Ana Maria Cemin – 17/10/2024
Tudo é um grande horror. É tudo muito triste. Não existem palavras para descrever o que nós, os presos do 8 de janeiro, estamos passando. Realmente todos, todos, uns mais outros menos, mas todos estamos morrendo um pouco por dentro. Cada um com sua história.
Hoje, não somos donos de nossas vidas, dos nossos sentimentos. Muitas vezes não conseguimos nem controlar nossas palavras e atos. Só quem está passando sabe.
Não temos como explicar, por só se sabe o valor das coisas, quando perdemos. E temos perdido muito e as pessoas não dão muita importância, porque são detalhes que contam muito.
Meus filhos são adultos, mas os três estão sofrendo de ansiedade extrema. Meu caçula é casado, mas é muito agarrado com a gente. Está depressivo devido à situação em que estamos.
O medo nos ronda. A insegurança do futuro assusta. E tudo que nos assombra não pertence a nós. Somos pessoas respeitadas, acima de qualquer suspeita. Então fica impossível aceitar essa condição.
E assim, é com todos.
Amanhecemos e dormimos com a pergunta, como será amanhã? O que vai nos acontecer? Porque estamos sendo julgados e condenados, não nos provam nossos crimes. Vamos pagar, sem provarem nossa culpa ou crime. Quanta tristeza!”
As palavras acima são de Marilélia Zoz, 56 anos, que foi junto com o marido Adelir para Brasília. Eles foram presos no QG em 9 de janeiro e, desde então, vivem uma vida de restrições, usam tornozeleira e sofrem sem saber qual será o seu futuro.
O casal mora em Balneário Barra do Sul, SC, e foram lutar pela mesma causa em Brasília, a convite de amigos.
“Tomamos uma decisão súbita, incomum para nós, porque antes de fazer uma viagem longa nós costumávamos fazer uma reserva de recursos. Nunca tínhamos feito nada de supetão como dessa vez. Decidimos na quinta-feira à noite e no dia seguinte o nosso genro nos levou para embarcar em Joinville. O ônibus atrasou e saímos por volta das 17 horas. Na mochila coloquei apenas duas mudas de roupas, um pouquinho de dinheiro que peguei com o meu filho para nós comermos alguma coisa”, conta.
MANIFESTAÇÃO NA PRAÇA DOS TRÊS PODERES
O marido foi antes e mandou um áudio com uma foto: “Olha, amor, se tu quiseres vir para cá está tudo certo. Nós fomos revistados e nos disseram que podemos ficar aqui. Tragam água, pois estamos com sede”.
“Quando cheguei na praça, avisei que estava em frente à rampa e o meu marido veio correndo, pois nesse momento a polícia jogava bombas sobre os manifestantes. Observamos muita gente saindo de dentro dos prédios, correndo, alguns machucados. A dor na garganta por causa do gás sufocava, e nem conseguíamos enxergar direito. A turbulência era tanta, mas eu estava com o marido e decidimos subir a rampa. Foi quando enxergamos um rapaz escalando uma grade com o objetivo de colocar fogo na bandeira do Brasil. Nós puxamos aquele rapaz, praticamente derrubamos no chão, para que não queimasse a bandeira. Isso é crime! Para qualquer lado que olhávamos assistíamos o ambiente de pavor, com aquela correria para lá e para cá. Os patriotas fugiam daquela cena de guerra”, relata.
Depois de tudo isso, no dia 10 de janeiro, nós dois fomos levados aos presídios de Brasília. Fiquei exatos 34 dias sem saber absolutamente nada do que acontecia fora da cela, sem nenhuma informação sobre meu marido e meus filhos. Foram 34 dias em que quase enlouqueci. Comi comida podre porque não tinha outra saída. Até mesmo as frutas, como a goiaba vinha podre e, melão, azedo. Sai de lá 50 dias depois, com tornozeleira e com uma roupa emprestada e chinelos de dedo. Minha filha foi me buscar em Brasília e, pela primeira vez, viajei de avião, naquela situação. Meu marido ficou 53 dias preso no Papuda, emagreceu 12 kg”, conclui.
Você pode ler a história em detalhes do casal no link: