Ana Maria Cemin – Jornalista – 06/08/2024
Mateus Tenório da Silva Cunha tem apenas 25 anos, mas ao conversar com ele logo se percebe a maturidade forjada pelas agruras vividas desde o 8 de janeiro, quando foi preso em Brasília.
“Me fizeram agonizar, minha saúde financeira está caótica e sinto que não consigo andar com os meus próprios pés. O meu psicológico está abalado, porque me sinto preso”, desabafa.
Ele diz que os últimos 19 meses foram os piores de sua vida e só lhe resta assinar o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), proposto pelo Ministério Público, para deixar de ser réu do 8 de janeiro e pensar numa nova perspectiva.
Em contrapartida à liberdade proposta pelo acordo, Mateus terá que assumir uma culpa que ele não tem, pois foi a Brasília com um propósito bem diferente do que está sendo acusado, de golpe de estado e incitação ao crime.
Nada disso faz sentido na sua trajetória de vida, mas a porta de saída do sofrimento imposto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em parceria com a Procuradoria Geral da República, é o acordo. Então é isso que ele fará, mas deixa o registro do que ele sente e fez de fato no pós-eleição de 2022.
DE CURITIBA PARA MACEIÓ
“Desde 2019, eu morava em Curitiba, PR, onde trabalhava num açougue e me sustentava. Quando chegou em junho de 2022, decidi voltar para Maceió, AL, para visitar meus avós que estavam com problema de saúde. Acabei ficando mais tempo, em função da situação, e me envolvi nos movimentos de direita, porque sempre fui bem engajado em Maceió. Meus planos eram de voltar para Curitiba e retomar o meu trabalho logo após as eleições, mas algo inusitado aconteceu. Com o resultado das urnas, desapontando a todos pelo contexto, de pronto aconteceu o fechamento de rodovias e a abertura de um acampamento em Maceió. Acabei ficando até o dia 12 de novembro no QG”, relata o jovem.
IDA A BRASÍLIA
Em 15 de novembro, Mateus chegou no QG de Brasília e praticamente acompanhou todo o desenvolvimento daquela grande estrutura. Nesse tempo já estava namorando a T. D. O., 25 anos, que hoje sua esposa.
“Nós dois fomos juntos para o acampamento de Brasília e quando chegou o dia 2 de janeiro percebemos que o movimento estava no fim. Tinha menos de 200 pessoas acampadas na capital federal e nós combinamos que ela voltaria para Maceió para concluir o curso de Nutrição e eu voltaria para a minha casa em Curitiba e voltaria ao trabalho”, conta.
Para a surpresa de Mateus e a namorada, nos dias 3 e 4 de janeiro começou uma movimentação diferente e estranha, chamando todos os patriotas dos estados da federação para se dirigirem a Brasília para uma grande manifestação nos dias 7, 8 e 9 de janeiro. Mateus, então, avisou os seus compatriotas que permaneceria no QG de Brasília para recepcioná-los.
RECEPÇÃO DOS CONTERRÂNEOS
“Eu recebi o pessoal do meu estado às 14 horas do 8 de janeiro. Apresentei o acampamento e sugeri que fossem até uma loja comprar material para contenção, porque chovia muito por aqueles dias. Eles foram e eu fiquei esperando-os no QG e não desci para a Praça dos Três Poderes. Nem eles, porque estávamos organizando as instalações deles”, narra.
O casal foi dormir tranquilo na noite do dia 8, sem pensar que no dia seguinte iriam enfrentar uma realidade crítica, com o QG cercado, helicópteros sobrevoando e todo um clima de hostilidade por parte das autoridades de segurança.
“Minha namorada e eu só fomos saber que estávamos presos na oitiva realizada no Ginásio da Polícia Federal na madrugada do dia 9 para 10 de janeiro. Eu fui para o Presídio Papuda e ela foi para o Colmeia. Por dois meses ficamos presos e com poucas condições de comunicação com o mundo além do cárcere. O tempo com o advogado era curto e mal dava para mandar recado para a família”, relembra.
VOLTA PARA CASA
Em março do ano passado, o casal saiu dos presídios e retornaram para casa. Optaram por morar junto e hoje estão casados. “No tempo em que fiquei preso, como não paguei as despesas de aluguel, fui despejado e as minhas coisas foram parar na rua em Curitiba. Decidi ficar em Maceió com a ajuda do meu pai, inicialmente, e a minha namorada veio morar comigo. Iniciamos um negócio de produção de pizzas com ajuda de um amigo, que dá para pagar as despesas”, narra.
O fato é que tanto um como outro não conseguiram retomar as suas vidas desde que tudo isso aconteceu. Usam uma tornozeleira eletrônica que intimida as pessoas, de uma forma em geral, além de limitar circulação e horários de saída. “Nós nos sentimos de mãos atadas e sob pressão o tempo todo. A sensação é de não tem como suportar tudo isso por mais tempo e eu decidi aceitar o acordo proposto pelo governo e assumir uma culpa que não tenho”, desabafa, tentando não demonstrar o sofrimento.
EM BUSCA DO MELHOR
O casal terá pela frente meses até cumprir com todas as exigências do acordo para retirada da tornozeleira e, então, colocar um fim no processo. Nenhum dos presos políticos do INQ 4921, no qual o casal está inserido, foi julgado até hoje e não há uma previsão de quando isso vai acontecer. Nesse meio tempo, as suas vidas estão estagnadas, e eles não conseguem sonhar e projetar uma vida melhor.
“Nós temos 25 anos e temos uma vida pela frente. Talvez o melhor para nós seja recomeçar em Curitiba. Ainda temos que estudar o próximo passo depois do acordo e retirada da tornozeleira”, conclui.