
Ana Maria Cemin – Jornalista
29-02-2024 (054) 99133 7567
Condenado a 16,5 anos de prisão pelo júri virtual do Supremo Tribunal Federal, o preso político Eduardo Zeferino Englert, 42 anos, é um empreendedor de Santa Maria, RS. Ele vive altos e baixos e lembra quase nada da primeira cela em que ficou no Presídio Papuda, em Brasília.
Antes disso, a vida de Eduardo era de muito trabalho e envolvimento com a família. O pai é proprietário de um mercado de bairro e uma ferragem, um de seus filhos tem uma loja de celulares e todos se ajudam. As três gerações dos Englert trabalham juntas na cidade gaúcha Santa Maria.
A educação dada aos filhos Murilo, 19 anos, e Bernardo, 20 anos, foi conjunta com os seus pais, com divisões de tarefas dentro de casa e no trabalho, e muitas responsabilidades. Nunca prometeu recompensas para motivar os filhos a fazerem as suas obrigações, por entender que isso é uma forma de corromper a crianças e adolescentes. Uma de suas principais preocupações com o Brasil é justamente a forma de pensar dos brasileiros que os levam, desde cedo, à corrupção. Esta é, talvez, a sua principal pauta no que tange à política nacional.
Um homem assim é considerado criminoso pelo Estado Brasileiro e ficará todo esse tempo preso após o trânsito em julgado da sentença. No dia 5 de fevereiro de 2024, o advogado Marcos Vinicius Rodrigues de Azevedo apresentou recurso de Embargos de Declaração com Efeitos Infringentes no processo de Englert.
Conversei demoradamente com familiares e com o Dr. Azevedo para entender a história de Eduardo, para que possamos tirar as nossas próprias conclusões sobre a sua prisão, julgamento e martírio desde 8 de janeiro de 2023.
QUEM É EDUARDO ENGLERT?
Durante as eleições de 2022, em especial no segundo turno, Englert ficou muito incomodado com o comportamento da imprensa e a pressão sobre as pessoas que declaravam voto no Bolsonaro nas mídias. O estopim para ficar ainda mais desconfiado sobre as eleições foram as apurações dos votos, quando assistiu atônito, junto com milhões de brasileiros, o atual presidente Lula ultrapassar Bolsonaro, o que parecia impossível naquele momento.
O candidato da direita era visivelmente o preferido da Nação e, na visão de muitos brasileiros, poderia ter algo errado acontecendo. Até porque as Forças Armadas estavam aguardando o Código Fonte e todo mundo falava sobre isso. Decidiu, então, ir para as ruas reforçar o pedido de transparência do pleito. Era mais um entre milhões de descontentes.
Seu ponto de manifestação era o QG de Santa Maria, mas não ia com tanta frequência. Passava por lá, observava o movimento e reforçava essa indignação coletiva. Seu receio era a volta da corrupção sistêmica no Brasil, por não achar normal. Ele entende que não podemos achar que isso sempre aconteceu e sempre acontecerá. Pensa que é preciso evoluir como Nação. Eduardo diz que isso depende da mudança de pequenos hábitos que incentivam a corrupção desde cedo dentro de casa. A relativização do que é certo ou errado acaba por destruir a ética do indivíduo e a moral de uma sociedade.
No QG de Santa Maria, como no resto do Brasil, era cantado o Hino Nacional. Eduardo observava o movimento das pessoas com o olhar de um estudante de Psicologia, 7º semestre. Ele sempre gostou de analisar o comportamento das massas, da união da população na promoção do bem comum, e o movimento gigante que acontecia no Brasil era uma experiência rica para quem tem essa visão analítica.
UMA GRANDE FAMÍLIA NAS RUAS
Dos acampamentos em frente aos quartéis surgiu uma grande família que defendia o melhor para o Brasil, na visão de Eduardo. Não interessava a classe social e todos estavam unidos pelo mesmo pensamento. O local, em frente às Forças Armadas, parecia perfeito para a garantia da segurança. Isso era o que ele sentia e pensava até ser preso e condenado.
No dia 6 de janeiro, sexta-feira, Eduardo olhava o seu WhatsApp e estava sendo organizada uma ida à capital do Brasil em ônibus, por um valor que cabia no seu bolso. Falou com a família, que não se opôs, e foi para a viagem. Quando soube que o ônibus sairia de Passo Fundo, que fica a 273 km de sua cidade, quase desistiu, porém refletiu e comprou uma passagem de ônibus de linha para a cidade de onde sairia a excursão patriótica.
