Edição de Ana Maria Cemin – Jornalista
13/11/2023 – (54) 99133 7567
“Me chamo Indianara Corrêa, tenho 32 anos, sou mãe de duas meninas lindas, uma de 11 anos e a outra de 8, que são a razão do meu viver. Cuido da minha mãe, 72 anos, que ficou sabendo que eu fui presa por atos terroristas, pois foi assim que fomos apresentados para a sociedade brasileira pela Imprensa e Estado Brasileiro de 8 de janeiro em diante.
No dia 6 de janeiro, embarquei em uma luta pelo futuro das minhas filhas e de todas as crianças do nosso Brasil. Era a chamada Marcha para a “Liberdade”, o que hoje nos parece ironia. Foram 30 horas de Joinville, SC, até Brasília, uma viagem de ônibus longa com muito louvor.
Chegamos ao QG por volta das 4h da manhã de domingo, 8 de janeiro, montamos as barracas e fomos descansar. Assim que amanheceu eu levantei, pois o dia estava quente. Estava muito feliz por ser a minha primeira vez na capital do Brasil. De tão encantada os meus olhos brilhavam!
Fomos para fila do almoço por volta das 14h e, em seguida, saímos para a Marcha para a Liberdade. Quando chegamos na frente de um dos ministérios passamos pela barreira da Polícia Militar e fomos revistados, tanto as nossas bolsas como o corpo dos homens. Tivemos que deixar com os policiais antitranspirantes aerossol e quem era fumante não passava com isqueiros ou fósforos.
Chegamos na Praça dos Três Poderes entre 17 e 17h30, quando observamos o Palácio do Planalto revirado, com cadeiras, mesas, lixeiras jogadas na frente do prédio. Três helicópteros sobrevoavam e havia muito policiamento, praticamente por toda a parte, e muitas bombas eram jogadas contra nós. A cena que encontramos era de guerra e fiquei muito assustada, pois nunca havia visto algo tão aterrorizante. Em frente ao Palácio do Planalto vi homens vestidos de preto com toucas balaclavas, escudos e confrontavam a polícia. Junto com eles havia alguns de amarelo e quebravam o que estava ao alcance deles dentro dos prédios, enquanto do lado de fora os verdadeiros manifestantes em uma só voz gritavam “não quebra”.
SEM RESPIRAR DIREITO
Eram tantas bombas explodindo que já não conseguia respirar normalmente, além dos meus olhos e rosto arderem como se estivessem pegando fogo. Então encontrei uma senhora que estava comigo no ônibus sozinha, perdida da filha, e com medo de que ela se ferisse fiquei com ela e, depois de um tempo, consegui a convencer que o melhor era voltarmos para o QG. Isso ainda era dia, mas ao chegarmos no QG já era noite e logo percebemos que a Polícia Federal tinha cercado o QG. O movimento de helicópteros, viaturas policiais e Exército ficou intensa, com aumento de número de soldados, caminhões e até tanques de guerra.
Por todo o lado começou uma conversa de que seríamos todos presos, mas poucos acreditavam nisso. Eu era uma dessas pessoas incrédulas, porque não tinha cometido qualquer crime. Estava confiante por não ter feito nada de errado e fui dormir, apesar de ser uma noite difícil de pegar no sono devido à intensa movimentação, vozes de pessoas nervosas e som de helicópteros.
Muitas pessoas saíram do QG durante a madrugada e, às 6h da manhã, um pessoal passou nas barracas, pedindo para todos comparecerem à frente do QG, pois tinha uma pessoa importante da Polícia Federal que queria fazer um comunicado a todos. Fui e chegando ao local me assustei com a quantidade de policiais fortemente armados, inclusive com cachorros.
Esse homem começou a falar: “O Exército não pode mais manter vocês aqui e o atual Presidente da República anunciou a intervenção federal. Vocês têm uma hora para deixar o QG e sair de Brasília”. Apesar dessa fala, os nossos ônibus de turismo não se encontravam lá e nos foi disponibilizado ônibus para “nos tirar de lá com segurança”. E foi feita uma ameaça: “Se vocês se recusarem, vamos ter que usar a força. Por isso repito: embarquem todos nos ônibus que vamos tirar vocês em segurança. Daqui vamos levar vocês até a rodoviária”.
