Editado por Ana Maria Cemin – Jornalista
11/11/2023 – (54) 99133 7567
A Dra. Christina Medeiros, 55 anos, foi presa em Brasília por longos meses, assim como outros advogados que conheceu na prisão. Porém, a advogada paraibana diz que não se arrepende em nenhum momento de tudo o que passou e ainda está passando, e se preciso fosse faria tudo novamente. Foram quatro longos e dolorosos meses longe das filhas, genros e netos. Me diz que pagou um preço caro por lutar por um Brasil melhor para todos, mas que é guerreira e jamais se furtaria a esta obrigação. Mesmo com todos os traumas adquiridos, está feliz e realizada por não ter sido covarde quando o País precisou dela. Você confere a seguir o texto que recebi dela com detalhes do sofrimento, humilhação, fome e desrespeito vividos. É uma mulher de virtudes e corajosa, cuja história merece ser conhecida.
“Passei todos os dias defronte ao quartel do Grupamento de Engenharia e Construção, em João Pessoa, PB, durante os meses de manifestação, após as eleições de 2022. Em 6 de janeiro, sai de João Pessoa às 14 horas e cheguei em Brasília por volta das 15h30 de 8 de janeiro, quando presenciei uma quantidade muito grande de pessoas descendo do QG a caminho da Praça dos Três Poderes. Como tinha acabado de chegar, resolvi não descer e encontrar um local para colocar a minha barraca na Praça dos Cristais, junto com os demais paraibanos.
Por volta das 19h, o QG estava cercado por viaturas da Polícia Militar do Distrito Federal e comecei a me desesperar por ver que as bombas de efeito moral continuavam a ser utilizadas contra patriotas, no que parecia ser muito próximo a nós. Fui até a rua principal do QG e me deparei com dois tanques de guerra ligados e direcionados para fora do quartel. Eu que vivo numa cidade nordestina, e nunca tinha visto nada parecido, senti o meu desespero aumentar. Então me dirigi a um soldado do Exército e indaguei sobre o que estava acontecendo. Ele respondeu que tudo aquilo era para a nossa segurança e que o melhor a fazer era permanecer dentro do QG. Segundo ele, se saíssemos os militares não mais se responsabilizariam por nossa segurança.
Eu estava em companhia de uma pastora de João Pessoa e nós duas resolvemos retonar até as nossa barracas armadas na Praça dos Cristais e nos juntar ao pessoal da Paraíba. Juntos, oramos e aguardamos o que viria a seguir, visto que, entre 19 e 20h, as bombas de efeito moral continuavam estourando. Os helicópteros sobrevoavam os arredores do QG e isso causava pânico. Não sabíamos o que estava acontecendo.
MUITA FOME
A nossa última refeição foi às 11 horas da manhã do dia 8 de janeiro, na estrada, antes de chegar em Brasília. A madrugada foi de fome e medo, numa grande apreensão por não sabermos o que aconteceria. A única certeza que tínhamos era de que ali no QG estávamos seguros, pois era o que nos passavam os militares quando perguntávamos.
Ao amanhecer, fomos surprendidos com a entrada do que imagino ser próximo de 3 mil homens do Exército, Polícia Militar do DF e Força Nacional. Nos deram a ordem de sair do QG no prazo de uma hora e falei com as pessoas do nosso grupo para que juntássemos as nossas coisas e fôssemos embora. Porém, para a minha surpresa e de todos que estavam tentando sair dali, a única opção oferecida pelos policiais era a utilização dos mais de 40 ônibus contratados pelo Governo e que estavam estacionados a nossa espera. Junto com a ordem de entrar, as autoridades disseram que após uma averiguação seríamos liberados.
Ficamos mais de duas horas dentro dos ônibus, circulando pelas ruas de Brasília, quando finalmente chegamos ao Ginásio da Polícia Federal. Era entre 12 e 13h de 9 de janeiro e fomos jogados a nossa própria sorte, sem nenhuma informação por parte de policiais e delegados. Não tivemos acesso à alimentação em nenhum momento e a única coisa que comi foi um pequeno panetone que recebi das mãos do caminhoneiro Ramiro Cruz, conhecido como Pato de Borracha.
O DESESPERO DAS PESSOAS
Como sou advogada, resolvi ajudar as pessoas que estavam desesperadas por não terem defesa e entrei em contato com advogados amigos para que se dirigissem até o Ginásio. Eu estava desesperada também, pois não conseguia informações sobre o que estava acontecendo e, também, pelo fato de não conseguir contato com minha família. O que eu sabia era o que aparecia nas mídias sociais. Logo fiquei sem celular por não ter onde carregar.
Às 23h ficou claro para mim que só seríamos soltos após sermos ouvidos pela autoridade policial. Me apresentei para uma das equipes de escrivãos e delegado, das tantas que ali estavam trabalhando, tendo realizado isso juntamente com a pastora. Fomos acompanhadas por um advogado amigo e, como sou advogada, exigi a presença da representante da Comissão de Prerrogativas da OAB, que também me acompanhou na oitiva com o delegado da PF.