CHEGADA NO CTG COM CARRETEIRO GAÚCHO
A saída de Passo Fundo em direção à capital do Brasil foi na madrugada de 7 de janeiro. O destino era o Centro de Tradições Gaúchas de Brasília, onde o ônibus chegou às 15h30 de 8 de janeiro, domingo. Foram recepcionados pelo Patrão do CTG com um carreteiro à moda gaúcha.
O grupo gaúcho teve todo o suporte para higiene e alimentação no CTG, e foi nesse local que receberam as informações de que as pessoas estavam se dirigindo em marcha para a Praça dos Três Poderes ainda naquela tarde. Eduardo saiu sozinho em direção à manifestação, às 16h30, porque não conhecia as pessoas com as quais viajou. Levou 30 minutos para chegar no local, conforme o Google.
O Centro de Tradições fica do lado oposto ao QG dos patriotas, e ele não tinha a menor ideia por onde entrar na praça, pois não tinha fluxo de pessoas no lado onde estava tentando entrar. Além disso, daquele lado tinha uma barreira que impedia a passagem. Falou com dois policiais montados em cavalos e perguntou sobre como estava a manifestação e eles disseram que estava tudo sob controle.

POLICIAMENTO: SINÔNIMO DE SEGURANÇA
Pela internet, soube que a polícia estava agindo contra arruaceiros e pensava serem ações para a garantia da segurança dos manifestantes e que esses infiltrados estavam sendo recolhidos. Um dos dois policiais com quem conversou antes de entrar na praça era mulher e disse a ele por onde seguir para chegar ao local da manifestação. Seguiu andando, chegou numa rua onde ficava a equipe do SAMU e preferiu voltar até o ponto inicial e tentar outro caminho, porque parecia muito distante aquele indicado. Até aí a sensação era de que tudo estava tranquilo, nenhuma anormalidade.
Ao voltar para ao ponto onde encontrou os policiais, viu que as barreiras de metal tinham sido recolhidas pela guarda. Com a passagem livre, subiu pela lateral, e chegou às 17 horas na Praça dos Três Poderes. Sentiu uma sensação incrível por estar no local onde estão os três poderes da nossa República. Foi algo indescritível, emocionante.
Viu ao longe a Bandeira do Brasil hasteada e se posicionou junto a ela enquanto assistia a confusão acontecendo e a polícia agindo, mas pensou “devem ser as pessoas que estavam fazendo bagunça”.
Seu olhar era de contemplação de ver uma praça tão ampla e com prédios tão poderosos. Era a sua primeira vez em Brasília e sentiu que era um homem de sorte. Afinal, saiu do Rio Grande do Sul para ver uma manifestação tão importante, num local que representa a nossa democracia. Eduardo estava sob o efeito do fascínio e da inocência.
HELICÓPTEROS CONDUZINDO PARA DENTRO DO PALÁCIO
Sem mais nem menos, ainda sob o efeito da cidade mais poderosa do País, Eduardo passou a ver helicópteros em voos rasantes, a 20 metros de altura, e policiais fortemente armados atirando nas pessoas. Inúmeras bombas eram jogadas na direção da população.
As bombas eram de gás lacrimogêneo e de efeito moral, mas como Eduardo poderia saber? Como ele poderia deduzir que os tiros eram de balas de borracha? Tudo aquilo foi completamente inusitado ao gaúcho que acabava de chegar em Brasília, a mesma sensação de estar vivendo algo surreal acometia toda aquela população. Assustado e com muito medo de ser alvejado pensava numa saída daquele contexto bélico.
Percebeu que o movimento dos helicópteros era ritmado, de forma a empurrar os manifestantes que restaram na Praça dos Três Poderes em direção ao Palácio do Planalto. Era como se os brasileiros que ali estavam se manifestando fossem gado conduzidos por peões. Não tinha como ir em outra direção a não ser a direção induzida pelo policiamento.
Ainda ingênuo, Eduardo colocou a Bandeira no Brasil na cabeça e ligou a lanterna que levava consigo para emitir os sinais de SOS. Acreditou ser importante para informar que não era um manifestante hostil e, assim, deixaria de ser um alvo na praça. Não funcionou! Ele olhava de um lado para o outro naquele descampado e não via um local para se abrigar. Foi então que percebeu muitos manifestantes subindo a rampa em desespero e foi atrás deles.
