Ana Maria Cemin – 04/11/2024
Ontem escrevi sobre o pastor Shalom, que está com uma cardiopatia grave e permanece preso desde 8 de janeiro no Papuda, em Brasília. Logo que publiquei, comentaram que, no parecer de quem visita os presos no complexo penitenciário, o caso mais crítico, em termos de saúde, parecia ser o do Seu Jorginho. Então me dediquei a entender o caso dele também e compartilho com vocês.
Não se trata de descobrir qual está mais enfermo, mas mostrar que o 8 de janeiro faz inocentes pagarem um preço alto. Uma injustiça que jamais poderá ser reparada, em especial em se tratando da vida dos que foram e estão sendo prejudicados em sua saúde. Os documentos todos, sejam os que comprovam a inocência ou aqueles que comprovam a negligência do Estado, não desaparecerão. Portanto, a história cobrará.
Vamos à história do Seu Jorginho:
No próximo 8 de novembro, o agricultor Jorginho Cardoso de Azevedo, 63 anos, completará 22 meses de prisão em Brasília. Ele é morador da pequena cidade de São Miguel de Iguaçu, PR, e era plantador de soja até ser preso por fugir das bombas do 8 de janeiro, jogadas sobre os manifestantes na Praça dos Três Poderes. Seu erro foi abrigar-se dentro de um prédio da República (critério utilizado pelo Supremo Tribunal Federal para incriminar manifestantes).
Desde então, por ordem do atual governo e por ação do STF, o idoso tornou-se um brasileiro perigoso condenado a 16 anos e meio de prisão. Não importa se quando ele chegou no local os prédios estavam depredados. O simples fato de estar no prédio, mesmo por medo de ser agredido pelas bombas, foi o suficiente para ser incriminado pelo estado brasileiro.
O fato é que Jorginho não esteve em nenhum momento no acampamento do QGEx e chegou na Praça dos Três Poderes por volta das 18h50, conforme consta em seu aparelho telefônico, anexado aos autos pela perícia da Polícia Federal. Nesse horário, as depredações tinham acabado há muito.
QUEM É JORGINHO?
Casado há 40 anos com Marilei Niero de Azevedo, 62 anos, com que teve três filhos, Jorginho sempre foi um homem do trabalho na agricultura, produzindo milho, fumo e soja. Hoje as terras estão arrendadas para os dois filhos e o genro, que tocam a produção, seguindo a tradição da família.
“Fui visitar o meu marido em outubro em Brasília, achei que ele está muito mal. Parecia dopado. Ele só repetia que quer vir para casa, não quer ficar lá no Papuda. Desde a semana passada, ele foi transferido para o Centro de Internamento e Reeducação (CIR) e acho que ele não está trabalhando. Isso não é bom. Antes ele estava trabalhando no restaurante dos agentes penitenciários, então ele se ocupava. Jorginho é um homem que trabalha muito, não pode ficar parado, porque ele tem depressão e ansiedade”, relata Marilei, muito preocupada.
“Meu marido nunca foi de política, então não sei o que deu nele de ir a Brasília. Até porque ele sempre foi uma pessoa doente, com problemas de estômago, que resultou em cirurgia, além de problemas na coluna que resultou na colocação de oito pinos”, conta a mulher, que depois de tanto tempo de espera pelo retorno do marido diz estar desanimada.
No local onde Jorginho está preso, o CIR, tem outros três patriotas idosos, condenados pelo 8 de janeiro, cumprindo prisão em regime fechado: Miguel Cândido da Silva, 73 anos, cumprindo pena de 13 anos e meio; João Batista de Castro, 68 anos, com pena de 14 anos; e Jamildo Bomfim de Jesus, 62 anos, com pena de 14 anos.
TENTATIVA DE SUICÍDIO
Em novembro do ano passado, ao saber da condenação a 16 anos e meio de prisão, Jorginho teve um surto. O fato afetou os demais detentos e o assunto saiu do presídio tornando-se público.