Me apresentei como advogada e esclareci que estava no QG prestando serviço jurídico, informação que foi defendida pelo meu advogado e pela representante da OAB. Nada disso teve importância e o delegado disse que eu falasse ao juiz o que eu estava fazendo no QG, pois a partir daquele momento eu estava presa. Ainda na sala do delegado, apresentaram uma nota de culpa para que eu assinasse e não aceitei, porque não tinha cometido qualquer crime. O documento em questão era um xeróx, o que comprova que as condutas não foram individualizadas.
OITIVA, TERCEIRA REVISTA E IML
Ao final do procedimento, às 2 horas da madrugada de 10 de janeiro, os que passaram pela oitiva e pela terceira revista policial desde que nos tiraram do QG, foram levados para uma sala. Eu estava nesse grupo. Permanecemos sentados todo o tempo, após sermos escoltados por uma media de dez agentes da PF. Por volta das 12h fomos encaminhadas para o presídio, horário em que as viaturas do sistema penitenciário chegaram ao Ginásio. Eu estava sem nenhum tipo de alimentação desde que paramos num restaurante de beira de estrada para almoçar, antes da chegada a Brasília no dia 8 de janeiro.
A partir de então, homens e mulheres foram separados e levados em viaturas ao Instituto Médico Legal – IML, para o exame de corpo de delito, momento em que, uma equipe de agentes da Polícia Civil do Distrito Federal, percebendo a situação de fome na qual nos encontrávamos, serviu uma garrafa de café, bolachas cream cracker e água mineral.
Algumas mulheres estavam passando mal por estarem há mais de 24 horas sem se alimentação ou água. Eu presenciei, ali mesmo nas portas do IML, local em que quatro viaturas com as mulheres presas foram estacionadas lado a lado, uma moça de 25 anos em crise nervosa, ao ponto de desmaiar. Ela foi socorrida por nós, presas.
PROCEDIMENTOS PARA ENTRAR NA PENITENCIÁRIA
Do IML fomos levadas para o Presídio Colmeia, entre 13 e 14h, momento em que passamos por todos os procedimentos para darmos entrada no sistema penitenciário: passei pelo scanner corporal, fui obrigada pelas agentes penitenciarias a ficar nua e a me agachar num local sem nenhum tipo de privacidade, onde transitavam funcionários do presídio, homens e mulheres.
Me identifiquei novamente como advogada e, como a representante da Comissão de Prerrogativas da OAB não estava presente quando da minha chegada e apresentação no presídio, fui motivo de chacota entre as agentes. Eu exigi uma representante da OAB para acompanhar todo o meu procedimento e que fosse colocada numa sala de Estado Maior, a qual a lei me dá direito.
MASMORRA SEMPRE MOLHADA
Porém, para a minha surpresa fui levada para um local que parecia mais uma masmorra, pois a cela não tinha energia, o vaso sanitário era rente ao chão, fedia a mofo e entrava água na cela quando chovia e ficava empossada por falta de escoamento. As chuvas foram frequentes em janeiro, então nunca estava seca. Ela está localizada em um local (descobri depois) que era a antiga solitária do presídio, desativada há mais de 3 anos.
Me mantive forte, porém tudo aquilo era muito maior e comecei a ter uma crise de pânico. Tenho 29 anos de advocacia, fui membro relatora do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB do Estado da Paraíba por mais de 4 anos. Eu jamais passei por situaçoes tão vexatórias e esdrúxulas em todos os meus 55 anos de vida. Naquele local, não tinha ninguém que nos desse atenção. Fui auxiliada pela policial penal que estava comigo, pois só tinhamos umas as outras para contar.
COMIDA AZEDA E BANANA PODRE
Por diversas vezes eu gritei para que alguma agente penitenciária entrasse em contato com a Comissão de Prerrogativas da OAB do DF ou Conselho Federal da OAB, mas por ser um subsolo do presídio era quase impossível ser ouvida pelas agentes. Quando estas vinham até nós, era para nos humilhar e gritar conosco. Uma delas, inclusive, veio por volta das 16h trazendo quentinha, uma banana e um suco de caixinha. Como estava com muita fome, com mais de 72 horas sem me alimentar, abri a quentinha e, de imediato, subiu o odor forte de comida azeda. Me neguei a comer! A banana estava podre, então o que me restou foi tomar apenas o suco.
De tanto insistir com as agentes para que entrassem em contato com a Comissão de Prerrogativas da OAB, no meu terceiro dia de prisão, no meio da tarde, um rapaz do setor jurídico do presidio me procurou na cela e informou que a OAB tinha conhecimento da minha presença no Colmeia e que a minha transferência para um quartel estava em andamento, o que me deixou um pouco mais tranquila.