A PORTA ESTAVA ABERTA
Ao chegar no Palácio do Planalto, Eduardo encontrou a porta aberta, quebrada, e alguns móveis estavam revirados. Percebeu muitas pessoas abrigadas lá dentro, se protegendo dos ataques aéreos. Viu o Exército Brasileiro e ficou aliviado, por saber da responsabilidade da instituição com as pessoas de bem. No saguão, os patriotas rezavam ajoelhados sobre as suas Bandeiras do Brasil estendidas no piso e pediam para que os soldados os protegessem.
Por respirar os gases das bombas, Eduardo se sentia tonto e atordoado. Olhava ao redor e via muitos idosos, mulheres, jovens e até crianças diante de uma coluna de policiais muito jovens, cujos olhares eram de pavor. Notou pela expressão dos meninos-policiais que até mesmo eles temiam tudo aquilo.
A sua reação foi sair do Palácio e voltar para o CTG e, nesse momento, viu um grupo vestido de preto, com seus rostos pintados, calçando botas de cano longo saindo do prédio pelos fundos. Não teve dúvida: era os black blocs se retirando do palácio, sem qualquer dificuldade.
AGRESSIVIDADE DO BATALHÃO DE CHOQUE
Ele tentou sair por onde entrou, a porta da frente, exatamente no horário no qual a Polícia de Choque subiu a rampa. Sem considerar a população que ali estava, o Choque entrou agressivamente, jogando muitas bombas para dentro do prédio, quebrando vidros e até mesmo o espelho do saguão.
Eduardo, num instinto de sobrevivência, recuou e se colocou atrás de um pilar. Às 17h20 recebeu a voz de prisão junto com os demais manifestantes acossados. Ou seja, 20 minutos depois de chegar na Praça dos Três Poderes Eduardo começou uma jornada de vida que é a pior experiência que um cidadão dessa Pátria pode ter na vida: ser perseguido e injustiçado pelo Estado Brasileiro, aquele para o qual trabalhamos e recolhemos impostos e que existe para nos servir.
Ali no chão do palácio, onde a Polícia de Choque os obrigou a deitar, aquelas pessoas passaram a ouvir inúmeros palavrões do comando. Uma patriota chamada Daniela pediu ajuda aos policiais por estar passando mal e, ironicamente, o comandante da operação a chamou para perto e deu-lhe um tranco fazendo com que essa senhora, uma mãe, caísse no chão, gerando um forte e assustador estrondo. A cena foi horrível! O pastor Jorge, conhecido como Shalom, recebeu um chute tão forte que seu pulso ficou com gesso por um bom tempo dentro do Papuda.
TROCA DE POLICIAMENTO
As pessoas dentro do Palácio não esboçaram qualquer resistência, porém a violência do batalhão foi brutal. O policiamento chegou a brigar entre si. Um policial vestido com farda cinza azulada gritava: “Essas pessoas aqui não fizeram nada. Elas têm que ir embora”. Porém, os seus apelos foram em vão, porque o comandante da operação declarou que todos seriam presos. Depois disso, deitados no chão, sem qualquer reação, o único som que se ouvia era de choro pela comoção geral.
Em seguida chegaram outros policiais mais calmos, com a missão de explicarem que seriam prestados depoimentos, assinariam um Termo Circunstanciado para serem liberados. Então foram conduzidos aos ônibus, saindo do prédio pela rampa. Alguns estavam algemados, outros com as mãos amarradas com enforca gatos ou tinha quem desceu sem nada. Entre a descida da rampa e a entrada no ônibus, Eduardo conseguiu a liberação de um policial para fazer uma ligação à família, quando informou o ocorrido e tranquilizou dizendo que estava tudo bem e logo estaria em casa.
IDOSO URINADO PEDE AJUDA
Ao entrar no ônibus, Eduardo foi para o fundo do ônibus e ficou de pé. De lá, assistiu a entrada de muitos idosos. Foi o primeiro contato com aquelas pessoas, uma diferente da outra, e ficou com receio de todos por não os conhecer.
Um senhor de mais de 60 anos urinou nas calças de tão nervoso e pediu ajuda ao Eduardo para ligar para casa, queria falar com a esposa. O idoso estava tão abalado que não conseguia fazer uma ligação.
