Ana Maria Cemin – 01/10/2024
Gildemar Lins Pimentel Júnior, 52 anos, é candidato a vereador em Duque de Caxias, RJ, mas não poderá votar neste domingo, porque é um tornozelado de 8 de janeiro. O Supremo Tribunal Federal não permite que qualquer preso político saia de casa aos finais de semana a não ser por uma emergência.
Pimentel passou de janeiro a março do ano passado no Presídio Papuda sem ter cometido qualquer crime, como quase todos que foram presos nos dias 8 e 9 de janeiro. É um homem esclarecido, militar da reserva, mecânico, comerciante e conta histórias com desenvoltura. É pai de duas meninas e parece desesperançoso com os rumos do Brasil. Foi voluntário na segurança de dois QGs de novembro a janeiro: na sua cidade e em Brasília. Tem dentro de si uma chama acesa de amor à pátria e me fala sobre solidariedade, bravura, respeito e cuidado com o cidadão.
Você confere o relato de Pimentel, sobre o 8 de janeiro, nas próximas linhas.
“A minha especialidade no CML do Rio de Janeiro, RJ, foi cuidar da segurança e organização da área. Nós chegamos a ter três acampamentos em frente ao quartel do Rio. Participei desde a montagem do primeiro e, em seguida, eu fiz uma base exclusiva só para os militares reservistas da Brigada Paraquedista. Depois montamos o segundo na outra extremidade do local, que ficou conhecido como o acampamento dos Fuzileiros Navais. Porém, acabei no terceiro que coordenei até o final. No Rio, tínhamos entre 400 e 500 pessoas em barracas, fora o pessoal que ficava em frente ao quartel e que voltava para as suas casas, sem acampar.
A primeira vez que fui ao QG de Brasília foi no período de 6 a 27 de dezembro, mas deixei tudo organizado na minha cidade para poderem me substituir na segurança e organização do acampamento que eu cuidava. Recebi esse convite para fortalecer o QG de Brasília e, como eu soube que muita gente da minha cidade tinha ido para lá, senti que eu seria fundamental nesse suporte. Precisavam de um de nós para cuidar deles e assumi esse compromisso.
A experiência no QG de Brasília foi muito bacana, fiquei conhecido por pessoas de outros estados e da capital do nosso País. Lá ajudei a montar as estruturas, além da segurança, isso porque venta e chove muito forte por lá, o que exige um reforço especial nas tendas. Também ajudei na distribuição dos alimentos e, quando a isso, eu sempre priorizava os que estavam acampados. Logo me deram o cargo de liderança e isso foi gratificante. Outra coisa que achei bacana foi ver que até as mulheres se prontificaram a fazer plantões de uma hora em frente às tendas, para garantir que não fossem tomadas por infiltrados. Elas pegaram junto na segurança e faziam a diferença. E, sim, nós pegamos muitos infiltrados rondando as nossas barracas, inclusive alguns se passando por federais.
SEQUESTRO DO CACIQUE E OPERAÇÃO NERO
Estive no QG de Brasília justamente no período em que o índio Sererê foi sequestrado, no dia 12 de dezembro, e acompanhei toda a movimentação dos índios no QG para resgatá-lo. Na minha opinião, pegaram o Sererê com más intenções, pois não agiram corretamente e quebraram vários protocolos, e só fracassaram porque os patriotas foram atrás, se revoltaram e lutaram para que ele fosse liberado. Não conseguiram e ele ficou preso durante longos meses.
Lembro a movimentação de advogados foi muito rápida em defesa do cacique. Penso que queriam outra coisa menos prender o cacique, porque quem o abordou estava à paisana, o carro não era oficial e nem usaram de protocolos legais, como já mencionei. Foi um sequestro mesmo.
Depois disso, a Polícia Federal prendeu muita gente, como o Átila de Melo, do Rio de Janeiro, simplesmente porque foi até a frente da sede da Polícia Federal e fez vídeos de lá xingando as autoridades, muito revoltado com a prisão de Sererê. A mesma coisa aconteceu com Klio Hirano e outros mais.
A operação de prisão desses patriotas foi chamada de Nero, porque alguém colocou fogo em carros e ônibus e fez quebradeira naquele 12 de dezembro. Porém, sabe-se que muitos infiltrados estavam no local e muitos saíram dos hotéis que cercam aquela região. Já estavam lá para isso. As investigações a respeito não avançaram e os três que citei ficaram presos por muito tempo e hoje usam tornozeleira eletrônica.
Naquele dia, desci com os índios do acampamento para a sede da Polícia Federal e fui dizendo para todos ficarem calmos, não fazerem bobagem. Fui junto porque eles foram até a barraca da segurança buscar ajuda e pediram para que fôssemos com eles buscar o Sererê. Aquela experiência nos mostrou que o governo atual queria cortar a força de nosso movimento, prendendo algumas pessoas que faziam a diferença entre nós. Klio estava sempre presente no QG de Brasília, era um exemplo a ser seguido e foi parar ainda em dezembro no Presídio Colmeia. Tenho a impressão de que querem dar um basta e colocar medo na população brasileira. Penso que em breve prenderão o Bolsonaro.
