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SEM DINHEIRO! A SINA DE MUITOS PATRIOTAS

Por Ana Maria Cemin – Jornalista

02/11/2023 – (54) 99133 7567

Julaia Peres Mazzega, 34 anos, é o tipo de mulher determinada em todos os sentidos. Ainda muito jovem, ela mirou no Wesdra Santarém Mazzega, 44 anos, e decidiu que era com ele que viveria os seus dias. Eles estão juntos há 20 anos e têm dois filhos: uma moça de 17 anos e um menino de 11 anos.

Os dois são do Amazonas, porém adotaram há seis anos a cidade de Joinville, SC, para viver com a sua família. São pessoas simples e sempre conseguiram levar a vida, até que o 8 de janeiro virou de pernas para o ar as suas vidas. Hoje vivem medicados e esperam a sua liberdade de volta, com a retirada das tornozeleiras eletrônicas.

Wesdra saiu irreconhecível da prisão, magro e com o emocional muito abalado. Desde o ano passado não pega mais estrada, porque não pode. O uso de tornozeleira impede o exercício da sua profissão.

Eles desejam resgatar parte da rotina que tinham até serem presos: ela no Presídio Colmeia por 55 dias e, ele, no Presídio Papuda por 80 dias. A razão da prisão? Foram participar de uma manifestação pacífica e ordeira, como a que participavam na sua cidade, só que em Brasília. Ambos foram enquadrados no Inquérito 4921 e têm uma vida restrita desde que saíram de Brasília. Vivem em prisão domiciliar e precisam de ajuda, volta e meia, para dar conta das despesas básicas.

20 ANOS DE ESTRADA

Wesdra é caminhoneiro há 20 anos. A sua última viagem foi para Pacaraima, localidade de Roraima que faz fronteira com a Venezuela. Saiu de casa em meados de outubro e voltou nas vésperas do Natal e Ano Novo de 2022, para as festividades em família. A Julaia é motorista de caminhão e trabalhava com carteira assinada numa empresa onde fazia o transporte dentro do município, mas tinha saído da empresa e estava com entrevista de trabalho agendada para 10 de janeiro de 2023.

Julaia na Praça dos Três Poderes, em vídeo feito às 16h08 do dia 8 de janeiro de 2023. Jamais imaginaria ter pela frente a experiência de ser presa e passar por todas as perdas que vem sofrendo junto com a sua família.

Tudo isso mudou quando resolveram ir a Brasília, aonde chegaram na madrugada do dia 8 de janeiro. De lá, após almoçarem no QG da capital federal, foram à Praça dos Três Poderes não sem antes serem revistados por guardas.

 O caminhoneiro Wesdra desde então não pode mais trabalhar, porque ao voltar para casa veio com a tornozeleira eletrônica que o impede de viajar. A Julaia idem, mas ela ainda consegue fazer diárias de motorista. Em alguns dias consegue trabalho, noutros não.

Julaia se mantém forte, fazendo as diárias de motorista de caminhão. Faz o possível para se recuperar dos traumas da prisão em Brasília.

GELADEIRA VAZIA

A minha conversa com Julaia começa com ela mostrando a geladeira esvaziada. Não é mulher de fazer rodeios e me conta que a vida na prisão foi dura, mas as coisas ficaram ainda piores depois que voltaram para casa. Tudo mudou! A filha de 17 anos saiu de casa e diz que tem vergonha dos pais. Pouco conversa com o casal.

A luta é por sobreviver. A prioridade é manter a casa com alimento. Até que as tornozeleiras sejam tiradas do casal e sua vida volte a uma certa normalidade.

“Nunca tivemos que viver de doações. Trabalhamos dia e noite para comprar o nosso apartamento e manter os nossos filhos. O fato de minha filha sair de casa, quando retornamos da prisão, foi o pior golpe que vivemos, porque sempre educamos com limites e, por ficarmos tanto tempo fora, ela criou uma revolta e decidiu morar com o namorado”, conta a mãe.