O ônibus seguiu para a Polícia Civil e lá dentro Eduardo ficou sentado no chão com as outras pessoas. Um preso político chamado Lucas Brasileiro, profissional do Direito, estava com a Constituição Federal nas mãos e mostrava para os policiais civis que tudo aquilo de algemar cidadãos de bem estava errado.
Eduardo se meteu na conversa e disse que os policiais naquele momento só estavam cumprindo ordens e fazendo o papel deles. Um dos policiais disse para o Lucas escutar por ser um comentário sensato, e algemou os dois juntos, de forma que passaram a madrugada toda algemados, do lado de fora do prédio, pegando uma garoa e sem alimentação.
DEPOIMENTO NA MADRUGADA DO DIA 9
O depoimento de Eduardo na Polícia Civil ocorreu por volta das 5 horas da manhã de 9 de janeiro. Foi quando ele começou a entender que estava enrascado, pois teve que deixar todos os seus pertences na delegacia e ficou sabendo que estava sendo acusado pelo artigo 359-L (incluído no Código Penal pela Lei 14.197/21) que trata da tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito com emprego de violência ou grave ameaça, impedindo o exercício dos poderes constitucionais.
Exaltado, considerando aquela acusação um absurdo, ele disse ser um manifestante comum e pacífico. O delegado, numa linguagem cordial, disse que sabia, porém cumpriria a “ordem vinda de cima” e apresentou duas possibilidades para Eduardo: assinar o documento ou assumir a complicação de não fazer isso. Até hoje ele não lembra se assinou, porque na sua cabeça ecoava uma frase: “Você vai para o presídio”.
Na delegacia havia um local de triagem, e foi nesse local que ele identificou a presença de dois meliantes ensanguentados, com roupas rasgadas e que roubaram objetos na Praça dos Três Poderes. A dupla foi ouvida e liberada pela porta da frente da Delegacia. Não bastasse o privilégio da liberdade em relação aos manifestantes, ainda largaram uma frase irônica para ser lembrada para o resto da vida: “Nós que roubamos estamos indo embora; vocês, patriotas, vão ficar presos”.

TODOS ENJAULADOS
A partir da coleta do depoimento, os homens foram levados para uma jaula onde havia um único banheiro imundo, com vaso rente ao chão, com fezes secas de muitos dias. Foi a última vez que Eduardo viu aquelas senhoras e menores que foram presos com ele naquele 8 de janeiro.
Na jaula, os homens continuavam com receio uns dos outros por não se conhecerem. Enquanto isso, os policiais fotografavam os seus pertences e colocavam os seus nomes. Eduardo entregou o celular, bandeira, lanterna e carregador de celular dentro da mochila que carregava. Objetos que nunca mais viu.
Em seguida, foram conduzidos para outra jaula localizada na área central da Polícia Civil, o ambiente de detenção, sendo que ao redor dela fica a carceragem com os presos comuns, que de fato cometeram crimes.
Já dentro dessa nova gaiola, inclusive com grades no teto, por volta das 12 horas do dia 9 de janeiro, os patriotas presos começaram a ser ameaçados pelos presos comuns. “Tocavam terror” com o uso de termos muito comuns à bandidagem. Enfatizavam: “Nós aqui fizemos o L”. O resto dos palavrões Eduardo não fez questão de contar para a família e advogado por serem expressões grosseiras e rudes. Não demorou para os policiais entrarem no local para defender os patriotas, fazendo uso de spray de pimenta nos criminosos.
1ª ALIMENTAÇÃO DEPOIS DO SEQUESTRO NO PALÁCIO
Como almoço foi servida uma marmita na delegacia. Eduardo não viu colher para comer e pediu uma ao policial. Como resposta obteve a explicação de que ele deveria moldar uma colher com a tampa da marmita ou comer com a mão. Essa ausência de civilidade no uso de um talher representou muito para a vida de todas aquelas pessoas. Eduardo só pode voltar a comer com uma colher de plástico um mês e meio depois, dentro do Presídio Papuda. Todos concordaram que ter uma colher depois de mais de 40 dias sem uma melhorou a autoestima dos presos políticos.
A opção era comer o que estava sendo servido ou morrer de fome. A comida era horrível, mas o instinto os levou a comer até mesmo o que está estragado. Eduardo diz que a insegurança alimentar é uma das piores situações à qual o ser humano pode ser submetido. Eduardo sabia que aquilo que era oferecido para comer na prisão não tinha qualidade e nem a quantidade necessária de nutrientes.
