procurando alguém que tivesse ido no mesmo ônibus. Um pouco mais tarde encontrei o senhor Antônio que estava armando a barraca e me ajudou a armar a minha própria barraca ao lado da dele. Estava chuviscando. Deitei e desmaiei de tão cansado que estava.
Tenho a consciência tranquila de que não tive envolvimento em nada do que aconteceu lá. Apenas por um período assisti por curiosidade aquela cena lamentável com indignação. Também não tenho envolvimento com o grupo político, apenas fui fazer uma viagem para eliminar um pouco do cansaço mental. Mas peguei o ônibus errado.
Eu era um solitário que não conhecia ninguém do ônibus que viajei, nem daquela multidão em Brasília. Era um avulso que não entendia o que estava acontecendo, pois jamais imaginei que poderia acontecer aquilo.
Como pode uma pessoa que não conhece ninguém em uma multidão fazer parte de uma organização criminosa? Não tem sentido.
Seria como se você estivesse numa excursão para assistir um jogo de futebol em um estádio e um grupo de baderneiros sai quebrando tudo. Qual a culpa de quem foi assistir ao jogo? Só porque estava no estádio seria condenado?
Nunca possui armas, sequer um canivete. Nunca participei de grupos de organização antidemocrática. Apenas entrei no ônibus errado.
Sou um ser humano de 70 anos, que vive para trabalhar e cuidar da família, em especial da minha mãe com 92 anos, que depende de mim para tudo, e querem me condenar à prisão perpétua. Será a destruição da família e morte da minha mãe, que não sabe o que está acontecendo comigo. Quando ela souber, não vai se alimentar e a preocupação a levará a morte.
Não devem julgar os iguais como os desiguais, por apenas fotos imagens. Sou a favor da lei, mas a lei foi feita por seres humanos que também erram. E quando a lei conflita com a justiça, deve prevalecer a justiça.
O Brasil vive um momento de polarização, com um povo de pessoas iguais apenas com opiniões diferentes. Que Deus nos ajude a alcançar a paz que nós tanto precisamos.
Acredito em Deus e no bom senso do ser humano.
Essa, eu juro, é a mais pura verdade dos acontecimentos.”




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