Moradores de rua seguem presos no Papuda

Ana Maria Cemin – Jornalista

25/10/2023 – (54) 99133 7567

Nos dias 8 e 9 de janeiro, os agentes da polícia brasileira passaram um “rodo” em Brasília e cerca de 1,5 mil pessoas foram parar nos presídios da capital federal. Ontem, 24 de outubro, tomei consciência de mais uma situação grotesca: dois indigentes, um do Pará e outro do Ceará, estão até hoje presos por ordem do Supremo Tribunal Federal. Serão julgados pelo Inquérito 4922, que tem sentenciado os julgados a penas entre 12 e 17 anos de prisão, com raras exceções.

O relato que segue é da advogada dos dois mendigos encarcerados, Dra. Tanieli Telles de Camargo Padoan. Ao final da matéria, escrevi um breve perfil da advogada e a sua devoção aos patriotas.

Geraldo, 27 anos, é do Ceará e deixou sua família sem informação de seu paradeiro. É morador de rua e vivia no Centro POP de Brasília antes de ser preso. É fã do PT e do Lula, tem um filho de 7 anos, e estava de curioso na Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro. Não há prova contra ele, mas permanece preso desde então.

GERALDO, DE FORTALEZA

“Nesse momento, tenho quatro assistidos no Papuda, em função de estarem em Brasília no dia 8 de janeiro, na Praça dos Três Poderes. Os demais patriotas que assisto cumprem cautelares, em casa, com tornozeleira eletrônica.

Um dos que seguem presos é morador de rua e petista. Geraldo Felipe da Silva não se dá com os colegas de cela por serem patriotas e isso, às vezes, é um problema. Geraldo é do Ceará e tem problemas mentais devido ao consumo de drogas. Saiu de casa e nunca mais voltou ou deu notícias. Nos últimos tempos estava no Centro POP de Brasília, especializado em população em situação de rua.

No dia 8 de janeiro, quando Geraldo viu a movimentação na Praça dos Três Poderes ficou muito curioso. Foi ao local, foi preso no gramado e enquadrado no Inquérito 4922. Naquele momento, ele estava descalço, sem celular, e não há qualquer indício de que depredou. O laudo da Polícia Federal comprova que nenhuma imagem dele foi identificada nas gravações que justificasse a prisão que dura dez meses.

Passei a assistir Geraldo em fevereiro e somente quatro meses depois consegui localizar a sua mãe Iara, no Ceará. Ela é cantora, uma pessoa de uma família maravilhosa, e me disse que o filho tinha desaparecido e todos achavam que estava morto. Foi uma surpresa para ela saber da prisão e de Geraldo estar entre manifestantes conservadores.

ANTÔNIO, DO PARÁ

O outro morador de rua que assisto também está preso e é do Inquérito 4922. Antônio G. S. é do Pará e até hoje não consegui ter contato com a família. Ele é andarilho e ficou no QG de Brasília, junto com os patriotas, e entrou no ritmo. Foi muito bem tratado, tinha o que comer e acredito que por isso ele foi ficando.

A prisão dele ocorreu no estacionamento do Ministério da Justiça no dia 8 de janeiro. Ele estava com a mochila cheia de lixo que ele juntou naquele dia para vender depois. Não há nada que comprove envolvimento dele em qualquer situação de depredação.

Então, diante das histórias de vida que chegam para mim diariamente desde 8 de janeiro, eu decidi largar a minha rotina profissional. Todos esses indivíduos são presos políticos e têm uma história por trás de tudo isso. Eu me identifiquei demais com cada um deles.”  

Quem é a Dra. Tanieli?

“Hoje tenho 110 ações penais no Supremo Tribunal Federal em meu nome, como advogada de defesa, sendo que algumas sigilosas. Todos os dias sou procurada por pessoas que precisam de defesa em função dos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 e, também, de 12 de dezembro de 2022. É comum os patriotas me procurarem para fazer o substabelecimento.  Quase todos que eu atendo hoje são 100% pro bono, a exceção fica por conta de dois assistidos que têm boas condições de vida. Eu tinha mais atendidos pro bono, mas acabei declinando de alguns por perceber que tinham condições financeiras para bancar um advogado. Para dar conta da demanda de trabalho, conto com a ajuda de outros advogados criminalistas nas petições, mas não abro mão de fazer as audiências. Para quase a totalidade das ações eu não tenho nenhum tipo de remuneração e as minhas despesas, como as idas a Brasília, as famílias se cotizam e pagam a minha estadia, alimentação e passagens. São as famílias que ajudam a viabilizar o meu trabalho aos seus parentes presos.” – Advogada Tanieli Telles de Camargo Padoan, moradora de Jaraguá do Sul, SC.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *