Ana Maria Cemin – Jornalista
19/11/2023 – (54) 99133 7567
Ela tem 48 anos, um filho de 20 anos, divorciada e empresária do setor de revestimento de paredes/pisos e colocação de persianas. Ela ficou 15 dias no Presídio Colmeia por ter ido até Brasília. Detalhe: saiu de sua cidade às 17h30 do dia 7 de janeiro em um ônibus que quebrou no meio do caminho. Mesmo sabendo do que aconteceu na Praça dos Três Poderes, o pessoal do ônibus decidiu seguir viagem e a chegada no QG de Brasília foi às 20h40 de 8 de janeiro. Ou seja, muito depois de concretizados os atos de vandalismo.
Somente o filho da patriota sabia que ela tinha ido à manifestação na capital federal, por ter sido uma decisão de última hora, após retornar de férias no litoral. Voltaria de Brasília em três dias. Após ser presa, não conseguiu contato com nenhum dos familiares, nem mesmo com o filho, que só ficaram sabendo de sua prisão com a publicação da lista de presos pelo STF.
Depois de duas semanas em Brasília, voltou para casa com a tornozeleira eletrônica e todas as limitações impostas pelo STF, e a vida virou de cabeça para baixo: perdeu os serviços contratados, teve que indenizar os 13 funcionários, adquiriu dívidas por não conseguir atender novos clientes, está depressiva ao ponto de pensar em dar cabo de sua vida e descobriu que está com hanseníase, que antigamente era conhecida como lepra. A hanseníase é uma doença infecciosa, contagiosa, de evolução crônica, causada pela bactéria Mycobacterium leprae. Atinge principalmente a pele, as mucosas e os nervos periféricos (braços e pernas), com capacidade de ocasionar lesões neurais
“Saí do Presídio Colmeia em choque emocional. Durante duas semanas fiquei naquele ambiente úmido e com fome, junto às pessoas doentes que não podiam tomar os seus remédios, porque não eram liberados pelo sistema penitenciário. Eu saí do presídio e não percebi nada da doença contraída, hanseníase (lepra). Só em abril apareceu no meu braço uma marca do tamanho de um ovo, perdi a sensibilidade da pele e fui diagnosticada.
Desde então, faço tratamento com poliquimioterapia, um composto produzido nos Estados Unidos, mas não estou conseguindo melhorar. O médico me diz que preciso de tratamento psiquiátrico, que não posso ficar nervosa, porque é uma doença que ataca os nervos. Se eu ficar calma, tenho mais chance de sarar. Porém, sem tratar o meu psicológico junto, nessa situação em que me encontro de dificuldades financeiras e impedimento de trabalho, será difícil.
A doença se manifestou no braço e é como se fosse uma picada de inseto com consequências, como inchaço, e fica uma bola grande. Na sequência se transforma numa rodela grande branca e úmida.
TRATAMENTO
Nesse mês completo a terceira cartela de tratamento e o médico me falou que a hanseníase também atinge os nervos e percebo que a gente vai perdendo a força das mãos, por exemplo. Não é uma doença fácil. Se eu fico nervosa, começa a coçar e volta tudo, com risco de se espalhar pelo corpo.
O contágio se dá por gotículas de saliva, mas me disseram que com o início do tratamento já não transmito. Outra coisa: é preciso estar muito fragilizada fisicamente para a pessoa contrair a bactéria e mantê-la. Em geral o corpo expele. E no meu caso, a doença está no início, com uma carga baixa.
CHUMBINHO PARA ACABAR COM O SOFRIMENTO
Além de tudo o que aconteceu em Brasília e a doença, e de todo o meu financeiro bagunçado, a minha cabeça começou a ficar ruim. Não conseguia mais enxergar o final do túnel. Fui à agropecuária e comprei chumbinho. Pensei: “agora vou me matar porque não tem outra solução”. Naquele dia, recebi a visita da minha mãe que está com câncer e ela me disse para não fazer nada que cortasse os dias dela aqui na Terra. Parece que ela sabia que naquele dia eu tentaria me matar.
O QUE ACONTECEU COMIGO EM BRASÍLIA?
Cheguei em Brasília muito tarde no dia 8 de janeiro, porque o ônibus quebrou no meio do caminho e ficamos um bom tempo em São Paulo. Usei o meu cartão de crédito para comprar um agasalho então é fácil comprovar que eu não poderia fazer parte de qualquer ato de vandalismo, justamente por não estar no local, nem mesmo em Brasília.