MINHA MÃE ME DISSE QUE ESTAVAMOS SENDO EXPOSTOS EM REDE NACIONAL
Eu entrei num dos ônibus e depois que eles estavam todos cheios, começou a tortura. Saímos pelas ruas de Brasília numa espécie de exibição de patriotas. Andaram sem parar pela cidade, como se estivessem sem rumo, foi quando a minha mãe ligou e me fez perceber que estávamos sendo expostos em rede nacional.
Foram mais de 4 horas trancados em ônibus, sem água, sem comida, sem ir ao banheiro.
Inicialmente nos levaram à Polícia Militar e lá foi mais um tempo de tortura, com cerca de 2 a 3 horas trancados dentro dos ônibus parados, sem poder ir ao banheiro e sem água. Na sequência, andamos por mais 1 hora até chegarmos ao Ginásio da Polícia Federal, conhecido agora como campo de concentração da PF. Permanecemos mais um tempo trancados dentro dos ônibus, com sede e fome, além de impedidos de ir ao banheiro, com pessoas passando mal, desmaiando. Ninguém imaginava a que ponto chegaria a omissão daqueles que pagamos para nos defender de bandidos e que juraram a defesa do povo.
BARREIRAS DE POLICIAIS E CÃES FAREJADORES
Ao sairmos dos ônibus passamos por duas barreiras: a primeira com cerca de 150 policiais masculinos e a segunda com cerca de 110 policiais femininas. A primeira barreira fazia a revista nas malas e nos homens e a segunda barreira revistava as mulheres. Em seguida, fomos amontoados num ginásio e só no final da tarde levaram uma marmita, com uma comida tão ruim que foi impossível comer.
Ainda tínhamos a esperança de sermos identificados e liberados em seguida. Foi a pior coisa que já vivenciei, pois assisti muitas pessoas passando mal, até mortes eu vi! Sem uma solução, as pessoas encontraram qualquer lugar no chão para dormir. Eu, muito cansada, arrumei um canto e dormi. Por volta das 4 horas da madrugada do dia 10 de janeiro, eu fui acordada pelo advogado para passarmos pela oitiva. Não fazia a mínima ideia do que era até passar por isso e quando chegou a minha vez passava das 10 horas da manhã. Lembro que o delegado perguntou se eu queria falar, mas optei por ficar calada, até porque não iria adiantar.
Assinei uma nota de culpa com 11 crimes, sendo um deles de terrorismo. Só então caiu a ficha de que eu estava sendo presa, mesmo não recebendo voz de prisão.
Depois disso, até para ir ao banheiro éramos escoltados e colocaram todos nós numa espécie de teatro, já separados em grupos de homens e mulheres. Com uma escolta muito forte e em pequenos grupos fomos encaminhados para fora e, quando chegou minha vez, não acreditei no que vi! Surgiu na minha frente um ônibus igual ao que sempre via em filmes, com muitas grades e muitos policiais. Chorei desesperadamente, como nunca havia chorado antes, a ponto de perguntar a Deus o que eu tinha feito de tão grave para precisar de tudo isso.
Entrei no ônibus e só depois de lotado andamos por uma hora até chegar ao Instituto Médico Legal, onde foi feito o corpo de delito para ver se estávamos machucados. O meu corpo estava bem, mas o psicológico já não poderia dizer o mesmo com aquela tortura. Serviram café e pão, mas não quis comer por estar muito nervosa.
Uma pessoa se aproximou de mim e disse para que eu comesse pelo menos um pouco, porque para onde eu iria não seria bem tratada. Eu quis saber para onde estavam nos levando e a pessoa falou: “Vocês estão indo para o sistema”. Mesmo ouvindo isso não imaginava o que estava por vir. Achei que o pior já tinha passado. Engano meu.
O PIOR ESTAVA POR VIR
Retornamos aos ônibus com destino ao lugar onde iniciariam os nossos pesadelos: a Penitenciária de Segurança Máxima Colmeia. Ao chegar lá avistei vários policiais da Polícia Penal, descemos e fomos levadas para uma espécie de recepção. Passamos pela identificação e se tínhamos algo de valor era para colocar nas nossas mochilas ou malas, para depois serem ensacados e colocados com o nosso nome.
