Ana Maria Cemin – Jornalista – 06/06/2024
A frase é emblemática, provoca reflexões e refere-se aos cerca de 2 mil presos e perseguidos políticos pelo governo atual, com a conivência da maior parte da imprensa nacional. Ouvi de um suboficial da Marinha de Guerra às vésperas dele ser recolhido pela Polícia Federal para o início do cumprimento da sentença de 14 anos, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ele autorização da publicação da matéria às 6h51 desta manhã de 6 de junho de 2024, quando a Policia Federal bateu na sua casa para levá-lo.
Quero compreender a razão pela qual Marco Antônio Braga Caldas, 50 anos, um reservista da Marinha, com especialidade de mergulho, foi privado de sua liberdade e passará a dividir cela com criminosos em presídio no estado de Santa Catarina, onde reside desde 2021 com a esposa Mônica.
Pelo que ele relatou, o início da sua pena será em carceragem militar e isso desencadeará um processo administrativo para que ele seja expulso, vindo a perder todos os seus direitos adquiridos ao longo do serviço à Marinha. Perderá seu posto de suboficial e o pagamento de seu soldo de aposentadoria, em função da pena ter sido superior a dois anos. Ao findar o processo administrativo, então irá ao cárcere junto com criminosos civis.
Ele é pai de Giulia (23 anos), Brenda (27 anos) e Marília (31 anos) e está no seu segundo casamento. Após entrar na reserva, Marco decidiu não voltar para a sua terra natal, Belém do Pará, e foi morar em Piçarras, SC. Financiou a sua casa pela Marinha e a vida andava relativamente tranquila até que decidiu participar das manifestações em Brasília em 2023. O que o levou para a Capital Federal foi o seu sentimento de dever para com o País, o desejo de viver em liberdade e manifestar a sua opinião.
ARMADILHA
Ironicamente, ao sair de SC no dia 6 de janeiro de 2023 Marco foi ao encontro de um destino absolutamente inesperado. Caiu inocentemente numa rede armada na qual nada pode livrá-lo, nem mesmo o investimento de R$ 70 mil em honorários advocatícios para provar que em momento algum cometeu qualquer crime.
De volta para casa de Brasília somente em 9 de agosto de 2023, para aguardar o seu julgamento, esse suboficial que atuou 27 anos e 9 meses na Marinha experimentou as agruras da liberdade condicional, com o uso de tornozeleira eletrônica e a obrigação de comparecer ao fórum de sua cidade toda a segunda-feira para assinar. Sofreu muitas humilhações. Nesse meio tempo, ele foi julgado virtualmente, entre 15 e 22 de março, pelos ministros do STF e condenado.
“A minha condenação não foi unânime. Cinco ministros divergiram da decisão do ministro relator, sendo quatro parcialmente e um deles, o ministro Nunes Marques, votou pela minha inocência. É em cima desse voto que os advogados trabalham para recorrer ao que ainda é possível”, disse ele, antes de ser colhido para cumprimento da sentença de 14 anos. Foi condenado por cinco crimes que não cometeu: Golpe de Estado, Associação Criminosa Armada, Abolição Violenta do Estado de Direito, Dano Qualificado e Deterioração do Patrimônio Tombado.
“A rigor, o total da somatória das penas para esses crimes seria mais de 30 anos. E o fato é que não há nada contra mim que justifique ser preso, nem uma prova que possa amparar a pena dada pelo STF. Eu me considero um conservador, um patriota, e isso parece ser crime atualmente. Também fiz três vídeos falando a minha opinião, além de mandar R$ 1,00 de pix na campanha do ex-presidente Bolsonaro. Isso é crime?”, questiona.
A IDA A BRASÍLIA
“Naquele momento, eu queria manifestar a minha insatisfação com a corrupção sistêmica e pensei que o melhor lugar para fazer isso seria em Brasília. Não havia uma organização, nem mesmo conhecia as pessoas que iriam, mas soube da possibilidade de uma viagem de ônibus sem custo e eu fui atrás. Eu entendi que deveria ir a Brasília e fui com a informação de que a manifestação seria na 4ª feira seguinte”, relata.
A chegada do ônibus de Marco no QG foi por volta das 5 horas da manhã do dia 8 de janeiro. Ele iria se hospedar num hostel, porém foi solidário e ajudou o pessoal com quem viajou a montar as barracas. Por volta das 8 horas da manhã, ele saiu do QG para comprar duas barracas que faltavam e, ao retornar, soube do movimento dos acampados para a descida até a Praça dos Três Poderes.
“Eu só retornei para o QG depois do almoço, entreguei as barracas e segui a caminhada com todos. Às 17 horas eu já estava preso. Ou seja, cheguei no domingo para ser preso naquele dia mesmo”, diz.
DESCIDA PARA A PRAÇA
Marco conta que tinha muita gente descendo para a praça, como um grande formigueiro em movimento. “Eram os representantes de milhões de brasileiros que se manifestaram pacificamente nas ruas de todo o Brasil nos últimos anos. Era muito impressionante o que todos nós estávamos presenciando em Brasília naquele dia. No caminho, subi num viaduto e fiz uma gravação com o celular e disse que ali a gente via o povo pelo povo, fazendo as suas reivindicações, expressando os seus desejos”, comenta.
Quase no final da descida, Marco começou a ouvir explosões de bombas. Isso deve ter ocorrido por volta das 14h30 e 15h, porém ele não se abalou. “Tenho comigo que o perigo maior é o que está acontecendo hoje, com este governo. Eu tinha a esperança de algo melhor para o nosso povo e sentia que o risco se avizinhava e sentia que precisava estar ali”, afirma.
