
Ana Maria Cemin – 25.07.2024
Faz sete meses que Jupira Silvana da Cruz Rodrigues, 58 anos, está no exílio. Hoje, 25 de julho, é o aniversário da sua filha Priscila, 37 anos, e o que ela mais queria era dar um abraço muito forte e dizer muitas coisas ao pé do seu ouvido. “Muito obrigada, Priscila, por você cuidar de tudo na minha ausência, continue tendo força e coragem. E, principalmente, não tenha medo”, manda recado durante a entrevista e faço questão de entregar por aqui.
A “barra” que filha segura é mesmo gigante, a começar pelo fato dela trabalhar muito e ter duas filhas pequenas, de 3 e 6 anos, que a avó exilada cuidava quando estava em casa, em Betim, MG. Priscila também dá atenção ao pai José Rodrigues, 67 anos, e às irmãs adotivas Naiane, 18 anos, e Lara, 16 anos. Tem ainda o Claudemir, 47 anos, curatelado da Jupira que precisa de cuidados por ter esquizofrenia e que também é considerado um irmão.

A família de Jupira é grande mesmo: marido, dois filhos biológicos (além de Priscila tem o Rodrigo, 31 anos), as duas meninas, as duas netas, o curatelado e João Carlos, 41 anos, cuja história vem agora…
Foi com foi o João Carlos que Jupira começou a demonstrar o seu amor pelas crianças e desapego em prol do outro. Ela é madrinha de João Carlos desde os 17 anos e, ainda adolescente, assumiu a sua criação em virtude de problemas financeiros a mãe biológica. Jupira ainda estava na casa dos pais e fez um acordo com sua mãe de que trabalharia fora para criar o menino da amiga. Hoje é também seu filho, mesmo que não formalmente.

SAUDADES DE TODOS
Tanto na prisão em Brasília quanto no exílio, Jupira ficou afastada do marido, seis filhos e as duas netas, além da vizinhança toda com quem ela gosta de se relacionar. Não seria opção para ela sair do Brasil, porém não teve outra escolha porque angústia da família no início desse ano era muito grande, ao ponto de os familiares não dormirem, não comerem e nem trabalharem direito. Viviam com medo da Polícia Federal bater na porta e a levar para o cumprimento da sentença de 14 anos de prisão. Detalhe: junto com a massa carcerária, onde mulheres violentas cumprem penas pelos seus crimes.

“E eu entendo muito bem, apesar de não ser afetada da mesma forma que os meus familiares. Sou forte e acredito que esse momento passará, por ser uma questão política e não criminal”, diz a patriota.
“Primeiro eu fiquei sete meses presa em Brasília, no Colmeia, e agora tem sete meses que estou longe deles. Desde o 8 de janeiro de 2023, nós estivemos juntos apenas cinco meses”, calcula Jupira. Ela está na Argentina, mas coração dela continua com a sua família.
Diante de tantas dificuldades e custos gerados pela prisão, o marido de Jupira, o José Rodrigues, voltou a trabalhar para fazer frente a todas as despesas. As crianças de Priscila, antes cuidadas pela avó, agora são cuidadas pela irmã adotiva Naiane. Esse rearranjo foi necessário para que a vida seguisse sem a presença marcante da cuidadora Jupira.
O transtorno causado pelo fato de ter ido a Brasília numa manifestação pacífica e ordeira, equivalente ao que acontecia em frente a dezenas de quarteis no Brasil inteiro, rendeu problemas até para a sua família de origem. O inventário da mãe de Jupira foi trancado e seus irmãos não conseguem dar andamento à partilha dos imóveis deixados pela matriarca.
SETE MESES FORA DO BRASIL
O Uruguai foi o primeiro país onde Jupira foi, porém tem um custo de vida muito alto e a Argentina se tornou mais atrativa por ter mais brasileiros. Inicialmente foi para o exílio com uma das filhas, que hoje tem 16 anos. Foram presas juntas dentro do Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro, quando se refugiaram do ataque da polícia contra os manifestantes. Eram bombas de efeito moral e de lacrimogênio, além de tiros com balas de borracha que feriam, faziam sangrar as pessoas. O risco era grande.

Mãe e filha foram separadas em Brasília: Jupira foi levada ao presídio e a adolescente para a delegacia de polícia. Ambas foram algemadas e a jovem relatou a posterior que permaneceu em cela úmida até que um familiar veio de Minas Gerais buscá-la.
A adolescente foi condenada no início do ano e, diante das dificuldades de viver no exílio com a mãe, retornou para o Brasil e está em casa. Por decisão do Superior Tribunal Federal cumpre medidas socioeducativas e presta serviços comunitários, além de ir a sessões com psicólogos e assistentes sociais.

“Toda essa história um dia terá fim. Fui educada por um pai militar e criada para obedecer e nunca fiz nada à margem da lei. Quando fui presa no Colmeia, comia aquela comida horrível e procurava me manter em bom estado emocional, porque entendia que precisava sobreviver e voltar para a minha família. Então preparei minha mente e meu psicológico e me dediquei a ajudar as outras mulheres dentro da prisão”, conclui Jupira.
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