“Hoje foi tenso na cela. Um senhor chamado Jorginho Cardoso que tem 62 anos, agricultor da soja, surtou. Tentou suicídio. Foi difícil conter…É um absurdo e com a morte do Clezão o Brasil foi incendiado. A revolta é grande”, escreveu o patriota preso e colega de cela na época Jorge Luiz dos Santos, 59 anos, em carta endereçada ao seu filho Wanderson. Havia, na ocasião, uma expectativa que, a partir da morte de um inocente dentro do presídio, as ações do governo contra os manifestantes presos passassem a ser menos agressivas, coisa que não aconteceu. Muito menos se viu o surgimento de um grande movimento pela libertação dessas pessoas, como o pastor Shalom imaginou.
Sheila Fernandes Borges, 47 anos, voluntária de Brasília que visita o Jorginho no presídio, relata que o patriota tem casos de suicídio por depressão na família. “Ele já fazia tratamento para depressão, mas essa injustiça só fez agravar o quadro dele. Saber que não quebrou nada, que chegou à noite em Brasília, e porque adentrou um dos prédios foi condenado a 16,5 anos e está até hoje preso, deixa ele não só triste, mas também desesperado e sem motivos pra continuar”, relata Sheila.
Sobre a alimentação, Sheila diz que devido aos problemas digestivos, Jorginho não conseguia mais comer a “marmita” fornecida no presídio, o que o levou a frequentar a UPA e tomar soro e medicação venosa para náusea e vômito. Ficou só a pele de tão magro e chegou a desmaiar. Isso preocupava os outros patriotas, pois viam a sua fraqueza e emocional abalado.
“Enquanto ele esteve no serviço da cozinha dos agentes, não precisava da marmita, comia por lá mesmo. Então havia melhorado um pouquinho e já não vomitava mais tanto. Porém não conseguia mais digerir carne. Se tentasse, vomitava. A nossa preocupação é ele voltar a ter que comer a marmita, e voltar a passar mal e ficar fraco novamente”, diz, angustiada.
Sheila diz que é um preso político muito deprimido, que volta e meia fala que morrerá ali dentro, e que prefere ser transferido para o Paraná ainda vivo, porque morto dará mais trabalho para família. Ele relata muitas saudades da família, do pai, o Senhor Manoel, de 91 anos. Pai e filho são muito ligados e faziam as coisas juntos. Mantinham uma relação muito além de pai e filho, eles eram confidentes. Jorginho cuidava de muitas coisas para o pai, mas com a prisão até os assuntos do pai dele teve que passar os outros.
DEDICAÇÃO DA ASFAV
A Associação dos Familiares das Vítimas do 8 de Janeiro (ASFAV) elaborou um dossiê do idoso Jorginho, com 61 páginas, para conseguir revogar a prisão preventiva, de forma que respondesse o processo em casa. Isso foi ainda em 20 de dezembro do ano passado.
O esforço também consistiu em visitar a Procuradoria-Geral da República, todos os gabinetes dos ministros, OAB, Ministério da Justiça, Defensoria Pública, Ministério de Direitos Humanos, sempre com o intuito de mostrar a injustiça feita.
No dossiê estão comprovadas as comorbidades do mesmo, com documentos: Disfunção do Labirinto, Espondiloartrose, Laminectomia Ampla, Protrusões Discais Difusas, Uncoartrose Bilateral, Anterolistese, Retrolistese, Espondilolistese, Espodolistese, Ureterolitiase à esquerda, Hidronefrose à esquerda, Transtornos Específicos de discos Intervetebrais. Tudo provado com laudos médicos, inclusive que ha 17 anos ele sofreu uma lesão grave na coluna, sendo necessárias mais de uma cirurgia, inclusive uma delas para fixação de oito parafusos metálicos.
Nada funcionou e o processo de Jorginho andou com ele dentro do cárcere, sem o devido tratamento, nem o reconhecimento de sua inocência.
Sem palavras 😢
Precisamos chamar as centenas de pessoas presas e condenadas no 8/01 pelo nome certo: presos políticos. Pois não há como explicar prisões e condenações tão absurdas. Totalmente inconstitucionais, ilegais e imorais. Não há explicação jurídica, apenas política para o fato.