
DILEMA DOS RÉUS DO 8.01
Ana Maria Cemin – 11/08/2025
O governo atual, por meio do Supremo Tribunal Federal, se gaba por ter firmado mais de 500 Acordos de Não Persecução Penal (ANPP) com os manifestantes do 8 de janeiro. O que poucas pessoas entendem é que essa é a única alternativa para muitos casos, especialmente quando o ministro Alexandre de Moraes manda recolher novamente aos presídios por descumprimento das cautelares exigidas para a liberdade provisória.
Considere o seguinte: uma pessoa que está com tornozeleira eletrônica há mais de dois anos e meio, que não pode sair à noite, nem aos finais de semana, e ainda tem que assinar todas as segundas-feiras no Fórum, pode estar sem condições de trabalhar e se sustentar. Para o STF e o Ministério Público, pouco interessam esses aspectos humanos dos manifestantes do 8 de janeiro. Ou cumprem, ou vão para o cárcere, enquanto esperam, ao longo de anos, para entrar na pauta de julgamento — cuja sentença, muitas vezes, nem implica privação de liberdade.
Essa é a grande ironia dos casos de 8 de janeiro. Sem ter outro recurso, assinam o ANPP e assumem a culpa pelo “golpe” que o Governo Lula apresenta como prova conquistada pelo STF de que “aconteceu algo mais do que uma manifestação em 8 de janeiro de 2023”.
Entrevistei a Kelly Maria Silva de Espíndola, que já fechou o ANPP para duas manifestantes, acusadas de dois crimes, que romperam a tornozeleira e fugiram para a Argentina. Com isso, elas conseguiram voltar do exílio.
A entrevista ocorreu na mesma semana em que soube de três casos de manifestantes acusados de dois crimes que foram presos ou que tem prisão solicitada pelo Gabinete do Alexandre de Moraes. Perguntei para Dra Kelly sobre como pode ficar a situação de Marinaldo, atendido pela Defensoria Pública, cujo caso está em fase de alegações finais e tem decretada prisão; de Alexsandra, presa no último dia 22 de julho por descumprimento de cautelares; e de Paulo Jorge Gomes, recolhido ao cárcere desde 29 de julho e cujo processo está em fase de alegações finais.
O que se conclui é que, diante da conjuntura jurídica atual, o ANPP, previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal, é uma das principais ferramentas jurídicas nas mãos de advogados e defensores públicos.
📌 Confira a entrevista:
1 – Quando o ANPP pode ser aplicado?
O ANPP é uma solução negociada entre o Ministério Público e o acusado, que permite evitar o processo judicial mediante o cumprimento de condições. Ele pode ser proposto antes da denúncia ou mesmo após o início da ação penal, conforme entendimento recente do Supremo Tribunal Federal (STF). Para ser aplicado, é necessário que:
- O crime tenha pena mínima inferior a 4 anos;
- O réu não tenha condenações anteriores por crime doloso;
- O acusado confesse formal e circunstanciadamente o delito;
- O caso não envolva violência ou grave ameaça contra pessoa.
Nos casos dos atos de 8 de janeiro, o ANPP tem sido utilizado principalmente para acusados de:
- Incitação ao crime (art. 286 do Código Penal) – pena de até 6 meses;
- Associação criminosa simples (art. 288) – pena de 1 a 3 anos;
- Outros delitos sem violência ou dano qualificado.
Já não se aplica a quem foi denunciado por crimes como depredação de patrimônio público ou tentativa de golpe de Estado.
2 – Casos recentes: Paulo Jorge, Alexsandra e Marinaldo
Paulo Jorge Gomes e Alexsandra Aparecida da Silva, recolhidos recentemente aos presídios, podem pleitear o ANPP por serem acusados apenas de incitação ou associação criminosa simples. Mesmo que a denúncia já tenha sido recebida, o STF e o STJ admitem a proposta retroativa do acordo, desde que os requisitos sejam preenchidos.
Marinaldo Adriano Lima da Silva, que violou medidas cautelares ao remover a tornozeleira eletrônica, ainda pode solicitar o ANPP. A fuga e o não cumprimento das cautelares não impedem o acordo. É preciso que o advogado de defesa negocie com o Ministério Público, até mesmo pedindo a redução dos valores a serem pagos pelos réus, mediante comprovação de hipossuficiência. O MP exigirá:
- Confissão formal;
- Participação em aulas sobre democracia;
- Prestação de serviços comunitários;
- Pagamento de multa proporcional à renda.
Se o acordo for firmado e homologado pelo ministro relator, a prisão preventiva pode ser revogada e as medidas cautelares cessam, como o uso de tornozeleira durante todo o cumprimento das etapas do acordo.
3 – Como solicitar o ANPP?
O passo a passo para solicitar o acordo é:
- Análise técnica do caso para verificar se o réu se enquadra;
- Confissão formal documentada;
- Petição ao Ministério Público Federal (MPF) via site oficial, com assinatura digital;
- Negociação das condições por e-mail ou reunião virtual;
- Homologação judicial pelo STF;
- Cumprimento das obrigações e extinção da punibilidade.
4 – Estratégias jurídicas e alternativas
A principal estratégia para reverter a prisão é a homologação do próprio acordo. Para réus primários e sem envolvimento em atos violentos, o ANPP é considerado a via mais rápida e eficaz para evitar condenações.
Caso o Ministério Público recuse a proposta, a defesa pode:
- Recorrer ao ministro relator para avaliar a legalidade da recusa;
- Pleitear outras medidas despenalizadoras, como o sursis processual;
- Prosseguir com a defesa buscando absolvição ou desclassificação dos crimes.
5 – Anistia e revisão de penas
A possibilidade de anistia tem sido discutida no Congresso Nacional, mas depende de maioria parlamentar e sanção presidencial. Além disso, há espaço para revisão das penas por meio de recursos ou revisão criminal, especialmente em casos com provas frágeis.
A Dra. Kelly atua na Associação dos Familiares das Vítimas do 8 de Janeiro e relata que, entre outras atuações, a entidade tem desempenhado papel ativo na defesa dos envolvidos. Entre suas ações estão:
- Apoio jurídico e psicológico aos familiares;
- Articulação de pedidos coletivos de ANPP;
- Mobilização junto a parlamentares pela anistia;
- Denúncia de abusos processuais e violações de direitos humanos em instâncias nacionais e internacionais.
Leia esse caso:
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