Em seguida, chegou uma policial gritando e xingando muito. A linguagem era muito baixa e lembro dela falando para nós que na hora de fazer m****, na hora que era para quebrar não tinha ninguém chorando. Naquela cena de horror, com aquela policial gritando coisas inconcebíveis, nos separamos dos nossos pertences e passamos a ser chamadas uma a uma para colocar o uniforme da penitenciária. Eu recebi uma camiseta e uma bermuda brancas. Eu estava menstruada, mesmo assim tive que tirar toda a minha roupa e fazer um agachamento nua.
DE QUAL LADO DA MOEDA VOCÊ ESTÁ?
Como a minha calcinha era preta, não pude ficar com ela e não havia outra para usar. O mesmo aconteceu com o meu sutiã. De lá fui para uma máquina de Raio X para depois ser orientada a sentar no chão com os dedos entrelaçados na cabeça, virada para parede.
Um policial chamava uma por uma e levava até uma sala, uma espécie de banheiro sem vaso sanitário e sem chuveiro, e lá faziam a pergunta: de qual lado da moeda você está? Sem entender, perguntei o que ele queria dizer com isso. Ele repetiu: Você é Bolsonaro ou Lula? Eu respondi sou de direita, moço. Ele me fez voltar para onde eu estava sentada e ali ficamos por mais algumas horas.
Quando todas haviam passado por isso, fizemos fila e fomos conduzidas por policiais a uma sala onde tinha muitos kits de higiene. Conforme a fila ia passando, um policial entregava os kits individuais. Andamos, depois, por corredores da penitenciária até chegarmos aonde estavam as presas que realmente cometeram crimes para estarem naquele lugar. Quando nos viram, começaram a gritar coisas horríveis, como p******* de direita, aqui é Lula. Elas enchiam o peito para gritar que elas são Lula. Pensei comigo: a gente não é Lula e nem Bolsonaro. A gente é do Brasil, patriota! Eu amo a minha pátria. Foi assim a nossa passagem pela Ala C.
Chegamos ao nosso destino, uma ala chamada de “berçário”, onde estavam vários colchões e cobertores novos, comprados para nosso uso. Para se ter ideia do tipo de cobertor, lembra produto de reciclagem e pinicava em nosso corpo. Conforme chegávamos íamos nos ajeitando nas celas, onde tinha mais berços do que camas. As policiais voltaram com uma equipe de enfermeiros para fazer o teste de Covid. Fomos literalmente obrigadas e todas fizemos. Disseram: “Aqui a gente manda e vocês obedecem. Aqui é o sistema”.
142 MULHERES NA ALA D
Não demorou muito, as policiais mandaram juntar as nossas coisas, colchões, cobertores e kits de higiene porque seríamos realocadas para outra ala. Saímos em fila, andamos alguns metros e chegamos à Ala D. Quando abriram as portas vimos algumas mulheres e ficamos assustadas, pois as policiais não nos falaram se eram criminosas ou patriotas. Assim que entramos ficamos nos olhando até que uma delas falou: “Sejam bem-vindas patriotas!”.
A partir daquele momento elas organizaram a nossa chegada e nos encaminharam para celas. Era uma ala com capacidade para 120 mulheres, mas nós estávamos em 142.
Para 142 mulheres tínhamos três vasos sanitários, apenas um funcionando; dois chuveiros, sendo que um estava estragado; e uma torneira onde tomávamos água, lavávamos as roupas e mãos, escovávamos os dentes e lavávamos a roupa. Sem condições mínimas.
Acabei dormindo rápido no primeiro dia (10/01, terça-feira), pois estava sem dormir há dias e quando amanheceu fui acordada cedo, por volta das 5h30 e 6h, pois as mulheres que estavam desde domingo nos alertaram do procedimento do presídio. Eu estava muito perdida, não sabia nem o que era procedimento, muito menos o tal de “confere” que as policiais falavam, então entraram as policiais e nos chamaram para a frente da ala.
Elas queriam que fizéssemos filas e iniciaram uma chamada na qual diziam o nosso primeiro nome e tínhamos que responder com o sobrenome. Isso passou a acontecer diariamente entre 6h30 e 7h30, e eu não conseguia acreditar que estava passando por isso, sem ter cometido nenhum crime.