“A VIDA DE VOCÊS NÃO SERÁ FÁCIL”
Depois de alimentados dentro da jaula, o mesmo policial que lhes entregou as marmitas os chamou para uma conversa com o objetivo de anunciar o próximo destino: o Presídio Papuda. “A partir de agora a vida de vocês não será fácil. Todos aqui são ficha limpa, então vou dar uma dica: conversem o mínimo possível, mantenham a serenidade e a fé. Essa experiência separará homens dos meninos”.
De lá foram de camburão até o Instituto Médico Legal (IML) e, na sequência, para o Papuda. Passaram por uma triagem muito humilhante no pátio, na qual todos tiveram que ficar nus na frente de policiais femininos e masculinos. Além disso, os fizeram agachar e sentar no chão ainda sem roupas, um encostado no outro, frente e atrás. Encaixados.
Eduardo diz que os policiais os trataram mal naquele primeiro momento dentro do Papuda por pensarem que eram terroristas. Era isso que os jornalistas diziam insistentemente nos grandes Veículos de Comunicação, liderados pela Rede Globo. Aqueles policiais também são vítimas da desinformação e não tinham a menor ideia de quem eram os presos de 8 de janeiro. Então foram rudes demais.
PRIMEIRA CELA: 12-A
Eduardo foi para a Cela 12-A com capacidade para oito pessoas, mas ficaram em 16 presos políticos. A cela aparentava sujeira de muito tempo, com teias de aranha, muita poeira e sujeira seca. Os colchões eram novos, o que causou estranheza nos detentos. Logo na chegada, os presos políticos limparam tudo. Eduardo ficou feliz em ter pelo menos um colchão limpo. Durante os dias seguintes à prisão, ele acordava apenas para comer e ir ao banheiro. Entrou num estado de defesa.
O único remédio que Eduardo tomava até entrar no Papuda era para o controle de hipertensão, mas ficou sem ele. Só depois de trocar de cela é que recebeu o remédio com a ajuda de Gabriela Ritter, a presidente da Associação dos Familiares das Vítimas de 8 de Janeiro (ASFAV). O pai de Gabriela, Miguel Ritter, estava com Eduardo na nova cela: a 5-B.
SEGUNDA CELA: 5-B
Em 27 de janeiro de 2023, Eduardo foi conduzido pelos policiais para a Cela 5-B. Sem a medicação, a sua pressão chegou a 22 por 17. Graças a Gabriela, a vida de Eduardo começou a mudar dentro do Papuda, porque ela conseguia a medicação que ele precisava e, também, trazia e levava informações para a sua família. O convivo com o Seu Ritter também fez bem para ele, por ele ser uma excelente pessoa e se darem muito bem.
Todos que estavam na sua nova cela eram muito bem-informados e, devido às ilegalidades que cercavam a prisão de 8 de janeiro, todos tinham a certeza de que logo voltariam para casa. Essa expectativa foi alimentada por Eduardo até a audiência de custódia. Quem contratou o advogado para a sua defesa foi o seu filho Bernardo, o que encheu de orgulho o pai dentro do cárcere.
Eram 13 homens na cela 5-B, sendo sete de Brasília e seis dos estados do Sul. Ao todo, Eduardo ficou sete meses preso. Ele não lembra muita coisa da primeira cela, a não ser que ela era escura e os homens rezavam muito. Lembra dos colegas Jessé, Saulo e Cirne René. Ele dormia muito nas primeiras semanas, como já contamos, tentando proteger o seu emocional. Da Cela 5-B, no entanto, ele guarda boas lembranças do convívio.
AS MUITAS FORMAS DE TORTURA
Na visão do Eduardo, a insegurança alimentar é a mais importante forma de tortura vivida dentro do Papuda, tanto que o emagrecimento foi geral. No entanto, não fica muito longe da insegurança da saúde. Caso alguém passasse mal, só tinham uma maneira de conseguir ajuda: bater muito e com força nas grades para serem ouvidos. Mesmo quando um carcereiro aparecia, dependendo de quem era esse policial, não providenciava ajuda. Era comum ficarem com um colega de cela passando mal, sem socorro. Faziam o possível.