Quando descemos no QG, tinha muito movimento de policiais e gente correndo para todo lado. Eu não conhecia as pessoas que vieram da minha cidade e acabei caminhando junto com a moça que se sentou ao meu lado na viagem. Assistimos aquele tumulto da Polícia Federal querendo invadir o QG e o Exército evitando, e parecia que estávamos em segurança. Fomos dormir.
Pela manhã, arrumei a minha mochila e tentei sair do QG, porém um cordão humano formado por inúmeros policiais me impediu. Depois disso, me juntei aos demais e fomos induzidos a entrar em ônibus, desfilamos por toda a Brasília e nos levaram para o Ginásio, com a desculpa de fazer um cadastro.
Depois que idosos, cadeirantes e mães e filhos passaram pelo cadastro, foi a nossa vez. Era por volta das 3 horas da manhã e o tal cadastro era na verdade uma voz de prisão. Até então não tínhamos entendido que fomos sequestrados lá no QG. A delegada que me atendeu permitiu uma única ligação antes de ser presa e recolher meu celular, então escolhi ligar para o meu filho que, por ser madrugada, não atendeu.
Fiquei sumida por 10 dias e ninguém sabia de mim. Eu tinha uma empresa e jamais imaginaria que seria impedida de voltar, portanto não tinha definido ninguém para tocar os negócios.
ALA DELTA
As condições em que vivemos na Ala Delta eram precárias demais. Tínhamos um único tanque para 143 mulheres e servia para tomar água, lavar o que fosse e escovar os dentes. Esse tanque tinha um esgoto entupido e a água voltava pela galeria, chegando até o espaço onde ficávamos, inclusive onde colocávamos os colchões no chão para dormirmos.
O vaso sanitário não tinha descarga e para usar era preciso limpar antes, pegando um saco plástico para tirar todo aquele resíduo com a mão e colocar no lixo. Quando a gente estava tomando banho, do lado tinha outra pessoa colocando um balde para escorrer aquela água. Se quisesse tomar um banho mais tranquilo precisava pegar a fila às 4 horas da madrugada, porque às 7 horas tínhamos que estar prontas para o “confere” das carcereiras.
Quando chegamos no Colmeia não tinha toalha e nós, mulheres com cabelo comprido, ao tomar banho tínhamos que secar com a camiseta e depois vestir ela molhada. Como não ficar doente? Só depois começaram a trazer os kits de presidiárias.
Os primeiros oito dias ficamos sem ver o sol, permanecendo o tempo todo num lugar muito úmido e escuro. Muitas conseguiam comer a marmita que era servida duas vezes ao dia, mas eu não. Conseguia comer o melão azedo, depois de passar uma água nele no tanque, e tomar o achocolatado. Quando a fruta era goiaba, ou era podre ou verde, mesmo assim eu comia, pois era melhor do que comer o que estava dentro da marmita.
CALOTE DE ADVOGADO
Quando a minha família leu o meu nome na lista de presos do STF, contratou um advogado que mal me atendia. Cobrava R$ 1.000,00 por visita, mas não aparecia. Só ficaram sabendo disso quando fui liberada e voltei para casa com a tornozeleira.
Uma das primeiras providências foi indenizar os meus 13 funcionários, pois não tinha como pagar. Tínhamos trabalhos contratados para revestimentos de drywall, piso vinílico e colocação de persianas. Perdi todos, fiquei com os boletos e o nome da empresa sujo.
Pedi autorização para Alexandre de Moraes para ampliar a minha área de circulação, porque a tornozeleira eletrônica estava impedindo o meu trabalho. No entanto, foi negada, mesmo explicando que sou sozinha e que sou provedora da casa. Além de me manter com limitações geográficas, também implicaram com o uso do meu WhatsApp, porque passei a usar o mesmo número do celular apreendido em Brasília, para tocar o meu negócio. Quando alguns clientes solicitaram orçamento, recebi notificação de Brasília afirmando que eu estava desacatando uma ordem judicial, por usar o WhatsApp. Expliquei e mostrei as fotos do meu trabalho, porque eu dependo do uso de celular e WhatsApp para me comunicar com clientes.
FALTA DE LUZ – A situação está bem difícil e aconteceu de cortarem a luz aqui em casa. Como preciso carregar a tornozeleira, solicitei uma licença para dormir na casa de minha mãe, mas o pedido foi negado. Só tive uma saída: colocar um rabicho na casa do vizinho para conseguir abastecer a tornozeleira. É muita injustiça!”