PAI LUTA PARA PODER VER FILHO NO PAPUDA
Ana Maria Cemin – Jornalista – 21/07/2024
Raimundo José dos Santos, 65 anos, trabalha como pedreiro e pelo serviço recebe pouco mais de um salário-mínimo. Uma parte dos ganhos ele usa para pagar a pensão do casal de filhos de Charles Rodrigues dos Santos, 43 anos, seu filho, que foi recolhido no presídio Papuda no dia 08.01.2023. De lá nunca saiu. Outra parte do ganho, reserva para pagar a sua cota de ajuda para manter o advogado de defesa do filho. O restante vai tudo na viagem entre o município de Serra, ES, e Brasília, DF.
Entre ida e volta, o pedreiro percorre mais de 48 horas de ônibus. E sempre é um bate-volta, porque não tem muitos recursos para permanecer fora de casa. Ele gasta R$ 700,00 cada vez que vai ver o filho no presídio Papuda, um valor alto, mas ele vai a cada 15 dias fazer o sacrifício do corpo e do bolso.
A conta não fecha, porque ele ganha pouco e fica fora do trabalho nos dias em que está em trânsito. Perde duas semanas no mês. Então, ele arrecada aqui e ali para não deixar de levar o abraço para Charles, o conforto do amor do pai que lhe diz reiteradamente que do lado de fora do presídio todos esperam a sua chegada.
Na viagem, ele pode fazer uma única refeição, porque o dinheiro não dá para mais. No entanto, quando chega na rodoviária de Brasília é recebido por um benfeitor que o leva para a sua própria casa. Raimundo então é tratado com toda a dignidade que ele merece. Me conta que esse doutor e sua esposa dão de comer e pouso toda vez que vai ver o filho. E não é privilégio dele, pois na casa da família sempre tem entre 13 e 14 pessoas acolhidas. E nada pedem em troca!
Quem chega naquela casa na capital federal são pessoas humildes como Raimundo, que têm seus parentes presos desde o dia 8 de janeiro. Encontram uma cama quentinha e uma mesa posta na sala de jantar, onde sempre tem 12 pessoas se alimentando. A comida que o doutor e a esposa comem é a mesma oferecida para os visitantes.
“O doutor é o tipo de pessoa que dá o bife ao filho e come o feijão sem carne. É alguém muito especial que um dia o meu filho Charles poderá ter o prazer de conhecer ao sair do presídio”, diz o Raimundo emocionado. E não é só isso que o benfeitor faz: ele fornece o “Cobal” (pacote possível de ser entregue nas visitas aos presidiários) para Charles com tudo que o Papuda permite, algo para comer e produtos de necessidade básica.
O filho do pastor Raimundo saiu de casa em 06.01.2023 e nunca mais voltou. No domingo, 08.01.2023, ele estava pregando no púlpito da Igreja Batista Nova Vida, no Planalto Serrano, Bloco B, de Serra, quando percebeu sua esposa na plateia bem desatenta ao ouvir um chamado de seu outro filho, Alessandro, e saiu da igreja. “Lá do altar eu senti que algo tinha acontecido e voltamos rapidamente para casa, quando nos foi informado que Charles tinha sido preso junto com uma multidão em Brasília. Ligaram a televisão e na hora eu desabei. Desde então tenho ido a cada 15 dias ver ele em Brasília”, conta.
QUEM É CHARLES?
É um pedreiro com 23 anos de profissão, especialista em alto acabamento. Junto com a pai trabalhava numa obra em frente ao QG dos patriotas em Vitória, ES, onde ambos percebiam a presença de crianças, idosos e famílias inteiras, o que lhes parecia ser um ambiente tranquilo.
“No início daquele janeiro, estávamos na fase final da obra e num desses dias ele atravessou a rua e foi até o QG comprar um pastel numa barraca que tinha por lá. Nisso convidaram ele para ir a Brasília, numa manifestação que consistia numa corrente de oração na Praça dos Três Poderes. O ônibus era de graça. Ele me contou isso quando chegou na obra e eu falei que nós tínhamos uma obra para começar na segunda-feira, 09.01.2023, no Bairro Bento Ferreira, mas ele disse que iria e que eu iniciasse, porque na terça-feira ele estaria de volta para tocar comigo o serviço. Saiu na sexta-feira para não voltar mais”, relata o pai, com a voz embargada.
“Nossa família nunca mexeu com política, nenhum antepassado, e nós não entendemos nada e nem sabemos o rumo de uma conversa sobre política. O que nós fazemos é um trabalho assistencial, que desde a prisão de Charles está parado, porque utilizávamos o carro dele para transportar as quentinhas. Nosso grupo se chama Anjos da Rua e levávamos 150 marmitas para moradores de rua, duas vezes por semana. Inclusive, eu vi o meu filho pegar a sua própria coberta e levar para um morador de rua que passava frio, tal o coração bondoso de Charles”, conta ainda.
CONDENADO A 14 ANOS DE PRISÃO
A decisão de Charles de ir a Brasília trouxe como consequência a condenação pelo Superior Tribunal Federal a 14 anos de prisão. São quase 20 meses preso em Brasília, onde se encontra em cela junto com outros patriotas. Está trabalhando e fazendo os cursos que são oferecidos no presídio.
“Eu sou um homem muito fraco e sempre penso que não vou aguentar, então peço a Deus que me dê forças. No dia que vi meu filho pela primeira vez no Papuda, gritei de longe O pai está aqui e veio te ver Charles! E ele disse: Vem pai que estou ansioso para te ver!”, relembra.
Na ocasião, o patriota disse ao pai que ficou quatro meses comendo só o que era oferecido pelo presídio e emagreceu muito, mas com a liberação da entrada do Cobal está um pouco melhor nesse quesito comida. Para consolo do pai, Charles disse que não é maltratado dentro do presídio, porque os guardas sabem que ele não é bandido. “Eu digo para Charles, quando termina a visita, que eu não vou olhar para trás, porque não quero ter a sensação de deixá-lo preso”, conclui.
1 comentário