TRANSFEERÊNCIA PARA O 19º BPM
No dia 12 de janeiro, por volta das 22h, fui transferida para o Quartel do 19º BPM, conhecido como Núcleo de Custódia da Polícia Militar do Distrito Federal. Antes de ser recambiada passei por mais humilhações, pois como era patriota, as agentes não faziam a mínima questão de nos tratar com o mínimo de urbanidade. Fui obrigada a ir para o 19º BPM apenas com a roupa do corpo: um short branco meio transparente e uma camiseta branca reutilizada, doados pelo presídio como uniforme de detenta. Solicitei que fosse pega a minha mala e os agentes se negaram. Disseram que os meus advogados poderiam pegar noutra ocasião, pois passava das 22h e era impossível fazer a entrega.
VIDA DEDICADA À ÁREA CRIMINAL
A maioria dos meu anos de Advocacia foi dedicada à área criminal e jamais me imaginei do outro lado. Esta experiência foi por demais dolorosa. Nem nos meus piores pesadelos me imaginei passando por uma situação como esta.
Ao chegar ao 19º BPM, graças a Deus passei a receber um tratamento humano e foi quando comi algo. Era 13 de janeiro, eu estava há quatro dias sem me alimentar. Ao descer da parte traseira da viatura, de cabeça baixa e com as mãos para trás, como nos era exigido fazer no presídio Colmeia, um policial de imediato disse que ali não existia isso, que eu levantasse a minha cabeça e soltasse as mãos.
Após passar pela revista de praxe, fui levada a um alojamento para tomar banho e trocar a roupa íntima. Infelizmente tive que permanecer com a roupa branca do presídio, pois só no outro dia seria avisado ao meu advogado que eu tinha sido transferida para o batalhão e que eu precisava kit de higiene e roupas.
COLEGAS FORAM CHEGANDO DE PRESÍDIOS
Nos dias subsequentes foram chegando os outros advogados e advogadas presos na mesma situação e que estavam nos presídios. Meu nome estava na primeira lista da Procuradoria Geral da República para sair da prisão, porém me foi negada a saída pelo ministro Alexandre de Moraes. Segundo ele, por eu ter postado um vídeo dizendo que estava participando da tomada do poder. A justiça usou como base da negativa uma foto postada pelo site Metroples, de esquerda, onde utilizaram uma foto minha sentada em cima de uma Bandeira do Brasil fazendo “arminha” e, nos dizeres, afirmavam que eu estava na Praça dos Três Poderes. É uma grande fake news por dois motivos: em momento algum me dirigi à Praça dos Três Poderes e o segundo motivo é que nesta foto não tenho tatuagens no braço direito, sendo que o meu braço direito é tatuado. Além disso, é fácil comprovar que não teria como eu estar na Praça dos Três Poderes, porque meu ônibus vindo da Paraíba chegou depois de tudo ocorrido, por volta das 15h30.
PRESA POR MERO CAPRICHO
Com a negativa da minha saída da prisão pelo Moraes, ficou claro que era por eu ter trabalhado como advogada na criação do Partido Aliança pelo Brasil e por eu ser uma ativista política. Ao verificar os meus dados deve ter comprovado mais de 10 mil processos tendo a mim como advogada junto ao TSE. Então resolveu, por mero capricho, me deixar presa. Isso me deixou em desânimo e tristeza, me levando à depressão. Passei a tomar medicação para dormir, para pressão e para depressão, além da perda de 15 kg.
Em 5 de maio de 2023, quatro meses após ser presa, numa noite em que participava da pregação, que era realizada todas as noites pelos PMs, o que foi o nosso apoio por nos aproximar ainda mais de Deus, recebi a notícia que no dia seguinte eu seria levada ao Centro Integrado de Monitoramento Eletrônico – CIME para colocar a tornozeleira eletrônica e, em seguida, poderia retornar para casa.
Estou em casa desde então e tems sido difícil trabalhar, pois sou obrigada a seguir horários limitados, não posso sair da minha comarca e a prisão domiciliar de finais de semana é de 24 horas. Tudo isso dificulta o exercício da minha profissão e não me envergonho de dizer que estou sendo ajudada por patriotas, porque eles conhecem a minha realidade financeira desde que a minha vida virou de ponta-cabeça. Foram 117 dias presa, quatro meses sem condições de pagar as minhas contas.
Hoje, ao ouvir qualquer relato do que passamos no Ginásio da Polícia Federal, um verdadeiro campo de concentração, onde várias pessoas vieram à óbito, onde em nenhum momento recebi alimentação ou sequer água; ao ouvir falar do QG ou Colmeia, é inevitavel chorar, pois parece que volto no tempo e revivo todo aquele inferno. Vivo com os traumas adquiridos nestes quatro meses de prisão, além de toda as dificuldades de trabalho e sem perspectiva de voltar a viver a vida com dignidade, uma vez que somos obrigados a cumprir medidas cautelares que nem aos piores bandidos são determinadas.”
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Simplesmente inacreditável!!! Que Deus honre todos esses patriotas injustiçados e lhes dê a vitória. Muito triste saber que ouve óbitos e nada foi falado e nem mesmo apurado.
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