Memorial Técnico-Jurídico
Destinatário: Bancada do Partido Liberal (PL)
Sumário
- Introdução
- Supressão do Inciso V do Art. 2º do texto original do PL 2.162/2023
- 2.1 Fundamentação jurídica objetiva
- 2.2 Redação sugerida para destaque
- 2.3 Texto sugerido para justificativa do destaque
- Ajustes no cálculo das penas (Título XII do Código Penal)
- 3.1 Redução obrigatória para réus sem liderança ou financiamento (art. 359-V)
- 3.2 Previsão de “mesmo contexto” entre 359-L e 359-M
- 3.3 Redução adicional para réus primários sem antecedentes
- 3.4 Possibilidade de aplicação direta do regime aberto
- Detração e monitoração eletrônica – Inquéritos 4.921/DF e 4.922/DF
- 4.1 Inclusão expressa na Lei de Execução Penal (art. 126 da LEP)
- Multas: tema ausente no substitutivo e que não pode ficar de fora
- 5.1 Situação atual das multas
- 5.2 Proposta de individualização da responsabilidade patrimonial
- Extensão do regime semiaberto domiciliar
- Conclusão
1. Introdução
O presente Memorial apresenta contribuições técnico-jurídicas pontuais ao substitutivo do Projeto de Lei nº 2.162/2023, com o objetivo de:
- corrigir desproporções na aplicação das penas;
- assegurar tratamento isonômico entre réus em situação equivalente;
- adequar o texto à proporcionalidade e à individualização da pena;
- evitar novas distorções interpretativas na aplicação do Título XII do Código Penal.
As propostas aqui formuladas não têm caráter de anistia ampla, nem afastam a responsabilização penal. Buscam apenas aprimorar tecnicamente o substitutivo, para que produza efeitos justos, racionais e juridicamente sustentáveis.
2. Supressão do Inciso V do Art. 2º do texto original do PL 2.162/2023
O inciso V do art. 2º do texto original do Projeto de Lei nº 2.162/2023 (de autoria do Deputado Marcelo Crivella) cria uma distinção que, na prática, exclui agentes de segurança pública — policiais civis, militares e federais — da possibilidade de redução de pena, ainda que:
- não tenham exercido liderança;
- não tenham financiado os atos;
- não tenham organizado manifestações;
- não tenham praticado vandalismo;
- limitavam-se a cumprir deveres funcionais inerentes ao cargo, e não a participar dos atos.
Essa restrição torna inviável a aplicação da redução prevista no art. 359-V justamente a réus como o Coronel Naime, o ex-ministro Anderson Torres e outros policiais que atuaram em contexto de serviço público, e não como manifestantes.
2.1 Fundamentação jurídica objetiva
- Violação ao princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF)
Não há justificativa jurídica para tratar policiais de forma mais gravosa do que civis em situação semelhante, sobretudo quando não há atuação autônoma em atos de liderança, financiamento ou vandalismo. - Policiais não foram “manifestantes”, mas servidores em serviço
Em inúmeros casos, a atuação dos agentes de segurança se deu por escala de serviço, ordem superior ou dever funcional. Impedir qualquer redução de pena a quem estava trabalhando é desproporcional e rompe a lógica de responsabilização individual. - Contradição com o espírito do substitutivo
O substitutivo se fundamenta na ideia de pacificação nacional, correção de excessos e proporcionalidade. Excluir policiais, como categoria, dos benefícios legais cria um novo excesso, em sentido oposto ao objetivo declarado. - Interpretação extensiva de tipos penais do Título XII em relação a policiais
Em vários casos, os tipos do Título XII foram aplicados a policiais por interpretação extensiva. Diante dessa controvérsia, negar-lhes por completo a redução de pena agrava ainda mais a desproporção. - Retroatividade da lei penal benéfica e igualdade na aplicação da lei
A lei penal mais benéfica deve alcançar todos os réus, sem distinção fundada em profissão ou função pública, sob pena de violação à igualdade material.
2.2 Redação sugerida para destaque
“Suprimir o inciso V do art. 2º do Projeto de Lei nº 2.162/2023 (texto original), de modo a assegurar que agentes de segurança pública submetidos aos tipos penais do Título XII recebam os mesmos benefícios de redução de pena previstos para os demais réus, em respeito aos princípios da proporcionalidade e da isonomia.”
2.3 Texto sugerido para justificativa do destaque
“Agentes de segurança pública como o Coronel Naime, o ex-ministro Anderson Torres e diversos policiais federais e militares não podem ser excluídos do benefício, pois não participaram dos atos como manifestantes, não financiaram, não organizaram e tampouco exerceram liderança. Estavam em serviço, cumprindo determinações hierárquicas. A manutenção do inciso V penaliza injustamente servidores públicos que apenas cumpriam o dever legal, violando a proporcionalidade e a isonomia.”
3. Ajustes no cálculo das penas (Título XII do Código Penal)
3.1 Redução obrigatória para réus sem liderança ou financiamento (art. 359-V)
O substitutivo prevê redução de 1/3 a 2/3 (art. 359-V), mas deixa margem para grande variação de critérios entre julgadores. Sugere-se tornar obrigatório o patamar máximo (2/3) para réus que:
- não romperam patrimônio público;
- não ingressaram em áreas restritas;
- não praticaram violência;
- não financiaram atos;
- não organizaram;
- não lideraram.
Texto sugerido:
“Art. 359-V – (…) A pena será reduzida em dois terços (2/3) quando o agente não tiver praticado atos de financiamento, liderança, organização, invasão de áreas restritas ou dano ao patrimônio público.”
