
Por Ana Maria Cemin – Jornalista
05/02/2024 – (54) 99133 7567
O menino Lorenzo, de 7 anos, ficou mais de dois meses sem ver o pai e a mãe depois que eles foram a Brasília numa excursão de bate-volta, iniciada com chegada em 8 de janeiro no QG e retorno marcado para o dia seguinte.
A criança também nunca mais voltou para casa, imóvel de herança compartilhada, que acabou sendo solicitado por outro herdeiro. Durante a prisão dos pais, Lorenzo foi para a casa dos avós e lá ficou até que a mãe Jacqueline Spirlandeli, 46 anos, e o pai Marcelo Henrique Cintra, 38 anos, voltassem dos presídios Colmeia e Papuda para Franca, São Paulo.
O tempo de prisão “patriótica” por se manifestarem em frente ao quartel foi de 64 dias para ela e 67 para ele. Nesse tempo de cárcere, Jacqueline perdeu 13kg e, Marcelo, 16kg.
Lorenzo é o único filho do casal, que está junto há 8 anos, mas Jacqueline tem outros dois, um de 19 e outro de 21 anos; e Marcelo também tem outros dois, de 14 e 17 anos, que moram com a mãe. Em julho de 2023, por não ter pagado a pensão dos filhos, Marcelo recebeu voz de prisão, criando um reboliço na vida do casal.
A saída foi pedir um cartão de crédito emprestado para quitar a pensão à vista. Isso acarretou uma despesa mensal parcelada em cartão emprestado, além da pensão vigente. O empréstimo garantiu que Marcelo não voltasse à prisão e Lorenzo tivesse a presença do pai em casa, depois de longa ausência sem sentido, entre janeiro e março.
Enquanto estavam presos, ficaram na casa da família apenas os dois filhos mais velhos de Jacqueline, porém um sobrinho de Marcelo requereu o uso do imóvel, por entender que tinha direito a usufruir da herança da avó. Nenhum obstáculo foi colocado pelos jovens para essa exigência e os pais de Jacqueline construíram, a toque de caixa, uma casa ao lado da sua, providência iniciada ainda durante o período em que estavam na prisão.

Até ser preso, Marcelo era frentista. Ao sair ficou sem emprego e foi trabalhar numa transportadora. Porém, atualmente está fazendo “bico” para tentar ganhar um pouco mais; ele corta grama e faz pequenas reformas para viver. O trabalho de montagem de sapatos, exercido pela Jacqueline há mais de uma década está com baixa demanda, inclusive em janeiro de 2024 a baixa foi grande. Assim, a pensão dos filhos de Marcelo segue atrasando, paga um mês e atrasa outros. “A renda está muito baixa e fora do controle. As coisas no mercado estão com preços absurdos e estou ficando apavorada”, diz ela.
Jacqueline não reclama da casa inacabada, nem de estar sem advogado desde a saída do presídio, e me diz que ter um teto é uma bênção. Porém, enquanto conversamos sobre tudo isso eu sinto a tristeza em sua voz e, embora fale de forma simpática e com ares otimistas, logo tudo muda e ela chora. Não provoco o choro com as minhas perguntas, pois estou apenas ouvindo a sua história para compreender os seus passos nos últimos tempos. O que vem dela, emoções misturadas e relatos, é a sua experiência de janeiro de 2023 para cá, ainda muito mal resolvida dentro de si. Uma dor que é possível sentir à distância, eu em Caxias do Sul, RS, e ela lá em Franca, SP, no sítio dos seus pais, onde agora tem uma nova casa.

“Sou uma pessoa que não gosta de pedir ajuda”, me diz a patriota, e sei que é sincera. “Estou muito sensível desde que fomos presos daquele jeito em Brasília e agora penso que tudo que ocorre de errado ao meu redor é minha culpa. Ontem, por exemplo, estava triste porque deu algum problema na conta do banco da minha mãe e logo achei que era por minha causa, fiquei abalada até saber que não era nada. Os meus pais são boas pessoas, mas a forma como falam comigo parece que estão me atacando”, revela.
O seu estado emocional está abalado, tem as dívidas do marido pesando no orçamento, sua renda caiu demais e os dois não conseguem se manter sem ajuda. Jacqueline, no entanto, continua com planos. Seu desejo sincero é voltar para Brasília para abraçar duas pessoas. Quais? Duas policiais!
“Um dia voltarei para abraçar as duas. Uma delas me socorreu quando eu ainda estava no Campo de Concentração. Lá, Marcelo e eu sempre estávamos juntos até que fomos para frente do delegado de polícia cada um no seu tempo. Quando sai da sala do interrogatório o meu marido não estava me esperando e eu surtei, comecei a chorar em demasia e a policial disse que me levaria à enfermaria. O delegado disse que não, e mesmo assim ela me levou até lá, cuidou de mim e, ainda, procurou pelo meu marido e o trouxe até mim para que eu visse que ele estava bem, que ele não tinha sido levado para o Papuda. Eu me senti morrendo e renascendo naquele momento, então preciso abraçar essa policial pelo respeito e ato humanitário que teve para comigo. A segunda policial que desejo abraçar em Brasília é a que passou o recado ao meu marido de que o endereço da nossa moradia tinha mudado (sítio dos pais). Eu saí três dias antes que Marcelo e ela deu o recado e isso, para mim, foi muito importante por demonstrar consideração conosco”, relata.
Associação dos Familiares das Vítimas de 8 de Janeiro (ASFAV), conseguiu uma psicóloga para Jacqueline reestruturar as suas emoções pós-trauma.
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