
Ana Maria Cemin – 21/02/2025
Desde 8 de janeiro de 2023 muita coisa mudou na vida dos manifestantes do Vale do Paraíba, SP, que foram a Brasília e o ápice dessa desgraça ocorreu em 24.01.2024, quando um deles, o patriota Giovanni Carlos dos Santos, 45 anos, morreu de acidente.
Impedido de atuar na sua área de trabalho pelas exigências dos ministros do Supremo Tribunal Federal, Giovanni começou a fazer “bicos” e num deles faleceu ao cair de uma altura de 7 metros. Podava uma árvore.
Naquela ocasião, o Núcleo Brasil em Evidência, um grupo solidário criado logo após as prisões em Brasília, se uniu para proporcionar um sepultamento digno a um brasileiro honrado que cumpriu a sua missão. Morreu trabalhando e não cometendo ato ilícito.

Atualmente o Núcleo Brasil em Evidência conta com 143 membros e atua em solidariedade aos presos políticos do Vale do Paraíba. Depois de mais de dois anos do fatídico 8 de janeiro, o grupo permanece com o seu propósito de buscar a justiça e liberdade.
No Vale do Paraíba, são três dezenas de patriotas que vivem até hoje a angústia da perseguição política, alguns amargam a dor e a distância da família.
DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – Aletheia Verusca Soares, Fabrício de Moura Gomes, Ulisses Freddi, Antônio Francisco Moreira, Wellington Ronaldo Costa, Messias Valério, Júlio Ricardo Alonso, Polyana Correa Ribeiro e Giovanni Carlos dos Santos.
DE TAUBATÉ – Felipe Rosa Marques, Marco Antônio Estevão, Marcos Vinicius do Amaral Santos, Letícia Santos Lima, Silvia Cristina Nunes de Castro e Paulo Capelete.
DA PINDAMONHANGABA – Renata Maria da Cruz, Marta Bastos Dias, Marcia Auxiliadora Ribeiro da Silva Rodolfo, Ana Cristina de Oliveira Lemos, Daniela Gonçalves Brandão, Magno José da Silva, Marcela Tatiane de Oliveira Santos e Gerson Aparecido Gomes
DE GUARATINGUETÁ – Marisa Fernandes Cardoso, Daego da Costa Santos de Souza e Citer Mitta Costa
DE CUNHA – João Batista Gama
DE JACAREÍ – Eliana Passos da Costa, Maria Helena Lourenço Passos e Alessandra Cristiane dos Santos.
E outros que vieram e foram no ônibus do Vale – Marcos Vanucci e Roney Duarte Botelho


“Tivemos outros patriotas que saíram do QG antes do dia amanhecer naquele 8 de janeiro e, embora não tenham passado pela triste cena de prisão, de ter que se despir e passar pela rotina de um criminoso encarcerado, também carregam as marcas que só o tempo poderá apagar. E nós, que estivemos do lado de fora dessa tragédia coletiva por não vivenciarmos a experiência em Brasília, também sentirmos a dor, o medo e a indignação de cada um deles. O Brasil sofreu e sofre a injustiça que ainda reina. Muitos brasileiros estão morrendo aos poucos pela incerteza, pela distância da família e pela falta de esperança de um novo amanhecer, no qual a justiça e a liberdade prevaleçam sobre a arrogância do poder. Somos filhos desta Pátria amada e por ela haveremos de estar de prontidão sempre”, comenta Nilza Rodrigues Novoli, integrante do Núcleo Brasil em Evidência.
Nilza é conhecida em São José dos Campos como Nick. Ela se sente impotente, como muitos brasileiros e tem na garganta um nó travado com aquela vontade imensa de gritar “Liberdade aos nossos patriotas!” e “Anistia Já!”.
O SURGIMENTO DO NÚCLEO
Naquele dia em que muitos brasileiros foram presos, os patriotas do Vale do Paraíba sabiam apenas da saída de dois ônibus: um do QG e outro de Pindamonhangaba. O fluxo de informação ficou escasso com a desmontagem do QG depois do 8 de janeiro e pelo medo que levou muitos a desfazerem grupos de WhatsApp.

Para descobrir quem tinha sido preso em Brasília foram disparados alguns convites e o grupo de apoio surgiu. O objetivo era prestar solidariedade aos presos e suas famílias.
“Recebemos as primeiras informações, fizemos as cotizações necessárias para ajudar os patriotas com as passagens de retorno. Conseguimos identificar 38 patriotas do Vale, sendo que alguns saíram antes dos registros na Academia da PF e outros foram liberados por comorbidades. Três dezenas de patriotas do Vale do Paraíba foram levados aos presídios; alguns saíram da prisão em 10 dias, outros em 3 meses e os demais ficaram até 7 meses presos”, relata Nick.
Os meses iniciais de trabalho solidário foram intensos e os primeiros presos políticos a voltar para casa foram os de São José dos Pinhais e Pindamonhangaba. Três meses depois saíram os patriotas de Taubaté, Pindamonhangaba, Guaratinguetá e Guarulhos e Campinas, estes últimos estavam no mesmo ônibus da região de Nick. Sete meses depois, chegaram em casa os quatro últimos manifestantes.