Outras formas de tortura foram elencadas por ele, sendo elas:
- Manter os presos políticos numa cela pequena sem direito ao sol durante o primeiro mês;
- Sem acesso à material de higiene, limpeza e saúde;
- A chegada na cela dos policiais sempre aos gritos e batendo o cacetete nas grades de ferro ao ponto de nos ensurdecer e nos deixar fora do prumo, coisa que era ainda pior com as pessoas autistas que foram presas junto conosco;
- Usar linguagens agressiva, como chamar os patriotas de terroristas;
- Impedir a troca de olhares entre presos e policiais, os obrigando a olhar sempre para o chão;
- Não permitir a fala a não ser depois do pedido “Eu posso conversar com o Senhor?”, e, mesmo assim, ouvir desaforo e desprezo;
- Proibição de rezar, sob pena de receber represálias, como, por exemplo, a proibição de pegar sol no pátio.
48 HORAS CORRIDAS SEM SOL DURANTE A SEMANA
Dos sete dias por semana, quarta e quinta-feira, Eduardo e os demais presos ficavam imobilizados dentro de uma cela de 16 metros quadrados em 12 ou 16 pessoas, dependendo do período, porque com o tempo alguns voltaram para casa com tornozeleiras. Isso quando não se estendia para mais dias por falta de efetivo da polícia no presídio para nos acompanhar no banho de sol. Com o passar do tempo, alguns carcereiros demonstraram sua humanidade e apareciam no presídio mesmo em seus dias de folga para permitir a ida ao pátio pelo menos em cinco dias da semana.
Eduardo passou a reconhecer dois tipos de policiais: os que cuidavam e os que faziam terror. Os que metiam terror os mandavam ficarem nus a cada movimento que faziam: ir para a enfermaria ou para falar com o advogado, por exemplo. E, além da nudez, ainda colocavam algemas por qualquer razão.
INSEGURANÇA JURÍDICA
Eduardo destacou mais uma forma de tortura vivida pelos presos de 8 de janeiro, que ficou mais evidente em sua saída: a insegurança jurídica. Ao pisar fora do Papuda, Eduardo conheceu um outro Brasil, nunca visto. Dentro do presídio, eles recebiam a visita de alguns parlamentares e eles explicavam que tudo o que aconteceu com eles era inconstitucional e que o País passava por mudanças com a implantação do regime de exceção, razão pela qual não conseguiam tirar os manifestantes de lá. Também recebiam advogados regularmente, mas eles não falavam tudo, até para poupar os presos de mais angústia.
Eduardo conta que o seu primeiro contato com o mundo depois do presídio foi estranho, pois percebia a ditadura pelas próprias cautelares que foram estabelecidas para a sua soltura: proibição de falar em redes sociais, uso de tornozeleira 24 horas por dia com monitoramento eletrônico, proibição de sair da comarca de Santa Maria e horário para chegar em casa, entre outras.
O RETORNO PARA CASA
A família Englert recebeu Eduardo com muita festa e alegria. Seus pais praticamente o adotaram como um filho que precisa de muita atenção e cuidados. Esse carinho é importante e reconfortante, até porque depois do presídio passou a ter crises emocionais que ele nem sonhava existirem. E acontecem com frequência. Tudo começou ainda no Papuda e foi para consulta com um psiquiatra, passando a tomar Fluoxetina, Nypram e Alenthus. Sintoma: estresse pós-traumático.
A volta a Santa Maria também mostrou a ele todo o sofrimento da sua família, dos ataques sofridos, dos comentários maldosos direcionados aos Englert. Até mesmo as mídias sociais dos negócios do seu pai – mercado e ferragem – foram tiradas do ar para evitar as ofensas e ameaças. O mundo da internet se tornou agressivo e ele passou a temer até mesmo sair de casa, por ele e por seus familiares.
O pânico tomou conta por ele perceber que a justiça não estava sendo feita, que lhe foi tirada a oportunidade de contar a sua história, de como ele chegou à Praça dos Três Poderes, o que viu e o que viveu. Criaram uma “verdade” que não existe, pois não depredou e, mesmo quando entrou no Planalto, evitou pisar nos vidros quebrados. Não atirou pedra. Nada fez nada.

DANOS À AUTOESTIMA E RESGATE
O resultado dessa pressão sobre Eduardo aparece em forma de tremores, falta de controle emocional, desejo de ficar longe das pessoas e muito medo. Prefere ficar isolado, apesar de sempre ter gostado de conversar. Hoje evita. Faz os afazeres domésticos e a família cuida dele enquanto se recupera. Corta grama, limpa a casa, lava roupas, dá banho no cachorro, faz jardinagem e lava a louça. Está em reclusão.