Para Julaia foi como um passarinho mantido dentro de limites que voou para fora da gaiola e não quer mais voltar. O pai diz que a perda da “pedra mais preciosa” foi muito pior do que a prisão no Papuda. “Eu abençoo a escolha da minha filha, mas eu tinha projeto de conseguir viabilizar a faculdade de Medicina que ela tanto queria, nem que fosse necessário mudar de cidade e estado. Hoje, depois de tudo o que nos aconteceu, ela vive uma outra vida e não estamos mais próximos”, lamenta Wesdra.

REMÉDIOS PARA “FICAREM BEM”

Julaia diz que os dois hoje vivem com medicação controlada e Wesdra precisa de atendimento psicológico e psiquiátrico, coisa difícil de conseguir via SUS. Ela começa a listar os medicamentos que tomam e eu pergunto se antes de serem presos eles tomavam algum remédio. Ela diz prontamente que não esse tipo. Tomavam Dorflex, de vez em quando para acalmar as dores decorrentes da posição de motorista por largas horas.

“O mais afetado é Wesdra que voltou de Brasília e se isolou do mundo, ao ponto de eu o ver todo enrolado no lençol num canto da cama. Ele nunca foi assim! Sempre foi o mantenedor da casa e eu não posso me abalar, não podemos virar dois zumbis dentro de casa. Preciso me manter forte por ele e pelo nosso filho de 11 anos”, me conta. O menino estuda pela manhã em escola regular e, à tarde, no SENAI.

EMOÇÕES A FLOR DA PELE

Wesdra diz que a prisão despertou muita emotividade já dentro do Papuda, tanto que ficou em isolamento por 16 dias. “É horrível, porque sinto cheiro de carne podre no meu corpo e um gosto de sangue na minha garganta”, me fala o patriota. “Eu vi muita coisa lá na Polícia Federal e no Papuda. Conheci gente capaz de fazer qualquer coisa. Nunca imaginei que o ser humano pudesse ir tão longe nas suas maldades. Lá na Academia de Polícia passei muito mal ao comer um pedaço de pão, tive a sensação de ser envenenado. Fui parar no Samu com dores horríveis, mas por sorte não comi todo o pão. Inclusive, lá no presídio eu não comia, não por falta de fome, mas porque era impossível comer algo tão horrível. Perdi 28 kg lá dentro”, relata Wesdra. Não raras vezes, me diz, foi ameaçado de morte por agentes que faziam o “L”. “Diziam que iriam cortar o meu pescoço”, relata.

A maior dor dos pais é o fato de ficarem longe dos filhos tanto tempo. Além da filha sair de casa, o filho de 11 anos passou por sérios problemas psicológicos. “Nós somos o porto seguro de nossos filhos e eles ficaram à deriva durante muito tempo”, diz Wesdra, entristecido.

COMO SUPERAR TANTOS TRAUMAS?

Julaia diz que o marido ouve vozes, está traumatizado. Ela tenta explicar que isso é consequência de tantas coisas vividas no presídio e que ela também carrega lembranças ruins, mas que ele não deve se apegar tanto. “Eu fiquei na Ala Delta. Éramos 137 mulheres. O barulho de vozes altas, orações e até brigas eventuais existia de forma constante por ter muita gente agrupada num só local. Depois que sai de lá precisei ficar sozinha, ter os meus momentos, para me recuperar”, relembra.

Para Wesdra, o tempo mostrará porque tantas coisas erradas foram vistas no dia 8 de janeiro e nos dias seguintes, sem que fizessem qualquer sentido. Os patriotas manifestantes foram amplamente revistados, no entanto, na Academia da Polícia Federal foram vistos capacetes, escudos, máscaras e outros equipamento de guerra, assim como gasolina e outros combustíveis. “Como esse material foi para lá se fomos revistados? Não faz sentido”, conclui.

Tornozeleira na perna e camiseta com as mensagens e assinaturas dos amigos patriotas que fez no Papuda. Uma experiência dolorosa que precisa ser ressignificada e, ao seu tempo, fortalecer o espírito do patriota Wesdra.

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