Ana Maria Cemin – 13/10/2024
Com apenas 24 anos, Marcos Vinícius do Amaral Santos viveu experiências limites que brasileiro algum pode supor em sua vida: ser preso político por participar de uma manifestação. Até hoje usa tornozeleira de presidiário, mas dá graças a Deus que no dia seguinte que voltou do Presídio Papuda, onde ficou 69 dias trancado em cela, retomou a sua vida profissional.
“Eu trabalho prestando serviço para uma fornecedora de energia e faço medição de luz. Eu voltei ao trabalho e me adaptei às regras impostas pelo ministro Alexandre de Moraes, ou seja, aos sábados eu não posso mais trabalhar pela proibição de sair de casa”, conta Marcos Vinícius.
Ele trabalha na empresa há 6 anos e os proprietários compreenderam a situação. Isso comprova a idoneidade do Marcos e o respeito que tem no local de trabalho. Isso não é pouca coisa!
Considero importante saber o que o levou a Brasília, às manifestações. Isso vamos saber lendo o seu relato. Já adianto que a maturidade de Marcos Vinícius é surpreendente.
Eu nasci e resido em Mogi das Cruzes, SP.
Sou um preso político e atualmente estou utilizando uma tornozeleira eletrônica, depois de passar por dias no presídio.
No dia em que o Lula foi declarado vencedor das eleições, fiquei abalado e senti uma energia muito negativa. Em novembro, começamos a ir às ruas e eu fui diretamente para a Alesp, onde aconteciam os protestos.
Na minha cidade também havia manifestações, mas preferi ir direto ao “centro” das ações. Lembro-me de que muitos que estavam presentes eram pessoas com famílias, profissionais, cidadãos que nutrem um grande respeito e amor pelo país.
Cheguei à noite no QG da Alesp, por volta das 21h, em novembro, e percebi que era uma manifestação pacífica e organizada, sem desordem. Foi a primeira vez que participei de uma manifestação.
Nós mesmos limpávamos as ruas e eu ajudava nas barracas, servindo café e comida para as pessoas que passavam durante o dia, mesmo que algumas não fizessem parte do protesto, mas eram atendidas da mesma forma. Os alimentos eram preparados com muito carinho.
Com o passar do tempo, continuei indo várias vezes ao QG em frente à Alesp. Em janeiro, chegou o dia da posse do Lula, evento que eu esperava que não fosse acontecer. No entanto ocorreu e, para mim, foi mais um dia de luto; perdi as esperanças e fiquei abalado novamente.
Na primeira semana de janeiro, vi pelas redes sociais que uma nova manifestação estava sendo organizada. Após assistir aos militares prestando continência a uma pessoa que não considero como meu representante, senti indignação. Decidi, então, ir para Brasília em um ônibus que partiu de São Paulo para protestar pelo código-fonte.
Cheguei no dia 08/01, entre 15h30 e 16h, durante a manifestação, e percebi que havia pessoas que não estavam seguindo a proposta pacífica do movimento. Diferente do que ocorria em São Paulo, onde as manifestações eram organizadas e sem vandalismo. Permaneci ao lado de pessoas que não estavam depredando nada, pois já não havia mais nada a ser destruído, e esse nunca foi o objetivo da manifestação. Assim que cheguei, ouvi comentários sobre a presença de infiltrados.
Enquanto eu estava próximo ao Congresso, os policiais começaram a nos dispersar com bombas de gás lacrimogêneo e tiros de balas de borracha, disparando tanto no ar quanto no chão. Fui atingido por uma bala de borracha enquanto tentava socorrer uma senhora que estava sufocada pelo gás de pimenta. Nesse momento, deixei minha mochila de lado para ajudar a senhora, e quando tentei recuperá-la, já era tarde demais. Acabei perdendo meu celular, carteira e demais pertences que estavam dentro da mochila. Vale lembrar que, antes de entrar, fui revistado pelos policiais, que autorizaram minha entrada.
Eles conseguiram nos afastar, e eu decidi retornar ao QG ainda na noite do dia 08/01. Fui buscar uma forma de tratar a ferida causada pela bala de borracha, mas havia pessoas em situações piores que a minha. Por isso, resolvi improvisar um curativo e fui dormir, mesmo com toda a agitação que acontecia naquela noite.
Pela manhã, acordei bem cedo e vi muitas pessoas indo embora. Eu também queria ir, mas pensei: como poderia fazer isso sem dinheiro, identidade e celular? Decidi, então, permanecer lá até que a situação se acalmasse e eu e o pessoal que estava comigo pudéssemos partir em segurança.
Porém, aconteceu o que ninguém esperava: começaram a chegar os ônibus, e eu tive a sensação de que aquilo não era um bom sinal. Fomos informados de que seríamos levados de volta para o nosso estado, após uma triagem e nada mais.
Na Academia da Polícia Federal eu nem cheguei a entrar, pois tive a “sorte” de ser chamado logo nas primeiras vezes pelo delegado. Fui revistado mais de três vezes naquele dia. Nas duas primeiras, não pediram para abaixar as calças, mas na última, me trataram como se eu fosse um criminoso.
Fiquei bastante chateado, pois sempre tive um enorme respeito pela polícia e, inclusive, estava estudando para prestar o concurso da Polícia Militar de São Paulo. Naquele momento, eu estava muito desapontado.
Fui atendido por um delegado chamado Jacob, que me contou que havia sido convocado no dia 8 de janeiro, durante sua folga, para ir até Brasília. Após o ocorrido, nos permitiram fazer uma ligação para algum familiar ou advogado, e ele deu a ordem de prisão ao assinar a documentação necessária.
Tive a oportunidade de ligar para minha mãe, que, apesar de ter um posicionamento contrário ao meu, assim como quase toda a minha família, ficou extremamente preocupada. Eu não esperava, e muito menos minha mãe, que eu fosse preso por estar em uma manifestação.
Passei a segunda-feira inteira sem comer, sendo levado de uma sala para outra e passando por várias revistas. Depois, fui para uma sala de espera, onde havia idosos com mais de 70 anos. Eu não sabia quais eram os critérios, mas alguns foram liberados e eu permaneci com outros homens na mesma sala. Em seguida, fomos informados de que seríamos levados de camburão até o IML e, depois, para a Papuda. Eu não sabia do que se tratava, mas alguns que estavam no camburão me explicaram que era uma prisão de segurança máxima.
Ao chegar no IML e na Papuda, fui orientado a abaixar as calças novamente. Para mim, foi algo muito constrangedor, mas acabei fazendo contra a minha vontade.
Em toda a minha vida, nunca imaginei que seria preso por participar de uma manifestação. Praticamente nasci em uma entidade católica, que sempre valorizou princípios e valores que carrego comigo até hoje. Concluí o ensino médio e, apesar de não ser perfeito, sei diferenciar o certo do errado.
Levo comigo mais do que um posicionamento político; carrego a presença de Deus em minha vida. Hoje, sou um jovem que poderia ter seguido por caminhos errados, como roubar, matar, usar drogas ou me entregar ao álcool. Graças a Deus, me afastei desses vícios que ainda afligem a minha família. Sou um jovem que está rompendo o ciclo vicioso familiar e lutando pela minha liberdade e pela de todos os brasileiros.”
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