
Ana Maria Cemin – 09/08/2025
Meu nome é Mônica Murca Neris Sodré. Tenho 38 anos. Sou casada com o Sílvio — o Alemão — há 25 anos. Juntos, construímos uma família com três filhas: Beatriz, de 24 anos; Rebeca, de 20; e Esther, de 12. Hoje, só a Esther está comigo aqui na Argentina, vivendo esse exílio que nunca imaginei enfrentar. Meu marido também está comigo. Ele foi o único homem que permaneceu todos os dias na porta do Presídio Colmeia, de 8 de janeiro a 9 de agosto de 2023, quando eu saí. Foram sete meses de dor, silêncio e resistência.

Ele não pôde me visitar, nem virtualmente, porque não tomou a vacina — exigida até para chamadas online. Eu fiquei isolada, sem ver minha família, falando apenas com os advogados duas vezes por semana. Enquanto isso, o Alemão vendia tudo o que tínhamos para manter a casa e continuar ali, perto de mim. Nossa empresa de ferro-velho foi se desfazendo, e ele virou motorista de aplicativo em Brasília. Quando voltamos para Campinas, sem nada, ele seguiu como Uber. E eu, com medo, reclusa, tentando entender como recomeçar.
Sou de Campinas, São Paulo. Desde o primeiro dia da eleição de Lula até o dia 5 de janeiro de 2023, fiquei no meu QG, cozinhando para os patriotas. Muita gente não me conhece, mas conhece o meu tempero. Nos fins de semana, eu preparava cerca de 500 marmitas. Cozinhava com amor, com fé, com a ajuda da Crisleide — que também acabou presa por ir a Brasília.
Fui condenada a 14 anos de prisão. Cumpri sete meses no presídio, depois fui levada ao CIME, onde colocaram uma tornozeleira eletrônica. Passei nove meses em casa, monitorada, proibida de sair aos fins de semana. Tentei recomeçar. Consegui trabalho com uma ex-patroa, cuidando dela e do marido, dois idosos. Mas o medo era constante. Cada vez que o portão batia, minhas filhas choravam, achando que era a polícia. A gente acompanhava as prisões, e o pavor tomava conta.
No dia do meu aniversário, em março de 2024, saiu minha condenação definitiva. Foi quando minha família começou a me convencer de que eu precisava sair do país. Eu não queria. Nunca pensei em fugir. Mas o Alemão dizia que o ministro Alexandre de Moraes estava mandando prender todo mundo do 8 de janeiro. Ele parou de vir para casa, dizendo que não suportaria me ver presa de novo. E eu entendi. A dor dele era a minha.

Decidi partir. Mas o preço foi alto. Minha filha Rebeca estava com o casamento marcado. Eu não pude estar presente. Acompanhei tudo por videochamada, com o coração em pedaços. Logo depois, ela teve uma filha — minha neta Alice. E eu também não estava lá. Este ano, fizemos uma rifa. Minhas filhas venderam para os amigos, juntaram dinheiro e vieram de carro com meu genro para que eu pudesse conhecer minha neta. Ela completou um ano este mês. Quando a peguei no colo, senti uma alegria imensa. Dizem que o amor por netos é dobrado. E é verdade. Mas também é verdade que, depois da visita, a saudade se multiplicou. A vontade de voltar para casa ficou quase insuportável.

Aqui na Argentina, tento recomeçar. Faço pães de mel e trufas — pão de mel brasileiro mesmo. Um patriota vende, e isso ajuda a mim e a ele. Criei um Instagram: Dulces Brasileiro. É minha forma de resistir, de continuar. Meu marido agora trabalha como pedreiro. No Brasil, ele era empresário. Aqui, é guerreiro ao meu lado.
A Esther estuda, mas eu não participo de nada na escola. Meu nome está na lista de extradição. Como o presidente argentino ainda não se pronunciou, eu não saio de casa. Vivo entre quatro paredes, com o coração preso ao Brasil e os olhos voltados para a esperança.
Eu sou uma mulher honrada. Trabalhadora. Nunca fiz mal a ninguém. Mas fui punida por pensar diferente. Minha família foi dividida pelo arbítrio de um Estado que não aceita opinião contrária. Um Estado que persegue manifestantes de direita como se fossem criminosos. Não quero vingança. Quero justiça. Quero voltar para casa. Quero abraçar minhas filhas sem medo. Quero viver sem tornozeleiras, sem exílio, sem silêncio. Peço a Deus que essa prova termine. Que o Brasil volte a ser terra de todos. Que a saudade vire reencontro. Que a dor vire memória. E que a liberdade volte a ter sabor — como o tempero que eu nunca deixei de espalhar
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