Ana Maria Cemin – Jornalista – 02/04/2024
As linhas que seguem são tópicos do livro Contra toda a Censura, de Gustavo Maultasch, da Faro Editorial. São contribuições para a sua reflexão.
“Quantas pessoas são censuradas? São poucas, dizem.
Ou ainda: se alguém foi preso ou censurado é porque provavelmente disse mesmo “algo que não devia”, fez um “discurso de ódio”, propagou “fake news”, promoveu ideias “negacionistas”, “anticientíficas”, “antidemocráticas”, ou “atacou” as instituições.
É crescente o número de pessoas que têm abandonado o princípio fundamental da Liberdade de Expressão para aderir à crença do debate público tutelado.
A Liberdade de Expressão tem uma exuberância humanista, um brilho simbólico, um viço moral que nos compele a reconhecê-la como elemento fundamental da nossa existência; parte essencial da vida é poder dizer o que pensamos, entendendo que esse direito é concedido aos demais, num ambiente em que se tolera a existência da opinião divergente, impopular e excêntrica.
O princípio da Liberdade de Expressão existe precisamente para proteger o discurso dissidente; ele existe para permitir aquilo que o pensamento hegemônico considera ofensivo, errado, ruim, feio, injusto ou hediondo; ele protege o discurso que nós consideramos vil e odioso, em especial de pessoas que julgamos desprezíveis.
Quando defendo que um racista deva ter Liberdade de Expressão para proferir os seus preconceitos, não estou dizendo que concordo com eles. A Democracia e a Liberdade são muitas vezes caóticas, e é evidente que a ocorrência de discursos ofensivos provoca desconforto e indignação; mas esse é o preço que pagamos para manter a nossa liberdade, para evitar a tirania.
A perseguição, a restrição de direitos e a censura sempre iniciam direcionadas contra aqueles tipos de pessoas e de discursos considerados impopulares e indesejáveis, por isso é muito comum que muitos se resignem ou julguem até toleráveis esses primeiros avanços da libido censória: o sujeito exagerou, ninguém pode falar isso, ele meio que mereceu mesmo.
… o problema é que isso não apenas cria precedentes, como nos acostuma com o papel do estado censor…
…o nosso objetivo não é censurar ninguém, mas sim coibir o ódio e promover o amor. O problema é que uma das consequências não-intencionais de restrição à Liberdade de Expressão encontra-se, precisamente, na exacerbação do escopo da aplicação de eventuais regulações. E daí basta que algumas autoridades aceitem essa redescrição semântica para que, em seguida, um monte de gente comece a ser perseguida com base em avaliações subjetivas e aplicações seletivas da lei.
…em 2017, a Assembleia Constituinte da Venezuela aprovou a chamada “Lei Constitucional contra o Ódio”, a qual permite, dentre outras medidas, o fechamento dos meios de comunicação e prevê penas de até 20 anos de prisão para “quem incitar ao ódio, à discriminação ou à violência em determinado grupo social ou político”.
Em relatório da ONU, datado de 2019, consta que sucessivas leis e reformas venezuelanas têm facilitado a criminalização da oposição e de qualquer pessoa que critica Maduro e oficiais do seu partido.
…o pensamento e a comunicação livres são parte do que sou, e muitas vezes é apenas na exposição de ideias que eu aprimoro o meu entendimento daquilo que eu mesmo penso e, portanto, aprimoro aquilo que sou.
Uma das preocupações centrais de qualquer Democracia é a concentração de poder; é evitar que um grupo ou uma instituição detenha influência e força demais em nossa sociedade. Qualquer instância de poder utilizará a regulação estatal do discurso para os seus próprios interesses, ou seja, para eliminar a contestação à sua posição e para preservar o poder.
Uma das reflexões de muito destaque no livro foi sobre o nazismo, já que a Alemanha que acolheu as ideias de Hitler limitava a liberdade e por diversas vezes prendeu militantes nazistas e isso só fez crescer o apelo, como propaganda para eles.
Por que a proibição do discurso de ódio (na Alemanha) não foi suficiente para conter o avanço do nazismo?
Uma das respostas é que os nazistas aterrorizavam a população, inclusive com diversos assassinatos de adversários e líderes políticos, muitos dos quais não resultaram em qualquer punição. Foram mais de 300 assassinatos a sangue frio entre 1918 e 1922, sem contar os demais que ocorreram nas ruas, durante brigas. Além disso, no pós 1ª guerra as condições eram adversas e havia pouca convicção democrática.
A violência política não apenas atrapalha o debate público: ela intimida, coage, silencia a opinião livre dos demais.