Ana Maria Cemin – 20/09/2024
Ela parece frágil, mas não é. Afinal, ela “venceu” os 60 dias de uma prisão injusta por ter “ousado” manifestar em Brasília e continua presa pela perna, por usar uma tornozeleira que informa onde ela se encontra nas 24 horas do dia. Se o equipamento pifar, ela pode ser recolhida ao presídio, como muito patriotas foram ao longo desses meses.
Mãe de dois menores, empregada respeitada dentro da empresa que a apoiou em todo esse processo doloroso, a recebendo de volta ao trabalho após o 8 de janeiro, ela aceitou o convite e é candidata à vereança pelo Podemos.
Nas linhas que seguem, você lerá o relato de quem foi pega de surpresa numa armadilha política e que até hoje não foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Mesmo assim, com todos os receios possíveis, ela segue firme em seu propósito de um Brasil livre.
Eu escrevo sobre presos políticos de 8 de janeiro, mas esse é o primeiro relato de uma conterrânea. É uma honra. Boa leitura!
A presa política Karine Cagliari Villa, 40 anos, saiu de Caxias do Sul às 24 horas do dia 6 de janeiro de 2023 com o objetivo de participar da manifestação em Brasília. Foi sozinha, porque o noivo tinha ido um dia antes. O ônibus com os gaúchos parou no Centro de Tradições Gaúchas da capital federal, onde os patriotas eram esperados com um almoço. Após comer, por volta das 15 horas, ela caminhou a pé até a Praça dos Três Poderes para encontrar um cenário devastador, com muita gente machucada, com sangue e pessoas passando mal pelos ataques da polícia. Junto com uma outra senhora que estava no ônibus, Karine ajudou algumas pessoas que passavam mal e somente às 21 horas encontrou o noivo no QG de Brasília.
“Fiquei o tempo todo na grama e sai de lá em torno das 18 horas, depois de vivenciar aquela experiência horrível de policiais jogando bombas de gás e tiros com munição não letal. Em alguns momentos pensei que pararia de respirar por causa do gás de tão forte que é. Fiquei um dia e meio nessa situação, com a sensação de gás na garganta”, relata a caxiense.
No QG, pelo que conta, era outro terror com helicópteros sobrevoando e o noivo não quis sair do acampamento e deixar os demais excursionistas gaúchos que já estavam acampados. “Ninguém dormiu de 8 para 9 de janeiro no QG e o desespero estava em todos os rostos. Por volta das 5 da manhã, saímos da barraca e fomos informados de que só poderíamos sair do local em ônibus oferecidos pela polícia. Diziam que nos levariam para um local seguro e de lá poderíamos voltar para os nossos estados”, relembra.
Dentro do ônibus, Karine e os demais patriotas foram ovacionados e xingados ao longo das ruas pelas quais passara durante horas a fio. O motorista seguia os carros de policiamento que escoltavam e não tinha a menor ideia do destino.
A primeira parada foi na Polícia Militar, onde Karine pediu para ir ao banheiro e o que foi oferecido foi um local a céu aberto, atrás de uma moita. A segunda parada foi no Ginásio da Polícia Federal, onde ela dormiu de segunda para terça-feira. Ao amanhecer, junto com o noivo e patriotas do município gaúcho de Passo Fundo, Karine foram para a fila para participar das oitivas.
“Quando o delegado deu a voz de prisão, eu perdi o chão e tudo que eu sabia esqueci naquele momento. Estava longe de casa, dos meus filhos Bianca, 9 anos, e Felipe, 14 anos, e tudo começou a rodar. Fui levada até a emergência onde fui medicada. Depois me despedi do meu noivo, o momento mais complicado para mim, por todas as incertezas do que viria pela frente. E logo fui levada para fazer o corpo delito antes de entrar no Presídio Colmeia”, relata.
PRESÍDIO COLMEIA
Ainda na Polícia Civil, Karine lembra de ter recebido um sanduiche e água. Pode parecer nada para quem lê, mas essas pessoas estavam sem liberdade desde a manhã de segunda-feira e já estavam com muita fome naquela noite de terça-feira.
“Por volta da meia-noite de terça-feira seguimos para o Presídio Colmeia, aonde chegamos na madrugada para sermos recepcionadas como criminosas. Mandaram a gente tirar a roupa e agachar, depois me deram uma camiseta branca e uma bermuda laranja e um chinelo. Fiquei sem as roupas íntimas, porque tinham cor e só autorizavam ficar com calcinhas e sutiãs de cor branca.
Já vestida de presidiária, fui para a van junto com as demais patriotas para sermos conduzidas até o bloco e nossa cela. Esse momento foi outro muito forte, onde as grades, portas de metais, celas e cadeados começavam a entrar na minha vida de uma forma absolutamente assustadora. Nunca na minha vida eu poderia pensar que isso aconteceria, pelo ensino que tive dentro da minha casa, onde ui claramente orientada a não roubar ou fazer qualquer outra coisa errada”, narra.
TIVE QUE FICAR FORTE
“A ala para a qual fui levada era a Bravo, onde ficamos em 124 patriotas com um corredor que tinha 12 quartos de um lado e 12 quartos de outro, além de uma sala. Creio que aquele local era destinado a gestantes e nos colocaram temporariamente ali. Eu preferi ficar na sala e dividi o colchão com a Iraçui dos Santos, 41 anos, uma patriota de Passo Fundo.
O meu advogado da época, Dr. Marcelo Borges, acreditava que eu sairia tão logo fosse feita a audiência de custódia. Me dizia que por ter filhos menores eu seria colocada em liberdade para responder em casa. Só que isso não aconteceu!
Em 1º de fevereiro, os meus familiares de Caxias do Sul contrataram o Dr. Francisco Weber da Rocha, da minha cidade. E foi só quando ele veio me ver em Brasília é que eu soube como estavam os meus familiares, que todos estavam bem. Até então, era um isolamento total do mundo externo, mesmo eu tendo os filhos pequenos em casa, que estavam aos cuidados da minha mãe idosa de 79 anos”, desabafa, emocionada.
VOLTA PARA CASA
“Eu me emociono cada vez que vejo as gravações de quando eu cheguei no Aeroporto de Porto Alegre e vi meus filhos e familiares. Até hoje a minha filha está traumatizada e quando alguém cita o 8 de janeiro ela cai no choro. Nossa vida, hoje, é marcada por traumas, medos e insegurança. Todas as segundas-feiras vou ao fórum da minha cidade assinar, assim como os demais caxienses que usam tornozeleira por conta do 8 de janeiro (Luiz Gustavo, Tadeu, Milton e Marcelo), cuido para manter a tornozeleira carregada e se dá problema providencio a manutenção. Estou aguardando o desfecho do 8 de janeiro até hoje”, diz.
Guerreira, essa sofreu com a mão forte do judiciário e sua injustiça