Ana Maria Cemin – 01/02/2025
A opinião é unânime: Maria do Carmo da Silva, 62 anos, não resistirá se for levada pela terceira vez para um presídio, por estar num prédio público no dia 8 de janeiro com uma Bíblia nas mãos.
Nos depoimentos que seguem, Maria do Carmo é descrita como uma mulher muito frágil, tanto física quanto mentalmente. As colegas de cela e Colmeia contam que ela sofreu muito na prisão, apresentando comportamento suicida e depressivo.
Recusava-se a comer, tomar banho e levantar do colchão. Pedia remédio para dormir para várias colegas de cela e usava altas doses na tentativa de eliminar a vida.
1. Depoimento da presa política Luciana Di Palma
“Ela ficou na minha cela – Delta 18 – no Presídio Colmeia. Lembro até que ela fez uma cartinha com a informação de que ela sentia muita dor no peito. Ela tentou suicídio na nossa cela várias vezes em 2023 quando estávamos presas. Várias vezes eu briguei com ela e acabei discutindo com as outras presas porque ela choramingava com todas pedindo remédio para dormir. As pessoas davam e ela usava uma superdosagem para se matar. Ela não queria comer, não queria tomar banho, não queria levantar do colchão. Ela deu muito trabalho para nós que gostávamos e cuidávamos dela na cela. Era comum ela repetir sempre a mesma coisa. Eu entendo que ela já sofreu muito na prisão, e a Maria do Carmo estava muito doente dentro do presídio. Ficava acordada a noite inteira, gritava e arrumava confusão. O meu medo é que ela, ao ser presa novamente, venha a cometer suicídio, porque a gente sabe que ela bate a cabeça com força na parede. Eu não sei quando ela adoeceu, mas ela teve uma carreira de professora muito linda, deu aulas até para população indígena e era uma mulher muito inteligente. Lá dentro, tínhamos a impressão de que ela estava pronta para morrer, porque não aceitava a prisão por não ter feito nada de errado. Na cabeça dela não entrava tamanha injustiça, até por ser uma mulher muito bem-informada e sabia das inúmeras manifestações da esquerda nas quais os participantes promoveram quebradeira e sequer foram indiciados.”
2. Depoimento da presa política Fátima Prearo Corrêa
“Eu fiquei com a Maria do Carmo em três alas no Presídio Colmeia: Alfa, Bravo e Delta. Quando fomos para a Alfa, ficamos no mesmo quarto e ela dormia na parte de baixo do beliche. Era comum ela repetir frases e lembro que não gostava muito de tomar banho. Eu comecei a perceber que ela tinha problema por que a cada dia que passavávamos lá dentro a situação emocional dela agravava. Quando a gente saiu da Alfa e retornamos para a Delta, a Maria do Carmo foi para um quarto com outra mulher que apresentava problemas mentais, a Joanita, e não demorou para as duas serem transferidas para a ala psiquiátrica. Ela já apresentava sinais de transtorno e vivia atrás de medicamento para dormir, acredito que fazia isso para esquecer que estava presa naquele lugar. Como ela pedia para as colegas de prisão, e elas davam, isso virou uma briga minha lá dentro, porque eu não queria que ela usasse medicação daquela forma. Recordo que na época ela ainda tinha mãe viva, porém faleceu quando ela estava presa. A advogada não contou para a Maria do Carmo por saber da sua fragilidade emocional. Ela costumava chorar como criança mesmo, reclamava que ninguém falava sobre a situação da mãe. A atitude dela era de fato de uma criança querendo a sua mãe (choro da entrevistada). Lá dentro, eu cuidei dela como se fosse a minha filha. Obrigava ela a comer (o que era comível da marmita) e a lavar-se, mas lembro que ela ficou até dez dias sem tomar banho. O que guardo de lembrança dela é a voz linda, de rouxinol, muito afinada.”
3. Depoimento de Fabiana Sanches do Prado
“Convivi 60 dias com Maria do Carmo, uma pessoa de bom coração. Entrou no Palácio do Planalto para se proteger, não tocou em nada. Foi até professora universitária. Lembro que ela gostava de escrever e estava desenvolvendo um curso na internet. Lá dentro do presídio a ansiedade judiou muito dela, sofreu demais, sempre preocupada com a família, com os netos que moravam com ela. Estou arrasada em saber que ela voltará ao presídio.”
