Por Ana Maria Cemin – Jornalista
24/10/2023 – (54) 99133 7567
“Nove meses fugindo! Eu não aguento mais. Não é vida viver escondida igual a bicho. Quero voltar para a minha casa. Quero voltar para a minha filha, para a minha mãe. Quero ver as minhas irmãs, voltar para o Brasil. Eu vou me entregar e esclarecer tudo. Eu sei que não vou ficar presa para sempre. Em algum momento a prisão será revogada. Doutora, a senhora não tem noção de como é terrível viver 24 horas por dia com medo. Eu não aguento mais me sentir uma criminosa. Eu não sou criminosa.” – desabafo de Bela para a advogada Tanieli.
Quem é essa mulher, mãe de uma menina de 12 anos e ex-assessora do deputado estadual do RJ, Renato Zaca (PL)?
Busquei a resposta com a sua advogada Tanieli Telles de Camargo Padoan, moradora de Jaraguá do Sul, SC. Foram muitos os assuntos tratados com a Dra. Tanieli, mas nesse texto você lê sobre Bela e a sua saga após a voz de prisão. Adianto que essa cidadã brasileira não teve um minuto de sossego desde dezembro, até se entregar à Interpol no mês de setembro.
A vida de fugitiva da paraibana Wenia Morais Silva, chamada de Bela pelos seus conhecidos, começou nos últimos dias de 2022. O seu nome foi incluído na lista de 39 mandados de prisão da Operação Nero da Polícia Federal, a pedido do Supremo Tribunal Federal, em dezembro último. Ela conseguiu exílio no Paraguai e, desde então, viveu sem muitas condições e longe da família.
No dia 29 de setembro, nove meses depois, Bela foi ao Centro Internacional da Interpol em Assunção por estar cansada de fugir. As autoridades internacionais a entregaram para a polícia do Paraguai e, na sequência, Bela foi conduzida até os Policiais Federais brasileiros na cidade de Foz do Iguaçu, PR, quando foi cumprido o mandado de prisão.
“Bela se entregou, fez corpo delito e cruzou a ponte em Foz do Iguaçu onde a Polícia Federal estava esperando por ela. Foi feita a Audiência de Custódia no dia seguinte. O único pedido de Bela é de que seja levada do presídio de Foz do Iguaçu para o Colmeia, em Brasília”, comenta a Dra. Tanieli.
Até 23 de outubro, quando escrevo esta matéria, Bela continua presa no Paraná, de forma que a única exigência não foi atendida. Ela deseja ficar presa na penitenciária de Brasília, onde se encontra a maioria dos demais patriotas presos, que aguardam a liberdade provisória (prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica) ou cumprimento das suas penas, no caso dos que já foram julgados pelo STF.
O QUE É A OPERAÇÃO NERO?
Antes de entrar um pouco mais na história de Bela, é preciso explicar o que foi ação da PF e a motivação de prender quase 40 brasileiros. Esses patriotas foram alvos de mandado de prisão temporária expedido pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes. Foi essa a ordem judicial que deflagrou a Operação Nero da PF que, a princípio, foi criada para apurar os atos de vandalismo em Brasília registrados no dia 12 de dezembro.
O objetivo da investigação, até aqui, é identificar quem de fato quebrou as vidraças da sede da Polícia Civil do Distrito Federal e quem incendiou carros e ônibus que estavam em frente ao local. Duas semanas após a ocorrência do dia 12/12, Moraes mandou prender os patriotas acampados no QG de Brasília que foram até o local, ou nas proximidades, identificados por meio de vídeos que fizeram e publicaram nas redes.
É importante registrar que a presença de manifestantes no local se justifica pela informação divulgada naquele dia de que o índio Sererê, preso pela PF por ordem do ministro Moraes, tinha sido levado para a sede administrativa da PF. Ele de fato foi levado para lá e não para uma delegacia, como seria usual, o que causou estranheza de advogados que se colocaram à disposição de ajudar o indígena naquele momento.
PRISÕES E FUGAS
Os casos mais conhecidos de presos preventivamente na Operação Nero são de Joel Pires Santana, Klio Damião Hirano, Átila Franco de Mello e Samuel Barbosa Cavalcante. A imprensa noticiou com ênfase outros nomes de foragidos como Allan Diego dos Santos, Helielton dos Santos, Walace Batista da Silva, Silvana da Silva, Ricardo Aoyama, Wellington Macedo e Wenia Morais Silva (Bela), mas tem algumas dezenas de pessoas cujos nomes não foram tratados publicamente. Ou pelo menos não com tal ênfase como os citados.
O critério para dar voz de prisão preventiva foi o fato de estarem no local ou próximo, e ter feito o vídeo. Foi assim que essas pessoas entraram na lista dos manifestantes procurados pela PF. As buscas e prisões ocorreram em sete estados da Federação: Rondônia, Pará, Mato Grosso, Tocantins, Ceará, São Paulo e Rio de Janeiro, envolvendo outras quase três dezenas de patriotas. Os crimes investigados são de dano qualificado, incêndio majorado, associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, com penas somadas de 34 anos de prisão.
MOTIVOS PARA BELA SE ENTREGAR
A decisão de Bela se entregar foi consequência da traição sofrida pela amiga Rieny Munhoz, com quem Bela residiu até que a amiga foi presa no Paraguai. “Ela viu como foi humilhante a prisão da Rieny e estava cansada de tudo que viveu em nove meses. Ela me disse que se sentia igual a bicho acuado, com medo, sem contato com a filha de 12 anos e demais familiares. Me disse que não era vida ficar fugindo 24 horas por dia, se sentindo criminosa, sem ter feito nada de errado”, comenta a advogada de Bela.
A amiga de Bela, a Rieny, foi presa em meados de setembro numa ação coordenada com a Polícia Nacional e o Departamento de Migração do Paraguai, por meio de colaboração internacional entre as autoridades brasileiras e paraguaias. Rieny tinha asilo político no Paraguai e uma funcionária da imigração a chamou para retirar um documento definitivo de asilo político. Quando chegou foi entregue para a Interpol. Rieny se encontrava no Paraguai com mandado de prisão em aberto, expedidos pelo STF, com suspeita de ter financiado um ônibus que foi de sua cidade para Brasília nas vésperas do dia 8 de janeiro. A patriota agora se defende da acusação e comprovará que não teve qualquer envolvimento.
QUAL O FUTURO DE BELA?
“O processo de Bela é sigiloso e nós, advogados, não temos acesso. Fizemos a petição pedindo habilitação, mas quando se trata de uma decisão como um mandado de prisão do STF não temos acesso ao procedimento, nem temos acesso à investigação.
Ainda é uma PET, não uma ação penal, porque Bela ainda não foi denunciada. Toda PET precisa de inquérito com o oferecimento da denúncia, depois tem a defesa prévia. Depois do recebimento da denúncia faremos o oferecimento da defesa prévia novamente. Só depois disso vem a ação penal individualizada.
Então ela não tem denúncia, porque ainda corre a investigação da Polícia Federal. Eu espero que possamos reduzir as acusações, porque nesse momento não temos perspectiva de zerar as acusações. Talvez permaneça o dano e associação criminosa, que resultam em penas mais baixas.
Vamos lutar e brigar até o fim junto com Bela. Vamos mostrar que ela nem se aproximou do local onde ocorreu depredações na Polícia Federal, no dia 12 de dezembro. Ela fez vídeo, mas ela não estava no local dos fatos”, adianta Dra. Tanieli.