Quando o senador Magno Malta, senador Girão e deputado Van Hatten foram no ver nos presídios em Brasília, quem estava preso como eu sofreu retaliação do sistema. Atrasaram a liberação dos alvarás só para nos castigar, só pela presença dos legisladores entre nós, para ouvir as nossas reclamações. É assim que funciona o sistema.
MINHA SEGUNDA IDA A BRASÍLIA
Voltei para casa no final de ano e retornei a Brasília para a manifestação marcada para 9 de janeiro, numa segunda-feira, em ônibus da minha cidade. Foram 24 horas de estrada, junto com outros patriotas, como enfermeiras, professoras, advogados, militares da reserva e até um ilustre Coronel da PM. Chegamos cansados no QG e quando montávamos a estrutura, por volta das 12h30, apareceram pessoas nervosas, tensas, olhando para tudo quanto é lado e chamando para descer para a Praça dos Três Poderes ainda no dia 8. Estranhei, porque nunca foi assim. Em geral, tudo sempre foi muito pensado, discutido em grupos menores e compartilhado.
Foi então que ouvi alguém me chamando pelo meu nome de reservista e logo vi que não era um patriota. Se aproximou e disse que levaria as pessoas para a praça. Eu não queria ir e ainda avisei as meninas e rapazes que estavam com ele para ficarem, pois não era certo, porque estávamos combinados para segunda-feira. No final, depois de um tempo, preocupado com todos desci também. Não antes de combinar com o pessoal da segurança o que precisava ser feito no QG. Era assim que funcionava. Com responsabilidade.
Desci por volta das 14h30 ou 15h, não sei exatamente, e o que vi ao chegar foi uma guerra, uma bagunça formada por muita gente. Fui direto ao centro da confusão para ajudar as pessoas que estavam passando mal, e lá tinha gente sangrando na cabeça por ter recebido tiro de borracha. Sai da praça só quando vi que não tinha mais ninguém para ajudar e voltei ao QG, que estava em alvoroço com muita gente indo embora, com tudo na mão, organizados para sair. Eu fiquei, porque tinha o meu pessoal por lá e não estava conseguindo localizar os que estavam faltando. O tumulto dispersou a gente, nos separou pela cidade, alguns se perderam, outros não conseguiram chegar e os apavorados nem voltaram para o QG.
PRISÃO AO AMANHECER DO DIA 9 DE JANEIRO
Quando acordei, ao amanhecer, eu queria ir ao banheiro e não me deixaram. Tudo estava cercado. Fui para a tenda da cozinha e confesso que não sabia o que fazer. Alguns que faziam segurança foram embora junto com o pessoal da ONG dos serviços médicos, mas eu fiquei para ajudar uma senhora com aparelho auditivo a desmontar a barraca e levar até o ônibus Ela chorava demais porque não tinha habilidade para arrumar tudo e chegar ao coletivo em uma hora que era exigência da Polícia Federal.
Nisso apareceu um outro idoso pedindo socorro para carregar suas coisas e um outro segurança me ajudou com os dois. Eu estava de mochila nas costas, mas meu amigo só tinha ido reforçar a ajuda dos idosos e pensava em voltar até a barraca para pegar a mochila. Não pode. Teve que entrar no ônibus sem nada! A polícia de choque nos mandou entrar no ônibus de qualquer jeito. “Vocês vão por bem ou vão por mal!”, disseram eles, exibindo suas armas e cacetetes.
MORTE E GENTE PASSANDO MAL NA ACADEMIA DA PF
Depois que saímos do QG, nós tivemos a horrível experiência de ficar horas como bichos enjaulados dentro dos ônibus, com pessoas precisando urinar, baixando a calcinha num canto, além de ficarmos sem comida ou água. Quando chegamos ao Ginásio da Polícia Federal não avisaram para muitas pessoas que deveriam descer com as suas bagagens então pensaram que voltariam aos ônibus e perderam tudo. Eu desci com tudo do ônibus.
COISAS TERRÍVEIS ACONTECERAM NO GINÁSIO
Foi um alívio chegar no Ginásio da Polícia Federal, mas lá a coisa não ficou menos grave. Vi coisas terríveis acontecendo, como uma mulher que morreu e foi levada numa maca para o hospital. E o mais incrível é que esta morte não chegou ao público, não foi divulgada. Sei também que teve gente que cortou os pulsos, mas confesso que muita coisa eu não vi. Era muita gente passando mal, tendo ataques, convulsões e eu ficava estarrecido com o que via.
Eu sou preparado para a vida e para a guerra, mas em mim causou revolta viver tanta injustiça, ao ponto de atingir os nossos corpos e as nossas almas. Eu que fazia a segurança do QG da minha cidade e, depois, na capital federal, me encontrava impotente e isso teve um impacto muito grande. Eu queria dizer para todos ficarem calmos, que tudo aquilo iria passar, mas não tinha como porque eram milhares de pessoas.
