POR ESCREVER “PERDEU MANÉ”
Ana Maria Cemin – 30/09/2024
Fui procurada por J.A.C. para uma conversa sobre uma das dores mais intensas do Brasil: a prisão de inocentes.
Ele é morador de Sumaré, SP, e está construindo um pavilhão em Paulínia, SP, para a sua empresa.
Durante a obra, Cintra soube que a sua construção ficava ao lado da casa da Debora Rodrigues dos Santos, 38 anos, uma jovem mãe que foi presa e levada ao cárcere por ordem de Alexandre de Moraes ainda em março do ano passado.
Ela está há 18 meses longe dos filhos Caio, de 10 anos, e Rafael, de 7 anos.
O “crime” de Débora foi escrever com batom na estátua “Perdeu Mané”, expressão que ganhou notoriedade ao ser proferida pelo ministro Barroso, após as eleições presidenciais de 2022.
O ato foi considerado relevante pelo STF por ter acontecido na tarde de 8 de janeiro do ano passado, na Praça dos Três Poderes, em Brasília.
“Eu não conheço Débora pessoalmente e acabei me aproximando da família e fiquei comovido com a situação. O Niltinho, marido de Débora, é uma pessoa muito simples, é pintor. Fui com minha esposa e neto até a casa deles e fomos muito bem recebidos”, conta Cintra.
“Conversei com o marido, ele me contou que as duas crianças estão em tratamento psicológico, e até procurei o advogado que atendia o caso na época para entender o motivo de manter uma mãe de família, uma cabelereira, uma mulher simples numa prisão, entre criminosas. A gente sabe que a entrada no gramado naquela tarde do dia 8 de janeiro foi facilitada pela própria polícia, inclusive nos prédios, e Débora está vivendo tudo isso sem ao menos ter entrado num prédio, pelo simples ato de escrever duas palavras que foram facilmente apagadas com água e sabão”, desabafa.
O QUE VIROU DO AVESSO A VIDA DE DÉBORA?
No dia 17.03.2023, a Polícia Federal foi até a casa de Débora Rodrigues dos Santos, 38 anos, em Paulínia, SP, e a levou presa na frente do marido Nilton e das crianças.
Inicialmente, Débora ficou presa no Centro de Ressocialização Feminina de Rio Claro, em celas com criminosas que mataram, traficaram e cometeram uma série de outros crimes que chocam Débora, uma frequentadora da Igreja Adventista do 7º dia.
Depois de sua história se popularizar nas mídias sociais, o STF transferiu Débora para a Penitenciária Feminina Santa Maria Eufrásia Pelletier, em Tremembé, SP, que fica a 225 km de onde mora a sua família.
Débora permaneceu presa de março do ano passado até julho desse ano sem denúncia do Ministério Público, o que fere os direitos civis da brasileira, como relata o advogado de defesa. Ele informou, ainda, que na última sexta-feira, 27/09/2024, foi negada a soltura de Débora, para cumprir prisão domiciliar.
“O Código de Processo Penal preconiza no art. 46 que o prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, é de cinco dias, o que não foi observado. Débora permaneceu presa preventivamente por 483 dias, o que ultrapassa o princípio da razoabilidade consagrado pelo inciso LXXVIII do Art. 5º da Constituição Federal, que assegura a celeridade da tramitação processual, que no caso não é obedecida. A prisão de Débora também está em desacordo com a proteção integral da criança, visto que Débora tem dois filhos menores. Por razões humanitárias e para garantir a proteção integral da criança, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), acórdão no HC 731.648, por maioria, decidiu que a concessão de prisão domiciliar às mulheres com filhos de até 12 anos não depende de comprovação da necessidade dos cuidados maternos, que é legalmente presumida”, diz o Dr. Hélio Júnior.
RELATO DA IRMÃ SOBRE A EXPERIÊNCIA POLÍTICA DE DÉBORA:
“Nós frequentamos o QG de Campinas, SP, desde que Lula foi eleito. Minha irmã vinha para Campinas e nós ficávamos algumas horas durante a semana e, também, em finais de semana. Surgiu a oportunidade de Débora ir a Brasília no dia 6 de janeiro e ela foi.
Inclusive no dia 8 de janeiro ela estava num restaurante quando passou na TV a informação da invasão dos prédios e ela pegou as coisas dela e foi até a Praça dos Três Poderes. Ela não entrou em nenhum prédio e ficou na parte frontal onde tinha um contingente muito grande de policiais.
As pessoas corriam de um lado para o outro em função das bombas jogadas dos helicópteros. Um sujeito estava pichando com gloss uma estátua em frente ao Supremo Tribunal Federal e chamou ela para escrever duas palavras. Disse para a minha irmã que a letra dele era horrível. Ela foi e pintou, porque era um produto lavável. Tanto que passou gloss no rosto também.
Depois disso, voltou para o QG, pegou um Uber e saiu daquele ambiente, rumo à sua casa. De volta a Paulínia, minha irmã consultou um advogado sobre ela ter ido até Brasília, mas no final das contas ela tocou sua vida para frente, trabalhando, cuidando de filhos, da casa e do marido.
Até que o tal de vídeo com imagens dela pintando com gloss lavável o monumento com as palavras PERDEU MANÉ a levou para a prisão, de onde não tem previsão de sair”, narra Cláudia Silva Rodrigues dos Santos, 44 anos.