Nesse final de janeiro, decidiu cuidar da aparência, do seu sorriso. Perdeu dois dentes dentro do presídio e um deles é um canino. Como tem um sorriso largo, fica muito feio. Não se animou antes, e só agora consegue fazer esse movimento de autoestima, vencendo mais uma etapa da insegurança na qual mergulhou.
Ele não consegue explicar ainda, mas reconhece que muita coisa não é mais igual como era antes. A começar pela polícia e exército, que ganharam uma nova cara para ele. Não sabe mais em quem confiar nas ruas. A Imprensa o taxou de terrorista e o tratou como bandido. E quem o prendeu e o colocou nessa situação é exatamente quem deveria o proteger. Tem sido difícil lidar com isso.
ERRO DO MORAES E CONDENAÇÃO MANTIDA
Menos de 90 dias depois de sair do Papuda, Eduardo passou pelo seu primeiro julgamento virtual, que consistiu no depósito de uma defesa de 20 minutos no sistema do STF pelo meu advogado, Dr. Marcos Vinicius Rodrigues de Azevedo. Foi condenado a 17 anos pelo STF nesse primeiro julgamento, que ocorreu de 27 de outubro a 7 de novembro.
Dr. Azevedo identificou um erro na sentença e recorreu derrubando a decisão de condenação e o ministro relator Alexandre de Moraes reconheceu o erro. Porém, Eduardo foi para o lote seguinte de julgamentos virtuais de patriotas, de 17 a 24 de novembro. Novamente foi novamente condenado pelo relator e demais ministros, desta vez a 16,5 anos de prisão.
O erro de Moraes que anulou o primeiro julgamento foi a afirmação de que Eduardo tinha estado no QG de Brasília, quando ele só esteve no Centro de Tradições Gaúchas. O GPS do seu celular mostrou isso. Se fosse feita uma análise do GPS daquele dia ficaria claro que seria humanamente impossível ele ter depredado qualquer coisa e que a sua presença na Praça dos Três Poderes foi por muito pouco tempo até ser preso.
ESPERANÇA DE SER OUVIDO
Um lampejo de esperança aflorou em Eduardo quando o primeiro julgamento foi anulado, isso porque o segundo, conforme anúncio inicial, seria presencial. Ele se imaginou contando a sua história no tribunal. Não aconteceu. Foi virtual. Eduardo não pode expressar e ter o seu direito à fala.
Ele diz que todos os presos políticos são réus primários e tinham essa sensação de que a pessoa que está sendo acusada teria direito a se manifestar, que seriam feitas investigações e que a verdade viria à tona antes da sentença ser proferida. Nada disso aconteceu ao ser julgado em plenário virtual, com depósito de uma gravação de defesa. A sentença de condenação veio novamente e a frustração cresceu ainda mais.
Os ministros Nunes Marques e André Mendonça o absolveram 100%, o que o fez crer que devem ter lido o seu processo. Os demais ministros do STF ou seguiram o voto do Moraes ou declinaram de algum artigo, como foi o caso do Barroso.
PERDA DE CONFIANÇA
Eduardo hoje tem medo de falar em público e relatar a verdade dos fatos. Não consegue confiar nas pessoas e, quando vai até as empresas do seu pai, ele fica com receio de conversar. Alguns se aproximam dele, o conhecem há anos, mas ele não sabe quais são as suas intenções. Ele e a família sofreram muitos insultos pela internet e pela imprensa, o que o afetou muito.
O desejo dele é de, aos poucos, superar os receios e voltar a trabalhar e ajudar o pai. Também quer retomar o próprio negócio de impressão digital, sublimação, mas ele depende da sua página de internet para fazer as transações comerciais. Ele está impedido de usar. Está cumprindo à risca tudo o que o STF determinou para lhe deixar em liberdade monitorada, perto da família.
Ele diz que não tem vida e sabe que a sua vida anterior não volta mais. No entanto, tem a alegria de saber que os seus dois filhos têm orgulho dele, assim como ele tem deles. Desde cedo ensinou as suas crianças que o caminho do bem é trabalhar, ser responsável e cumprir com as leis. Os dois têm noções de política e não são “Maria-vai-com-as-outras”, como ele destaca. Tem filhos conscientes e isso é muito gratificante para um pai.
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