XEPA: COMIDA PARA PORCOS
O almoço era conhecido como xepa. A comida vinha em um marmitex de alumínio muito cortante e era horrível. Faltam palavras para descrever, mas sempre é possível tentar: o cheiro parecia lavagem de porcos; o gosto não consigo definir, pois nunca comi uma comida tão ruim para comparar, pois não tinha tempero, a carne parecia papelão molhado e triturado. A feijoada vinha com uma linguiça salgada e apimentada. Serviam também uma espécie de almôndega que formava uma crosta de gordura na língua e dentes, algo muito ruim, horrível.
O horário da janta era por volta das 16h30 e 17h. Chegava o marmitex com dois minipães, um achocolatado e uma fruta que na maioria das vezes estava estragada. O que dava para comer era o pão e o achocolatado, sendo que um pão era a minha janta e o outro era o café da manhã. Era comum bater desespero à noite, quando pensava na minha mãe e nas minhas filhas, ao ponto de me arrepender de ter saído de casa. Eu ficava com muitas lágrimas no rosto e o cansaço me dominava ao ponto de cair no sono.
O amanhecer dentro da penitenciária era sempre com muitos gritos: “Internas, agora vocês são iguais às outras!”. Ouvir isso machucava muito, pois ao contrário do que as policiais falavam, ali ninguém sequer tinha passagem pela polícia para se tornar iguais às criminosas.
E assim foram se passando os dias e, aos poucos, iam chamando para conversa com advogado e chegaram as audiências de custódia, apesar de que legalmente deveriam ter ocorrido 24 horas depois de nos prenderem.
MINHA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA
Dez dias depois fui chamada para audiência. Na sala estava o juiz, o promotor e um defensor público, então não aceitei fazer a audiência porque queria a presença do meu advogado. A minha audiência foi remarcada e começaram a aparecer advogados oferecendo serviço de R$ 30 mil para cima.
Solucionada a questão do advogado, participei da audiência e o juiz foi favorável a mim, pois não fiz nada de errado, nem sequer entrei em algum prédio. No entanto, ele falou que não tinha poder para decidir e me falou que teria que esperar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Ali meu coração parou, pois estava incrédula com tudo. Eu acreditava que sairia na audiência, mas me enganei novamente e retornei para a cela desanimada.
Em todo esse tempo até a audiência, estávamos apenas com a roupa do corpo, sem sutiã e sem calcinha. Tínhamos que colar absorvente no seio para poder sair quando nos chamavam para conversar com o advogado. Além disso, andávamos com a roupa molhada, pois não dava tempo de secar. A roupa era lavada à noite para usarmos durante o dia, então dormíamos enroladas nos cobertores, pois nem toalhas tínhamos. Então começaram denúncias de que estávamos sem nada, apenas com a roupa do corpo, e a diretora apareceu com uma muda de roupa para cada uma: camiseta, bermuda, calcinha, sutiã e toalha.
SEM JEITO PARA SER PRESA
Nós não sabíamos nos comportar como presas e até mesmo as policiais pareciam muito perdidas no relacionamento conosco. Porém uma coisa eu tenho certeza: elas não estavam dando nenhum tipo de regalia. Estávamos sendo muito maltratadas, como nos banhos de sol, nos quais éramos obrigadas a ficar até meia hora sentada em um chão muito quente, pois em Brasília fez muito calor no início do ano. Ficávamos sentadas no chão, com as mãos atrás da nuca e cabeça baixa, ouvindo muitos gritos, como “Aqui vocês não são nada, são internas como as outras”. E eu que jurei para a minha mãe que, por mais dificuldade que nós passássemos, nunca iria fazer algo que pudesse comprometer minha liberdade. Olha só onde fui parar! Dentro de uma penitenciária, apenas por ter ido em uma marcha.