De lá, nós, homens, fomos levados para o Presídio Papuda, onde a pressão não foi diferente: todos os dias um pai de família chorava de saudades da esposa e da filha pequena e, como tenho sono leve, acordava com os soluços. O tempo todo vivenciamos pessoas no limite, despreparadas para receber do governo um castigo tão grande sem que fossem criminosos. São pais de família, trabalhadores honestos, idôneos, avôs ou simplesmente pessoas normais. Lembro que um capitão do exército, da reserva, que repetia sempre a mesma pergunta e outro, um sargento, que tinha seus momentos de paralisação, de ausência. Todos afetados por um estado de exceção. Foi triste assistir essas cenas.
SEM MÉDICO, MEDICAÇÕES E ALIMENTAÇÃO HORRÍVEL
Presenciei um caso de um rapaz da cela ao lado, com 26 anos, que dormiu e acordou se contorcendo, totalmente descompensado. Ele foi levado para o coró (uma espécie de gaiola onde deixam os presos antes de serem encaminhados para alguma consulta via SAMU), pois não tínhamos médicos por lá. E coisa acontecia assim: só quando o SAMU chegava, sabe-se lá a que hora, o patriota era algemado e levado para um hospital, onde era dado somente o atendimento de urgência. Nada mais.
Aliás, não tínhamos remédios a não ser aqueles patriotas que tinham receitas e os seus advogados mandavam, se conseguiam. Ou seja, os patriotas presos são medicados pelo SAMU e somente em estado de emergência (grave). Caso contrário, ficávamos com as dores, o mal-estar, a febre e o que mais aparecesse lá dentro. Por duas vezes tive a garganta inflamada, fechada mesmo, e curei com água, só água, e exercício para suar o corpo. Isso que na minha mochila eu tinha os meus remédios para dor de garganta e para resfriado, mas a gente não tinha direito a pegar.
Me considero um homem preparado para muitas coisas, pela minha formação militar, mesmo assim perdi 10 kg no tempo em que fiquei no Presídio Papuda. A comida era horrível a ponto de causar problemas estomacais. Tudo era feito do jeito que saiu do campo: raiz, casca, caule, folhas e até sementes. O café da manhã não tinha; nos entregavam um achocolatado e um suco, além de um pão duro. O suco nós guardávamos para o almoço.
LUTAMOS CONTRA O CÂNCER QUE ASSOLA O BRASIL
Em Brasília, estávamos reivindicando um Brasil melhor, de forma ordeira e pacífica, mas fomos surpreendidos por acontecimentos que nos levaram ao pior do nosso País. Eu não iria me sentir tão mal se não tivesse convivido com tanta gente inocente em estado de sofrimento por injustiças.
Voltei para o trabalho na minha oficina mecânica e tive que lidar com problemas de aluguéis atrasados por conta de ter ficado preso de janeiro a março em Brasília, pelo simples fato de manifestar a minha opinião. As demais contas, como luz, água e telefone, por exemplo, os meus familiares pagaram. A minha vida ficou de cabeça para baixo e esse é o preço que a gente paga.
O que pude fazer pelo Brasil eu fiz e posso dizer que passei do meu limite. Fiz e faria tudo novamente, e sinto que cumpri a minha missão. Tudo que vivi no QG da capital do meu estado e em Brasília, fazendo a segurança dos QGs. Foi a minha entrega de serviço por um Brasil livre. Não sou uma pessoa da igreja, tenho minha fé e rezo de joelhos todos os dias, mas sei que muita gente como eu recebeu um chamado: nós sentimos que precisávamos nos unir, nos sensibilizamos e fomos aos QGs. Largamos as nossas vidas na esperança de construir um Brasil melhor para todos nós. Lá praticamos várias ações que nos comoviam, nos sentimos úteis e fazendo a diferença nesse mundo. Essa energia nos empolgou ao ponto de acreditarmos que poderíamos vencer o câncer que assola o Brasil.
A ideia de libertação e renovação do Brasil moveu muita gente e um caso específico, que mexeu comigo no acampamento, foi de uma mulher paraplégica que vinha todo dia na sua cadeira de rodas de muito longe, de ônibus, para estar conosco. Vinha sozinha na cadeirinha todo o santo dia. Imagino se a bateria descarregasse no meio do caminho, na volta, como ela ficaria. Mesmo nos dias de chuva, ela estava lá no QG, porque quem tem no coração o patriotismo tem a garra de ir em frente.
Isso não morreu dentro de mim, mas hoje convivo com a perda dos meus direitos normais de cidadão brasileiro. Estou limitado de todas as formas, sem ter cometido qualquer crime. E eu tenho filha para terminar de criar, não posso esquecer de meus compromissos. Mas a chama está acesa dentro do peito, trancada e a tendência, na minha opinião, é piorar. O mundo passa por um momento crítico, não é só o Brasil.
Existem muito mais coisas por trás de tudo isso e, se não fizermos algo, acabaremos escravos e sem alma.”
Eu Marco Sobrinho.
Apresentador do Podcast PAPO RETO-DUQUE DE CAXIAS-RJ.
Saúdo a todos que lutam pelo Bem Maior, que é, a Liberdade!
Verdadeiro patriota.Contine a lutar pelo nosso país