Ana Maria Cemin – 30/09/2024
Saulo Silva Evangelista tem só 25 anos, um “guri”, como a gente fala aqui no Rio Grande do Sul. É morador de Novo Repartimento, PA.
Ele me procurou para contar seu sonho com a Polícia Federal, o que ele chama de relato de fato vivido como rastro da tortura psicológica do regime do governo atual.
Ele é trabalhador da roça, mas desde que ficou tornozelado, por ser um dos manifestantes perseguidos do 8 de janeiro, ele está na cidade, onde trabalha meio turno para pagar as contas. Está longe da família, do que gosta de fazer e aguarda o desfecho da sua vida.
Em 11 de setembro passado teve audiência de instrução para o seu julgamento no Inq. 4921, mas a Procuradoria-Geral da República requereu a posterior o laudo pericial do seu celular. Isso foi no dia 16 de setembro e, no dia seguinte, o ministro Alexandre de Moraes determinou à PF que faça o relatório e análise do conteúdo do aparelho.
A vida de Saulo fica como que suspensa no ar diante de tantos acontecimentos inesperados. Ele é só um garoto que foi para Brasília passar o Natal e Ano Novo com um tio e, por ser ex-militar do Exército, aproveitou a oportunidade para ir ma manifestação pacífica e ordeira que ocorria em frente ao QGEX.
Acompanhe o pesadelo de Saulo:
“Após 66 dias preso injustamente no Presídio Papuda, e de estar há mais de 18 meses com a tornozeleira eletrônica, tive um sonho com o Ministro Alexandre de Moraes na madrugada de 29/09/24.
Ele determinou, sem qualquer justificativa, a revogação da minha liberdade provisória, convertendo em reclusão em regime fechado.
No meu pesadelo, eu estava num mercadinho qualquer e chegou um grupo de policiais federais, todos vestidos à paisana. Os policiais se posicionaram de forma discreta e estratégica me cercando dentro daquele lugar…
Identifiquei a situação e no mesmo instante eu soube que ali estava traçado o meu destino: a volta para um presídio.
Ao notarem que eu havia percebido o cerco, e com receio de reação à prisão, de tentativa de fuga ou algo do tipo, eles vieram todos em minha direção, com armas em punho, apontando para o meu rosto.
No momento seguinte, fui algemado e me deram 5 minutos para falar com um familiar antes de ser levado.
Sem perder tempo, liguei imediatamente para o meu pai, com quem eu estava rompido (não estava em clima familiar). A partir daquela nova situação, sabendo que ficaríamos longe um do outro por prazo indeterminado, eu descarreguei tudo o que tinha para ser falado e que estava trancado em meu coração.
Apesar da gente não estar 100% naquele amor de pai e filho, seja por falta de comunicação, por divergências de opiniões, pelas minhas escolhas, eu decidi mudar o rumo do nosso relacionamento.
Eu somente queria agradecer o paizão que tenho, agradecer por ele ser o radical protetor e provedor da família e falar o que muitos filhos têm dificuldade de dizer: “EU TE AMO PAI! Amo a mãe, amo meus irmãos…”
Falei que eu estava sendo levado sem o devido processo legal, de forma injusta e que não sabia quanto tempo passaríamos longe, então eu queria pedir desculpa a ele, como chefe da família. Pedi que ajudasse a tranquilizar a mãe para que ela tivesse força, pois independente das circunstâncias da cadeia, eu estaria firme lá dentro, até o grande dia da liberdade.
Disse para não se abaterem com a minha prisão. Que não chorassem, não gastassem um centavo desnecessário com advogados e que ficassem em paz. E mais: um dia serei liberto dessa situação, com a ajuda do PAI lá de cima. Fiquem firmes Nele, que Ele dará a força para sustentar a distância que estão nos impondo. E se Deus quiser, muito em breve estaremos juntos novamente…
A conversa foi interrompida por um dos policiais, que chegou batendo com um cacetete na minha cabeça, pelas costas. Foi dizendo: “Bora V4G4BUNDO, acabou o tempo. Levanta e anda!”
Então, eles me levaram algemado e aos empurrões para o CÁRCERE… onde fiquei sem direito a contato sequer com a minha família, nem por telefone, nem direito à visita, nem mesmo por intermédio de advogado. Totalmente APARTADO do mundo real aqui de fora…
Eu espero em Deus que um dia tudo isso tenha um fim e tenhamos a JUSTIÇA feita da forma correta.
Esse foi o sonho vivido (sofrido)… e, ao mesmo tempo, com uma carga de TENSÃO que o tornou real.”
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