PENSAMENTOS SUICIDAS – Os dias foram passando e o desespero foi batendo, junto com a vontade de atentar contra a minha vida. Foram muitas vezes. Nessas horas elevava o meu pensamento a Deus e pedia que tirasse essa tristeza do meu coração. Somente no dia 26 de janeiro consegui enviar um recado para a minha mãe e obtive resposta em 1º de fevereiro, com a graça de Deus, então soube que minha mãe e minhas filhas estavam bem. Foi um alívio. Até então não tínhamos comunicação com o mundo fora das grades. Em fevereiro passamos a ter novas esperanças de sair do presídio, com a visita de alguns parlamentares, mas também marcou um tempo em que as policiais começaram a agir com mais crueldade ainda. Elas sabiam que somos mulheres de bem como elas, mas percebi que ficavam indignadas com famosos nos visitando. Os parlamentares de direita simplesmente estavam dando um apoio psicológico, pois nem eles sabiam o que poderia acontecer dali para frente. Então fomos recebendo visitas, o Secretário da Saúde também apareceu por lá.
POUCA LIBERDADE PARA DIZER “NÃO”
Uma equipe enorme da Polícia Federal apareceu no Presídio Colmeia e montou alguns equipamentos no pátio onde tomávamos banho de sol. Fui tirada da Ala D junto com as outras, para que essa equipe pegasse o nosso DNA através da saliva, além de fazerem fotos em todos os ângulos, medição de altura, coleta de digitais e fotos de nossas tatuagens. Perguntei à policial se éramos obrigadas a fazer e ela falou que quem não fizesse ia para o castigo.
Conforme os dias iam passando só piorava, as policiais faziam questão de nos chamar de terroristas e baderneiras, e até ameaçadas nós fomos. Uma policial chegou pedindo para fazer o confere, fomos todas como já era de costume para a sala, mas essa policial estava ali pela primeira vez. Ela queria fazer diferente do habitual, queria todas nós sentadas no chão como o procedimento do banho de sol.
Naquele espaço já era quase impossível todas nós de pé quanto mais sentadas. Então falamos: “Senhora, nós não cabemos todas sentadas, pois o espaço é pequeno”. Se soubéssemos a reação, não teríamos falado, pois ela começou a gritar muito e falar: “Eu quero ver se com uma 12 na cabeça não cabem todas sentadas”. Repetiu duas vezes e ainda falou que quem quisesse a processar que o fizesse, pois em questão de disciplina ela sempre ganhava. Ainda fez questão de dizer que o nome dela era Audrei. Naquela manhã foi à base de gritos e ameaça que fizemos o confere.
Fomos aprendendo como nos manter vivas, apesar de todo o sofrimento com as policiais penais, ainda tinha algumas entre elas que nos davam uma palavra de conforto e um apoio psicológico. As que gostavam de nos humilhar eram as que estavam diariamente conosco. Até que, no final de fevereiro chegou a minha denúncia, favorável à minha liberdade, então meu coração se encheu de esperança novamente.
VISITAS ILUSTRES
Começamos a nos animar um pouco mais com a chegada dos alvarás de liberdade provisória. Porém um novo fato mexeu conosco, com a presença do diretor da penitenciária no dia 6 de março informando que era para termos calma, pois iríamos receber uma visita que seria um divisor de águas na nossa vida. O sucesso daquela visita poderia nos ajudar ou nos manter por muito mais tempo presas.
Saiu sem dizer quem seria a visita ilustre e logo chegou a janta. Minutos depois chega uma policial dizendo para todas comparecerem na sala de confere, pois estava chegando a visita tão anunciada.
Inicialmente foram entrando muitos policiais, todos com armas de grosso calibre e alguns até apontando para nós. Foi então que avistamos os ministros do STF, Alexandre de Moraes e Rosa Weber, junto com uma comitiva que incluía outras autoridades e a OAB. Moraes tentou nos convencer de que a justiça seria feita. “Quem fez vai pagar!”, disse ele mais de uma vez.
Eu apenas chorava, não tive outra reação. Ele e a ministra davam sorrisos, o que no meu ponto de vista era de deboche. Ele não se conteve em nos prender e precisou ver pessoalmente o nosso desespero. Éramos 142 mulheres coagidas nos cantos da Ala D pelos policiais que entraram e fizeram uma barreira para o ministro e a comitiva entrarem para ver a situação dos banheiros e onde dormíamos. Os policiais todos com as armas apontadas para nós e spray de pimenta pronto para disparo a qualquer momento. Assim ele entrou, caminhou entre nós e saiu. Fecharam a Ala e ele comentou que ficou admirado com a educação das pessoas que ali se encontravam.