“Na manifestação do dia 8 de janeiro, eu estava muito bem sobre o Congresso Nacional de onde olhava o cenário com um mundo de gente, mas senti curiosidade de entrar no prédio do Palácio do Planalto, que estava aberto. Desci, subi a rampa, entrei e dei uma volta pelo hall. Estava lá dentro quando iniciou o bombardeio com helicópteros, então permaneci lá dentro por medida de segurança pessoal. Naquele momento em que entrei não havia quebradeira ou atos de vandalismo e as poucas pessoas que estavam lá tinham um posicionamento de paz. Elas estavam aos pés dos militares do Exército, inclusive. Depois da entrada do Batalhão de Choque foi tudo muito rápido”, relata.
TODOS FORAM LEVADOS PARA O PRESÍDIO
Marco saiu do prédio preso junto com todos os demais patriotas que estavam no local, quando ocorreu a abordagem do Batalhão de Choque. Foi levado para o Presídio Papuda, onde ficou por três semanas junto com os patriotas, mas depois ficou preso até agosto na carceragem do Grupamento dos Fuzileiros Navais de Brasília. “Eu estava melhor no Papuda, onde convivi com centenas de pessoas que comungam, como eu, dos princípios e valores de Deus, Pátria, Família e Liberdade”, diz ele. Preso na Marinha, ele ficou em uma solitária. Depois de um tempo chegou outro militar que estava preso há mais de ano no Papuda e, pelas grades, podiam conversar.
“Eu fui bem recebido quando retornei para minha cidade de Brasília, mas senti que as pessoas me abandonaram logo em seguida. Eu compreendo o medo e outros sentimentos que se instalaram no povo brasileiro, mas isso deixa a gente um pouco sentido. Também é muito constrangedor usar tornozeleira de marginal, de bandido. Então, eu preciso lembrar dos meus propósitos da minha vida para ficar firme e não me abalar tanto emocionalmente”, diz.
AS 2 MIL PESSOAS QUE INCOMODAM
“Eu acredito que quando a gente procura um propósito maior, então é possível permanecer firme. Nós que fomos presos devemos permanecer na fé, buscar corrigir os caminhos, esperar “Nele” e superar as dificuldades. Está sendo muito dolorido e nada fácil”, revela o preso político. Na sua visão, tudo que aconteceu em 8 e 9 de janeiro faz parte de um processo e que o povo brasileiro ainda não está preparado para dar os passos que precisa dar para a sua evolução e liberdade.
“Quando estava preso no Papuda com os demais patriotas a gente começou a se conhecer por ter tempo para conversar dentro das celas e no pátio. E mesmo em meio a tanta tristeza nós tínhamos a alegria presente. Alguns só de abrir a boca para falar algo já era uma piada e outros eram engraçados pela sua forma de ser. Nós nos tornamos uma grande família e eu ouso dizer que já éramos uma família antes mesmo de nos conhecer”, revela.
“Essa comunhão deixa marcas. Éramos 500 homens louvando a Deus num grande coro, de mãos dadas. Isso revelou a força que a gente tem, de uma potência inimaginável. Isso nos fortaleceu na fé, na fortaleza para a luta pacífica e justa que temos pela frente. Não há provas de que fiz parte de um golpe e pelo menos 99% dos que foram presos não tinham a menor intenção de fazer algo do gênero. Estávamos lá para nos manifestar e sofremos essa injustiça”, conclui.
COMPAIXÃO PELOS PRESOS DO INQUÉRITO 4922
“Tenho um sentimento de compaixão pelas pessoas que estão sendo levadas a cumprir as sentenças dadas pelo Supremo Tribunal Federal. Eu me coloco no lugar de cada um que foi levado ao cárcere após o julgamento ou no lugar daqueles julgados que nem ao menos voltaram para casa depois do 8 de janeiro. Eu estou no mesmo barco, mas me coloco no lugar delas, porque eu conheci pessoas maravilhosas na prisão (os patriotas não foram misturados com criminosos no ano de 2023), todas elas com grandes qualidades, cada uma com sua história de vida. São pessoas de todas as classes sociais, com suas histórias de luta e superação, que falavam de suas famílias com saudade e emoção. Então, essa compaixão que tenho é pelas pessoas que esses meus amigos são e, também, pelo que vivemos juntos e pelo amor que temos pelo nosso País. Comungamos o desejo de oferecer o melhor para as futuras gerações e queremos a nossa liberdade de volta, plena. Desejamos os nossos direitos todos concretizados, como acesso a boa saúde, educação de qualidade, moradia, saneamento e oportunidade de trabalho. Esse sonho vi que tínhamos em comum dentro da prisão, entre outras coisas, como também manifestávamos o respeito pelas pessoas independente da sua classe, opção sexual ou forma de ser. Dói ver isso acontecer com essas pessoas e me causa angústia, porque é como se a areia da ampulheta está caindo e a qualquer instante eu serei o próximo a ser recolhido ao presídio. O sentimento é de impotência diante de tudo isso, de ausência do direito à defesa, pois os nossos advogados não têm a oportunidade de atuar de forma plena. O sentimento de impotência vem de constatar o autoritarismo instalado no nosso País. Foram criadas narrativas, um processo viciado de sentenças previamente estabelecidas. Eu entendo que é para colocar medo na população e eu percebo que deu certo. Isso causa tristeza e, em alguns momentos desânimo. Eu desejo e oro diariamente para que todos nós, que estamos submetidos a essas injustiças, encontremos em Deus o nosso refúgio, fortaleza e refrigério. Com a graça dele a gente pode alcançar a vitória. Eu tenho um sentimento de esperança por estar do lado de milhões de brasileiros de virtudes”, declara.
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