DURO RECOMEÇO
“O nosso grupo entendeu rapidamente a dificuldade de cada um no retorno, pelas restrições no ir e vir e por utilizarem uma tornozeleira eletrônica de bandido na perna. Tornou-se impossível trabalhar no período noturno ou em atividades que exijam viagens. Um deles perdeu muitos contratos por não poder cumprir os compromissos, outro teve o seu trailer de lanches pichado e foi impedido de trabalhar e, outros, ainda, tiveram renda comprometida pelas limitações de horário. Muitos dos presos eram mulheres e o retorno para casa não foi fácil, porque ficar longe dos filhos e do lar acabou por trazer cicatrizes profundas.
Toninho, por exemplo, morava e trabalhava numa marcenaria em nossa cidade e acabou perdendo o trabalho e o local de moradia. Este foi um dos casos mais complicados no momento da saída, porque tivemos pouco tempo antes o caso de Giovanni, que chegou sem casa para morar, sem moveis, sem nada. O nosso grupo fez uma grande mobilização e conseguiu montar a casa de Giovanni, mas quando Toninho saiu, seis semanas depois, estávamos um pouco desgastados e a demanda foi novamente grande: não tinha trabalho e moradia, e toda a sua família estava em Minas Gerais. A saída foi cadastrá-lo em Minas, porém o local para onde ele foi é zona rural e ele é obrigado a se deslocar todas as semanas 60 km para realizar a assinatura no fórum na cidade de Itanhandu, MG”, relata as dificuldades.

Nick conta que Wellington, conhecido como Pardal, perdeu muito do seu poder aquisitivo por não poder trabalhar à noite no seu próprio empreendimento, no ramo do entretenimento. Não só ele, mas também Fabrício, que tem um restaurante no litoral e o seu público-alvo frequenta o estabelecimento à noite. Messias, um corretor de imóveis, não pode sair da cidade e foi obrigado a fazer “bico” numa oficina mecânica. Júlio enfrentou momentos de muita angústia por estar distante da esposa em tratamento de câncer no período em que esteve preso em Brasília. Ulisses deixou os pais idosos, o que gerou uma série de preocupações e angústias, pois ele mesmo toma remédio controlado.

“São tantas pessoas a serem lembradas, como a professora Marisa que sofre assédio moral por parte dos alunos e até mesmo professores, sem contar que quase sofreu um acidente por estar usando a tornozeleira. O fio da tornozeleira enroscou no fio do carregador do notebook”, relembra.
Cita o casal Marcela e Geo, que foram presos e deixaram duas filhas em casa. Eles tiveram suas saídas em períodos diferentes o que causou muita apreensão e medo na família, sem contar que o Geo teve um problema sério de coluna dentro do Papuda. O casal teve o seu trailer de lanches pichado e depredado, o que os impediu de retornar ao trabalho.

“Temos outros casos, como o de jovens que descumpriram a cautelar. Posso citar o Felipe, que foi o que mais descumpriu as medidas cautelares por trabalhar com entregas de insumos para gado. E a explicação é simples: uma vez dentro do caminhão o destino das entregas ele não sabia ao certo. Márcio Antônio, um jovem que também acabou por descumprir as medidas em razão de trabalho; e o Marcos Vinicius, um jovem que tentou inclusive o suicídio diante do desespero da incerteza no ginásio. Esses patriotas foram para Brasília pacificamente para motivar o já desperto Brasil sobre a força que tem, a coragem e a determinação de construir um país melhor. Viver com a tornozeleira os tornou, aos olhos da sociedade, pessoas fora da curva social. No Brasil da injustiça, os valores invertidos passaram a ser normalidade. Ter em mãos uma Bíblia, terço e bandeira está sendo considerado crime”, desabada a patriota.
“Jamais esqueceremos a tortura sofrida pelos patriotas em Brasília e aquelas cenas que assistimos na TV, quando mais de 2 mil pessoas foram presas injustamente, tratadas pior que muitos criminosos. É uma cena horrenda na história mundial, quando foram conduzidas em ônibus lotados, num sol escaldante por horas, para depois serem jogados em um ginásio sem a mínima condição de higiene. Sem alimentação, sem água, sem direito a dignidade”, lamenta.




Publicar comentário