4. Depoimento da presa política Lucenir Bernardes da Silva
“Uma mãe, uma avó, uma professora inteligentíssima, que tive o imenso prazer de conhecer naquela circunstância (prisão do Presídio Colmeia pela manifestação do 8 de janeiro). Uma pessoa maravilhosa que levo no meu coração. Quando essa perseguição acabar, quero revê-la, abraçá-la e dar muita risada. Quero ver o sorriso dela estampado em seu rosto. Quando eu olhava para ela, com aquela pele cansada da idade, lembrava a minha mãe. A Maria do Carmo é uma senhora espetacular e amável. Sinto muita saudade dela.”
5. Depoimento da presa política S. A. O.
“Estive presa com a Maria do Carmo em dois presídios diferentes. Na primeira vez foi em Brasília, onde ficamos dois meses presas na mesma cela junto com outras presas políticas. Ela tinha crises de choro, tomava excesso de remédios na tentativa de suicídio, além de fazer greve de fome de cinco dias. Pedia remédios para as colegas de ala afirmando estar doente e tomava tudo de uma vez só, escondido das colegas de quarto. Nossa segunda experiência de prisão foi em Nortelândia, MT, quando ficamos juntas por 20 dias até ela sair para cumprir a prisão em casa. Lá não foi diferente. Ela conseguiu autorização para ir ao médico psiquiatra em Cuiabá e quando voltou para a cela vi que estava com um galo enorme na cabeça. Ela me contou que ficou nervosa por ficar esperando pelo atendimento no corró, um lugar todo sujo com cheiro de fezes, então ela começou a bater várias vezes a cabeça na parede. A cabeça ficou toda roxa, mas a preocupação dela basicamente era de que as filhas delas iriam ver ela daquele jeito e ficariam preocupadas. Eu a questionei sobre a atitude e ela revelou que não consegue conter esses impulsos de autoagressão. Também presenciei momentos em que ela discutia com as pessoas dentro do presídio por não conseguir aceitar as regras, porque ela entendia que não tinha que estar lá por não ter cometido qualquer crime. Ela repetia o tempo todo que ela estava na manifestação com uma Bíblia na mão. Dias antes dela sair para a prisão domiciliar, eu estava na cama e ouvi um barulho no banheiro. Quando vi, a Maria do Carmo estava saindo com um pano na cabeça e depois ela me falou que tinha batido novamente a cabeça na parede. Foi então que ela me disse que se não saísse do presídio até o dia 30.07.2024 ela iria se matar lá dentro. A gente percebe claramente que ela não tem condições de estar presa por não ter saúde mental, não tem quem cuide dela adequadamente na estrutura prisional. Eu percebi que ela tem coragem de tirar a própria vida e é triste ver uma mulher que trabalhou a vida inteira para criar os filhos com dignidade terminar dessa forma. Me dói o coração, porque a vejo como uma lutadora, uma pessoa honrada. Ela pode ter falhas, como todos nós, mas ela foi para Brasília expressar a sua opinião sobre a pátria livre e justa que ela queria para a sua família. Todos nós fomos com esse intuito e não depredamos nada, nem participamos de movimento agressivo”.
6. Depoimento da presa política Fabíola Rocha da Silva
“Quando estávamos no presídio, Maria do Carmo fez um bilhetinho e deixou na minha cama. Ela tinha essas atitudes de carinho, uma pessoa amorosa. Eu guardo até hoje essa recordação.”
7. Depoimento da presa política Tatiane Marques
“Tenho certeza de que se ela voltar para a prisão vai enlouquecer lá dentro. Quando estávamos no Colmeia me lembro dela no banho de sol. Não era da minha ala, mas nunca mais vou esquecer da sua fisionomia: frágil, muito frágil. Não só fisicamente, mas mentalmente. Ela vai ficar louca.”
8. Depoimento da presa política Jeniffer Martins
“Ela tem depressão, era difícil fazê-la comer. Falava sempre que iria se matar.”
9. Depoimento da presa política Sintya Erthal
“Lembro que ela gostava muito de cantar louvores.”
10. Depoimento da presa política Elynne Lima
“É uma senhora muito frágil. Não tem a mínima condição de ficar naquele inferno.”
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