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08/01: DE VÍTIMAS A BANDIDOS NUM PISCAR DE OLHOS

Ana Maria Cemin – Republicação (original 15/10/2023)

No presídio Colmeia, onde fiquei mais de 7 meses, éramos três grupos diferentes de mulheres, porém todas misturadas nas alas Alfa, Bravo e Delta: as presas políticas do QG, que foram recolhidas pela Polícia Federal no dia 9 de janeiro e levadas ao Ginásio da PF e, dois dias depois, levadas ao presídio; o meu grupo de mulheres, que foi preso dentro do Palácio do Planalto; e, o último, o grupo das mulheres presas no Senado. A matéria a seguir é a sequência de outra, intitulada “Dos 7 meses presa, 77 dias ela ficou no isolamento sem sol”, que você também lê no blog www.bureaucom.com.br.

“Tudo que aconteceu dentro do Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro, com a Tropa de Choque nos tratando como criminosos, sendo que quem depredou já tinha ido embora, foi uma grande encenação com graves consequências. Fui levada do Palácio para a Delegacia da Polícia Civil e, de lá, para o Presídio Colmeia. Estava em choque e fiquei quieta a partir daí. Não queria falar com ninguém, porque eu não sabia quem eram as pessoas que foram presas comigo. Me taxaram de braba e disseram que eu não me importava com os outros. Não era isso e, depois, entenderam a minha situação. Eu estava em estado de defesa e queria entender o que tinha vivenciado, o que viria pela frente.

Ao chegarmos no presídio feminino, um policial do sexo masculino nos perguntou se éramos de direita ou de esquerda, creio que para nos direcionar a lugares diferentes. Ninguém lembra do rosto desse policial, porque não podíamos levantar a cabeça, nem mesmo olhar para os lados. Muito menos podíamos chorar. O medo era tanto que fazíamos tudo o que nos ordenavam. Até hoje não sabemos a razão pela qual essa pergunta foi feita e se alguém respondeu que era de esquerda. Porém, por ser uma pergunta um tanto estranha, direcionada para manifestantes patriotas, todas nós tentamos decifrar esse enigma dentro do cárcere. Para as patriotas presas no QG, a pergunta foi diferente: se elas tinham redes sociais. Deve ser porque nas redes é possível conferir o tipo de postagem feita e a sua opinião política.

Antes de entrar nos detalhes do que vivi na prisão, gostaria de contar um fato que mostra como funciona o governo brasileiro, o seu nível de organização. Uma colega de cela, que estava no Planalto, saiu ainda em fevereiro, porque perderam todo o processo dela. Tiraram tão rápido a minha amiga da cela que mal deu tempo para a gente se despedir. Choramos muito ao nos separar, porque ficamos muito ligadas uma à outra. Veja só, simplesmente perderam tudo, até a documentação da audiência de Custódia, e mesmo assim ela saiu do Presídio Colmeia com tornozeleira eletrônica. Até hoje ela não tem um processo, não tem denúncia, não tem audiência de Custódia, não tem nada, mas ela está com a tornozeleira. É como se o STF estivesse brincando de Uni Duni Tê. Nunca entendemos os critérios das saídas ou porque tudo isso aconteceu, nem a razão das leis não funcionarem para nós. Saí somente em agosto e a todo o momento diziam que quem tinha sido preso no Planalto e Senado só sairiam no final do processo.

Minha entrevistada fez parte de um movimento que durou mais de dois meses em frente aos quarteis de todo o Brasil e foi ingenuamente para a Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro. Levou tiro de bala de borracha no pé, se refugiu no Planalto, que estava com as portas abertas e virou ré num inquérito que está levando os manifestantes a prisão por 17 anos.

As prioridades da patriota entrevistada são os seus dois filhos e o trabalho. Se voltar para o presídio, deixará uma criança de 2 anos e um adolescente 18 anos órfãos por 17 anos, que é a pena atribuída para a maioria dos julgados do Inquérito 4922.

DERRAMO LÁGRIMAS POR NÓS

Eu acredito que o ministro Alexandre de Moraes está fazendo isso conosco para atingir o Bolsonaro. Está nos usando e tudo que está acontecendo me machuca, em especial ver o meu filho de 18 anos desesperado, com medo de que eu pegue 17 anos de prisão. Isso é terrível. Eu não imagino a minha vida longe dele e do meu outro filho de dois anos.

A gente tem o costume de dizer que bandido ao ser preso vira crente. Eu já falei isso antes de ser presa. Agora eu sei o que isso significa: a gente se entrega a Deus. Eu creio que tudo tem um propósito e se Deus permitiu que pessoas simples, honestas e de fé fossem para os presídios de Brasília, deve ter um sentido.

Eu percebo que hoje tenho mais controle emocional, sou mais calma agora e estou forte espiritualmente. Mesmo assim, fiquei abalada com a pena que o ministro Moares definiu para a Edineia Paes da Silva Santos: 17 anos. Edineia é uma pessoa espetacular, simples, que trabalha com faxina. Ela se entregou ainda mais a Jesus lá no presídio, porque vem de uma família religiosa. Chorei muito por ela e comecei a derramar lágrimas para mim também. Pensar que uma mulher do bem ficará presa por 17 anos me abalou e eu fiquei com medo de ser presa injustamente de novo. Eu estou com medo de ficar longe dos meus filhos. Não fiz nada de errado e talvez se eu tivesse feito eu estaria livre, sem tornozeleira.

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