Por Ana Maria Cemin – jornalista
06/10/2023 – 54 99133 7567
O menino Lorenzo, de 7 anos, ficou mais de dois meses sem ver o pai e a mãe depois que eles foram a Brasília numa excursão de bate-volta, iniciada com chegada em 8 de janeiro no QG e retorno marcado para o dia seguinte.
A criança também nunca mais voltou para casa, imóvel de herança compartilhada, que acabou sendo solicitado por outro herdeiro. Durante a prisão dos pais, Lorenzo foi para a casa dos avós e lá ficou até que a mãe Jacqueline Spirlandeli, 46 anos, e o pai Marcelo Henrique Cintra, 38 anos, voltassem dos presídios Colmeia e Papuda para Franca, São Paulo. O tempo de prisão “patriótica” por se manifestarem em frente ao quartel: ela 64 dias e ele 67 dias; ela perdeu 13kg e ele perdeu 16kg nesse período.
Lorenzo é o único filho do casal, que está junto há 8 anos, mas Jacqueline tem outros dois, um de 19 e outro de 21 anos; e Marcelo também tem outros dois, de 14 e 17 anos, que moram com a mãe. Em julho, por não ter pagado a pensão dos filhos, Marcelo recebeu voz de prisão, criando um reboliço na vida do casal. A saída foi pedir um cartão de crédito emprestado para quitar os R$ 2,5 mil da pensão à vista. Isso acarretou uma despesa mensal parcelada de R$ 500,00 do cartão emprestado, além dos R$ 600,00 da pensão. O positivo de tudo isso é que Marcelo está em dia com a pensão e Lorenzo tem o pai em casa, depois de longa ausência sem sentido, entre janeiro e março.
Durante a prisão, os dois filhos mais velhos de Jacqueline ficaram na casa, porém um sobrinho de Marcelo requereu o uso, por entender que tinha direito a usufruir da herança da avó. Nenhum obstáculo foi colocado para essa exigência e os pais de Jacqueline construíram, a toque de caixa, uma casa ao lado da sua, providência iniciada ainda durante o período em que estavam na prisão.
Até ser preso, Marcelo era frentista. Ao sair ficou sem emprego, mas recentemente conseguiu se colocar numa transportadora, onde recebe R$ 1,8 mil por mês. O trabalho de montagem de sapatos, exercido pela Jacqueline há mais de uma década está com baixa demanda, então a família está sobrevivendo com a ajuda de centros espiritas que lhes entregam duas cestas básicas por mês.
Jacqueline não reclama da casa inacabada, nem de estar sem advogado desde a saída do presídio, e me diz que ter um teto é uma bênção. Porém, enquanto conversamos sobre tudo isso eu sinto a tristeza em sua voz e, embora fale de forma simpática e com ares otimistas, logo tudo muda e ela chora. Não provoco o choro com as minhas perguntas, pois estou apenas ouvindo a sua história e entender quais os passos que deu nos últimos tempos. O que vem dela, emoção e relatos, é a sua experiência de janeiro para cá, ainda muito mal resolvida dentro de si. Uma dor que é possível sentir à distância, eu em Caxias do Sul, RS, e ela lá em Franca, no sítio dos seus pais, onde agora tem uma nova casa.
“Sou uma pessoa que não gosta de pedir ajuda”, me diz a patriota, e sei que é sincera. “Estou muito sensível desde que fomos presos daquele jeito em Brasília e agora penso que tudo que ocorre de errado ao meu redor é minha culpa. Ontem, por exemplo, estava triste porque deu algum problema na conta do banco da minha mãe e logo achei que era por minha causa, fiquei abalada até saber que não era nada. Os meus pais são boas pessoas, mas a forma como falam comigo parece que estão me atacando”, revela.
O seu estado emocional está abalado, tem as dívidas do marido pesando no orçamento, sua renda caiu demais e não conseguem se manter sem ajuda, mas Jacqueline continua com planos. Seu desejo sincero é voltar para Brasília para abraçar duas pessoas. Quais? Duas policiais!
“Um dia voltarei para abraçar as duas. Uma delas me socorreu quando eu ainda estava no Campo de Concentração. Lá, Marcelo e eu sempre estávamos juntos até que fomos para frente do delegado de polícia cada um no seu tempo. Quando sai da sala do interrogatório o meu marido não estava me esperando e eu surtei, comecei a chorar em demasia e a policial disse que me levaria à enfermaria. O delegado disse que não, e mesmo assim ela me levou até lá, cuidou de mim e, ainda, procurou o meu marido e o trouxe até mim para que eu visse que ele estava bem, que ele não tinha sido levado para o Papuda. Eu me senti morrendo e renascendo naquele momento, então preciso abraçar essa policial pelo respeito e ato humanitário que teve para comigo. A segunda policial que desejo abraçar em Brasília é a que passou o recado ao meu marido de que o endereço da nossa moradia tinha mudado (sítio dos pais). Eu saí três dias antes que Marcelo e ela deu o recado e isso, para mim, foi muito importante por demonstrar consideração conosco”, relata.