Ana Maria Cemin – Jornalista – 8/04/2024
Em 8 de janeiro de 2023, Nilvana foi do QG até a Praça dos Três Poderes com quatro patriotas, todos desconhecidos, e a intenção da multidão que descia era de pernoitar na Esplanada e fazer um protesto pacífico e ordeiro na 2ª feira, dia 9 de janeiro, quando os prédios estariam em funcionamento.
Ela carregava na bolsa água, vela, fósforo, talheres e comida enlatada; a sua bolsa estava pesada e um dos rapazes que descia junto os 8 quilômetros se ofereceu para carregar.
Ao chegar na barreira para a revista policial, Nilvana abriu a bolsa e nada foi tirado, mas naquele momento ela se perdeu do grupo e acabou seguindo em frente com apenas um dos que a acompanhava.
Quando pisou na praça, por volta das 14h30, o local estava virado num campo de guerra e o sujeito carregava a sua bolsa a largou no chão e foi direto numa porta, chutou com objetivo de arrebentá-la.
Ela gritou para ele não fazer isso e logo um policial jogou spray de pimenta no indivíduo que começou a gritar que o rosto estava queimando.
Assustada com a atitude do rapaz, acabou o socorrendo com um pouco da água e o deixou para trás. Decidiu que não seguiria com uma pessoa com aquela atitude.
DESMAIADOS NA RAMPA
Agora sozinha, no inesperado campo de batalha, Nilvana observou várias pessoas desmaiadas na rampa do Palácio do Planalto, com seus rostos voltados para a linha de tiro, de onde policiais vestidos de preto e com escudos disparavam sem parar contra os manifestantes.
“Imediatamente me dirigi ao local para ajudar aquelas pessoas desacordadas. Fui de uma em uma levando um pouco de água e só pensava em me proteger e ajudar quem estava no chão.
Como levei para Brasília um cartaz onde estava escrito “Deus salve esta Nação! ”, pedi ajuda para uma moça para abrirmos o cartaz com o objetivo de mostrar que não éramos pessoas agressivas. Mas não adiantou. Ali mesmo, na rampa, chovia bombas o tempo todo.
Eu usava máscara de tecido por ser alérgica e por ter uma longa lista de problemas de saúde, e usei como tática tomar água com frequência para compensar o gás que respirava.
Durante todo o tempo em que ajudei as pessoas não fui atingida por balas. Quando parei de agir e dei por mim foi que percebi estava numa linha de tiro e precisava achar um jeito rápido de sair daquela situação”, relata.
A patriota viu um sujeito dentro do prédio do Planalto jogando uma cadeira contra a vidraça, que se estilhaçou. Na hora ela pensou que, pelo fato do prédio ter sido arrombado por outras pessoas, ela poderia entrar e não seria considerada uma invasora.
Então, ela adentrou o Planalto, sentou em uma cadeira e mandou mensagem para o marido dizendo que estava num lugar protegido, mas que do lado de fora estava uma guerra ferrenha.
Ela queria acalmar o marido que tinha ficado em Marília, SP, e deveria estar muito preocupado com as notícias na TV.
POLICIAIS ABREM AS PORTAS E CHAMAM AS PESSOAS
“Depois que entrei, muitos outros patriotas feridos entraram pela vidraça quebrada e não demorou para os policiais abrirem a porta e chamarem as pessoas para dentro. Muita gente entrou no Palácio a convite.
Vi lá dentro um repórter espumando pelo nariz e pela boca, com a cabeça sangrando por um corte muito grande, e fui socorrer. Socorri várias pessoas lá dentro também.
Num dado momento, vi uma pessoa trajando esporte fino, era um sujeito de 30 anos mais ou menos, que carregava uma mochila de sarja na cor caqui, com muitos papeis socados nela. Eu perguntei o que era aquilo na hora em que ele a largou numa cadeira. Ele respondeu que “alguém” tinha deixado na marquise e que ele deixaria ali para que o dono a pegasse. Perguntei quem era, disse o nome e falou que trabalhava no administrativo do Planalto. Foi muito esquisito!
Observei, também, que no canto direito da marquise um homem vestido de camisa branca, que parecia uma autoridade, com ares de quem apreciava tudo que estava acontecendo.
AS PESSOAS SAEM DO PLANALTO
Fiquei um bom tempo no salão do Planalto e andei de um lado para o outro ajudando pessoas, ao mesmo tempo em que procurava organizar as cadeiras que alguns faziam questão de jogar para o alto e bagunçar.
Vi quando muitas pessoas saíram do prédio, num fluxo bastante grande, o que deve ter provocado uma reação entre os policiais que estavam no local, porque eles decidiram fechar a porta. Quanto à vidraça quebrada, tanto homens mascarados quanto policiais se uniram para empilhar sofás e cadeiras até a altura de dois metros para evitar a saída pelo local.
Nesse momento, estar dentro do Planalto não estava seguro, porque a partir dos helicópteros a polícia jogava bombas de fora para dentro estilhaçando a vidraça. Inocentemente, eu pensei que o fechamento da porta pela polícia representava proteção a nossa vida. Porém, com o passar do tempo percebi que era para evitar a nossa saída do prédio e nos prender.
CENAS DE HORROR E AMEAÇA DE MORTE
Um cordão de policiamento varreu todo o salão do Planalto e reuniu quem tinha sobrado lá dentro num único local, nos obrigando a deitar o chão. A polícia gritava para calarmos a boca e utilizava palavras de muito baixo nível para nos ofender. Ouvi frases inesquecíveis como “Todos estão presos! ” e “Vamos matar todos aqui”.
Eles andavam entre nós, que estávamos deitados sem qualquer reação, em busca dos seus e extraíram de quatro ou cinco indivíduos que estavam com escuta no ouvido e pulseirinha.
Eram, possivelmente, pessoas que trabalhavam para a polícia disfarçados de manifestantes. Por qual razão, a gente não sabe, mas abre precedentes para muitas reflexões.
Aquele homem que eu tinha visto na marquise, de camisa branca, contemplando o cenário de guerra, desceu de lá junto com policiais para acompanhar as cenas de horror.
A agressividade dos policiais só crescia, quando foi trazida uma grande caixa de madeira que, quando foi largada no chão, fez barulho de metal. Não eram algemas, porque na hora de nos algemar tinham cerca de meia dúzia e estávamos em mais de 200. Usaram enforca-gato para nos algemar. Naquela caixa, acredito, tinha armamento.
Ficou muito caracterizado que o intuito deles era de fato nos matar. Imagino que usariam como argumento que destruímos tudo dentro do Planalto e eles não tinham como fazer a não ser nos matar.
Uma arapuca muito bem armada!
Mas ocorreu uma discussão séria entre os policiais que ali estavam, tinha quem elevasse a voz em nossa defesa. Mas no final, me vi algemada por uma policial que chorava enquanto cumpria ordens, assim como outros.
POLÍCIA CIVIL
Do Planalto, fomos levados para a Polícia Civil. Eu tentava consolar todo mundo, porque eu realmente acreditava na justiça. Eu dizia que quem não tinha feito nada, como eu, poderia ficar tranquilo, uma vez que as câmeras do salão mostrariam a verdade. Eu acreditava na nossa liberação e que dentro de 24 horas votaríamos para as nossas cidades e estados.
Nada disso se tornou realidade e fiquei sete meses no Presídio Colmeia em Brasília, vivendo em condições insalubres, comendo alimentos azedos com sujeira, larvas e cacos de vidro. Passei muito frio, fui humilhada.
Sofro de depressão desde criança e a primeira coisa que fiz ao ser presa foi pedir, quando pude, a receita do meu remédio. Como resposta, a direção do presídio disse que eu precisaria passar por exame psiquiátrico no Colmeia, coisa que nunca aconteceu.
Fiquei cinco meses sem medicação até que, devido a terceira infecção urinária que sofri, com sangramento, consegui uma consulta médica que favoreceu a entrada da cartela de medicação para a minha doença psiquiátrica.
O local era imundo e a nossa comida era largada no chão, assim como as frutas que nos entregavam. Por conta de tanta falta de higiene, eu vivia com infecção intestinal lá dentro e cheguei a perder 15 kg.
QUEM É VOCÊ, NILVANA?
Meu nome é Nilvana Monteiro Furlanetti Ferreira Neto, 51 anos, casada há 21 anos e mãe de Janine, 15 anos, e João Gabriel, 19 anos. Sou artesã e costureira, mas também faço penteados e maquiagem. Há 28 anos sou evangélica, mas não consigo ir à Igreja desde agosto do ano passado por ter restrições de horários para sair de casa.