SAÍDA EM MASSA
Depois do dia 8 de março, começou uma saída em massa, cerca de 159 alvarás tinham sido emitidos, era a informação que nos chegava pelas grades. No dia 10 de março levantei cedo e tomei um banho, pois sabia que a minha liberdade estava para chegar. Por volta das 8h, o policial chegou com os alvarás e começou a chamar e o meu nome estava na lista. O meu coração se encheu de alegria. Creio que depois do nascimento das minhas filhas foi este o dia mais feliz da minha vida. Então juntei as coisas que tinha dentro da penitenciária, minha Bíblia e a roupa do corpo.
Fomos até o galpão onde estavam armazenadas as nossas malas ou mochilas com os nossos nomes. Após pegar as nossas coisas fizemos fila para resgatar os nossos objetos valiosos guardados no cofre e voltamos para a penitenciária. Nos levaram para uma ala separada e disseram que nos serviriam almoço, porém todas negaram a comida e aceitaram um suco para forrar o estômago. O passo seguinte foi nos colocar em ônibus para irmos até o Centro Integrado de Monitoramento Eletrônico – CIME, onde colocaram a tornozeleira eletrônica.
MEU ANJO ESTAVA ME ESPERANDO NO CIME – Ganhei a minha liberdade ao sair do CIME e encontrei o meu anjo da guarda: Dr. Ezequiel Silveira. Dei um abraço de agradecimento e fomos saindo dali pois alguns patriotas nos recepcionaram com comida, água, refrigerante, café e suco.Iniciava ali uma nova jornada da minha vida, com muita gratidão pelo Dr. Ezequiel que me atendeu mesmo não tendo dinheiro para pagar. Ele não desistiu de mim, não abandonou minha causa. Ao contrário, me acalmou e falou que não iria me abandonar. O que seria de mim sem o trabalho de defesa feito por ele? Sou imensamente grata a Deus por ter ele como advogado, a única pessoa em que pude confiar em um momento de desespero.
SEM TRABALHO: O ESTIGMA DA TORNOZELEIRA
Ganhar a minha liberdade foi a melhor coisa que poderia acontecer, mas não sabia o que estava por vir fora da prisão. Antes de ir para Brasília, eu tinha uma loja online chamada Índia Modas, com vendas por Facebook, Instagram e WhatsApp. Eu mesma vendia, eu mesma entregava.
Com a restrição de uso de rede social, não posso vender, não tenho estoque, pois minha mãe precisou vender para se manter enquanto estava ausente. Não consigo trabalhar, pois o preconceito e os olhares maldosos são muitos, principalmente quando falo que estou de tornozeleira eletrônica surgem muitas desculpas, dizem que vão ligar depois e nunca mais ligam.
É muito triste entrar em um estabelecimento comercial e perceber pessoas seguindo você, pois você está usando tornozeleira eletrônica. A gente passa a ser taxada de bandida, pois não conhecem a verdadeira história. Se eu quero ser bem tratada por alguém que viu minha tornozeleira, tenho que explicar que não sou bandida, não fiz nada de errado para estar com isso, apenas sou uma vítima de um sistema que não quer oposição.
Certo dia entrei em um mercado e o proprietário estava num dos caixas atendendo. Estava de short e a tornozeleira estava muito visível e fui em direção ao açougue, pois queria uns pedaços de carne. Fui atendida e aguardava o meu pedido, quando percebi que o dono do mercado saiu do caixa para ir atrás de mim e perguntou se eu precisava de ajuda. Eu, com toda a minha educação, falei não obrigada já fui atendida. Porém, não contente com a minha resposta, ficou mexendo em algumas coisas que estavam do meu lado para cuidar de mim, como se fosse roubar alguma coisa.
Sofro com a tornozeleira, pois não tem quem não olhe torto. Algumas pessoas têm medo! Outro dia chamei um Uber, porém ao chegar o motorista viu a tornozeleira e deu ré com medo. Fiz sinal com a mão e fui até ele explicar que não sou criminosa e contei que era uma das presas políticas do Brasil.