Justificativa: a imensa maioria foi criminalizada sem individualização de conduta relevante; a pena deve refletir a baixa ofensividade individual.
3.2 Previsão de “mesmo contexto” entre 359-L e 359-M
Ainda que o substitutivo já caminhe para vedar a cumulação, é recomendável explicitar, em texto legal, que não existe desígnio autônomo quando as condutas decorrerem de uma mesma manifestação política coletiva, evitando alegações posteriores de autonomia de desígnios.
Texto sugerido:
“Considerar-se-á ausente desígnio autônomo quando as condutas previstas neste Capítulo decorrerem de uma mesma manifestação política coletiva.”
3.3 Redução adicional para réus primários sem antecedentes
Sugere-se prever atenuação específica para quem:
- é primário;
- possui ocupação lícita;
- nunca respondeu a crimes violentos;
- não possui antecedentes criminais.
Redutor sugerido: redução extra de 1/6 a 1/3, cumulável com a redução do art. 359-V.
3.4 Possibilidade de aplicação direta do regime aberto
Para casos em que a pena final seja igual ou inferior a 4 anos, recomenda-se prever expressamente que o juiz poderá:
- aplicar regime aberto, ou
- aplicar suspensão condicional da pena, com condições alternativas (estudo, curso, comparecimento periódico, trabalho comunitário etc.).
4. Detração e monitoração eletrônica – Inquéritos 4.921/DF e 4.922/DF
Os réus dos Inquéritos 4.921/DF e 4.922/DF vêm sendo submetidos, por longos períodos, a monitoração eletrônica com restrições severas, incluindo recolhimento noturno e limitações de locomoção, sem que tal tempo esteja sendo considerado para fins de detração e remição.
Trata-se de restrição real de liberdade, cuja não contagem:
- viola o princípio da proporcionalidade;
- gera bis in idem (o mesmo período de restrição é “cobrado” duas vezes);
- cria uma situação de execução de pena “camuflada”, sem reconhecimento formal.
4.1 Inclusão expressa na Lei de Execução Penal (art. 126 da LEP)
Texto sugerido:
“O tempo de cumprimento de restrição de liberdade com monitoração eletrônica, ainda que não configurado como prisão domiciliar humanitária, será computado para fins de detração e remição da pena.”
Dispositivo transitório para os Inquéritos 4.921/DF e 4.922/DF
Texto sugerido:
“Art. X (transitório). Para os processos relacionados aos fatos investigados nos Inquéritos 4.921/DF e 4.922/DF, todo o período de medidas cautelares restritivas de liberdade com monitoração eletrônica e recolhimento domiciliar noturno deverá ser integralmente considerado para fins de detração, progressão de regime e cálculo de pena.”
5. Multas: tema ausente no substitutivo e que não pode ficar de fora
O substitutivo apresentado pelo relator não aborda a questão das multas fixadas em valores muito elevados nos Inquéritos 4.921/DF e 4.922/DF.
Esse tema não pode ficar de fora, pois as multas e indenizações fixadas de forma solidária e genérica atingem praticamente todos os réus, ainda que não haja prova de que tenham praticado qualquer ato de vandalismo ou dano direto ao patrimônio público.
5.1 Situação atual das multas
- Inquérito 4922
- Multa individual: R$ 50.600,00
- Multa coletiva (solidária): R$ 30 milhões
- Inquérito 4921
- Multa individual: R$ 15.180,00
- Multa coletiva (solidária): R$ 5 milhões
A forma como essas multas estão sendo aplicadas ignora a responsabilidade individual e transfere ônus patrimonial desproporcional a pessoas que não participaram de depredação alguma.
5.2 Proposta de individualização da responsabilidade patrimonial
Texto legislativo sugerido:
“A indenização ou multa decorrente de dano ao patrimônio público será aplicada exclusivamente ao agente que tiver praticado o ato de depredação comprovado nos autos.”
Efeito esperado: praticamente 99% dos réus e apenados deixariam de ser alcançados por multas que hoje são desproporcionais e incompatíveis com a sua conduta individual.
6. Extensão do regime semiaberto domiciliar
A nova resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prevê que quem comprovar trabalho pode cumprir a pena em regime semiaberto em casa (semiaberto domiciliar).
Sugere-se estender essa possibilidade também a:
- mães de menores de 12 anos, que comprovem essa condição e dependência;
- pessoas portadoras de doenças graves, mediante comprovação médica idônea.
Essa medida é coerente com:
- a proteção integral da criança e do adolescente (art. 227, CF);
- a dignidade da pessoa humana;
- a racionalização de vagas no sistema prisional;
- a redução de custos carcerários desnecessários.
7. Conclusão
As propostas aqui apresentadas:
- não afastam a responsabilização penal;
- não configuram anistia ampla;
- não eliminam a punição prevista no Título XII do Código Penal.
Elas visam:
- corrigir desproporções claras;
- assegurar isonomia, especialmente a agentes de segurança pública;
- adequar a resposta penal à conduta individual de cada réu;
- evitar que medidas cautelares rígidas e longas não sejam contabilizadas na pena;
- impedir que multas coletivas recaiam sobre quem não depredou patrimônio algum.
Solicita-se à Bancada do Partido Liberal (PL) a análise e o acolhimento dessas contribuições, na forma de destaques e emendas, em respeito aos princípios da proporcionalidade, isonomia, individualização da pena e segurança jurídica.
📍 Brasília, 9 de dezembro de 2025
✍️ Hélio Garcia Ortiz Junior — Advogado (OAB/DF 53.517, OAB/GO 54.556-A)
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