Moro em Marília, SP, e depois que fui a Brasília, onde fiquei sete meses presa, uso tornozeleira eletrônica. Do julgamento virtual de 16 a 23 de fevereiro, sai condenada a 13,5 anos de cárcere e aguardo em casa o trânsito em julgado da sentença. Fui condenada por cinco crimes que não cometi.
Com as eleições de 2022, na nossa igreja oramos muito para que o melhor acontecesse e recebi algumas profecias que ainda não se cumpriram. O meu voto sei que foi fraudado, porque na hora de votar para presidente a urna fechou sem o meu voto. Demonstrei a minha revolta na ocasião, mas ficou por isso mesmo.
Em 2 de novembro, depois de visitar os meus pais no cemitério, e sabendo que havia um movimento patriótico na frente do Tiro de Guerra de Marília, eu pedi para o meu marido se podíamos ir até lá. Daquele momento em diante, comecei a ir praticamente todos os dias, o que foi algo novo em minha vida, pois nunca tinha participado de movimento político algum, apesar de considerar bacana. No QG, eu entoava o hino, ficava de uma a duas horas, e voltada para casa.
EXCURSÃO PARA BRASÍLIA
Surgiu a oportunidade de ir a Brasília num ônibus que sairia de Marilia com idosos, às 18 horas de 6 de janeiro. Eu tinha sonhado que eu estava sendo presa por aqueles dias e se tivesse lembrado do sonho acho que não teria ido. Como tenho muitos problemas de saúde e nem todos familiares são de direita, conversei somente com o marido e filhos sobre essa vontade de ir. Lembro que disse: “Estou indo, não sei se volto”, e o marido respondeu com uma pergunta: “Você acha que tem saúde para isso? ”
Fui a Brasília, chegamos no sábado, dormi e acordei às 6 horas da manhã. Pedi uma palavra a Deus, fiquei na barraca e, por volta das 12 horas, surgiu o convite para descer para a Esplanada ainda no domingo. Desci.
FAMÍLIA
Quem mantém a nossa casa é o meu esposo. Meu filho João Gabriel, de 19 anos, começou a faculdade de Arquitetura. Um pouco antes de eu ir a Brasília, meu filho começou tratamento psiquiátrico em função da perda dos avós. Lembro que o psiquiatra foi enfático em me falar que eu deveria controlar a medicação dele. Quem decidiu pelo tratamento foi ele mesmo, porque percebeu em novembro de 2022 que ele não estava dando conta do seu próprio emocional. Com a minha prisão, ele teve aprender a cuidar-se justamente no momento mais crítico de sua vida.
A minha filha Janine, de 15 anos, faz acompanhamento oncológico desde os 4 anos, por ter uma alteração na glândula timo (continua crescendo e pode apresentar timona), apresenta imunidade baixa e temos muitos casos de câncer na família. Com a minha prisão, todos os exames dela deram alterado e engordou 10 kg. Hoje estamos juntas na luta contra ansiedade e controlando isso tudo com psicóloga e nutricionista.
Por tudo que sofri e por todo o sofrimento que a minha família vem passando, eu digo que algo morreu dentro de mim em 8 de janeiro. Eu só queria que o povo brasileiro acordasse, que conseguisse parar essas pessoas que só querem se dar bem nas costas de quem trabalha. Depois de tudo, penso em lutar pelas pessoas que estão presas e não me preocupo mais com aquelas que não lutaram e não lutam por um Brasil melhor. ”
Nil, nossa companhia de muitas orações e propósitos dentro daquele lugar, nosso alimento muitas vezes foi a fé e as mãos umas das outras. 🙌😭
Pois Tb me.abriguei nos prédios. Planalto .fugir do bom arreio de efeito moral lacrimogêneo gás de pimenta.. bala dr borracha fui alvejado na linha da cintura..
Não tenho nem palavras. Impressionante tudo que passaram. Sinto muito. Que bom saber que mantém a Fé em Deus. Confio que Ele está no comando de tudo. A justiça Divina tarda, mas não falha. Deus abençoe hoje e sempre.
Nilvana, minha Amiga e irmã, você sabe que não tenho palavras para descrever tudo o que você passou nesses meses, mas o importante que sua Fé continua inabalável Amiga é tenha a certeza que nosso Pai Poderoso está cuidando de você e sua família você sabe o quanto os amo e vocês estão em minhas orações diárias sei o quanto você e íntegra e sei do seu caráter Amiga, confie no Senhor tudo Ele fará. DEUS TE ABENÇOE