Ana Maria Cemin – Jornalismo
15/01/2024 – (54) 99133 7567
Em meio a tantos relatos de dificuldades, ouço uma história vibrante, de esperança. A minha entrevistada nasceu em Passos, MG, mas desde os 9 anos reside em Franca, SP. Hoje está com 58 anos, é mãe de cinco filhos e avó de cinco crianças. Da Praça dos Cristais, em Brasília, ela foi ao cárcere no Presídio Colmeia em janeiro de 2023. Ela saiu somente em 3 de março. Com uma lista de limitações impostas pela liberdade provisória, essa mulher tem forças para recomeçar a vida e empreender.
Ana Maria Anja Cardoso diz ter amadurecido com as “aulas de sobrevivência” do Presídio Colmeia. No cárcere, dividiu cela com muitas idosas; a mais velha tinha 74 anos. Anja, como ficou conhecida entre as patriotas, está tornozelada e recebeu ameaças depois que saiu do presídio; a última foi uma abordagem armada. Desistiu do trabalho que conseguiu depois de ser perseguida na rua e pretende sair de Franca.
A patriota vive com as contas atrasadas, mora na segunda região mais perigosa do município e sonha com organizar a vida: Anja quer morar numa chácara em Patrocínio Paulista, SP, que fica a 20 km de onde reside hoje. Na chácara de sua propriedade não tem energia elétrica, mas pretende “puxar a fiação”, para então mudar e iniciar vida nova. Seu sonho: fazer um ranário.
“É um ótimo negócio”, me diz, e está disposta a trabalhar muito para conseguir superar as dificuldades atuais. Não pagar aluguel será muito bom no recomeço que imagina para ela. O relato que segue é fruto de nossa conversa.
UM BRASIL JUSTO PARA OS MEUS FILHOS E NETOS
“No final de 2022, eu fui dispensada da empresa onde eu trabalhava como pespontadeira de calçados e decidi ir para Brasília defender os nossos ideais conservadores. Cheguei em 14 de novembro e fiquei acampada no QG da Praça dos Cristais a partir de então. Muita gente ia só aos finais de semana, mas eu fiquei direto e só retornei duas vezes, uma delas para ir ao médico e a outra para descansar dois dias em casa. No Natal e Ano Novo eu estava lá.
Eu sentia uma energia muito boa no QG, porque as pessoas que foram para Brasília estavam unidas pelo mesmo sentimento e pensamento. Acreditávamos que era um chamado de Deus para lutarmos pelo Brasil, pelos nossos direitos e pela nossa liberdade.
Não queríamos entregar o País nas mãos de bandidos, até mesmo porque a gente sabia desse projeto de implantar uma ditadura, coisa que vem acontecendo desde 2019. Mesmo que fosse camuflada, a gente percebia. Agora é que começamos ver ela ganhar corpo, visibilidade. Não são só indícios.
Eu nunca fui filiada em nenhum partido e nem pretendo
Essa clareza sobre a minha função política veio aos poucos. Quando estive em Brasília, eu conheci muita gente de vários municípios de Santa Catarina, Mato Grosso, Ceará e de outros tantos estados. Até dos Estados Unidos tinha gente. Então, fizemos uma imersão na aprendizagem política, absorvendo informações. Foi quando eu descobri que eu não sabia nada, que eu era leiga em política. Porém, em quatro meses de Brasília – dois acampada e dois presa com pessoas maravilhosas – eu aprendi muito e os meus horizontes de expandiram. Colhi informações e ganhei bagagem.
ATÉ ENTÃO ALIENADA
Vivi uma vida sem prestar muita atenção ao que tinha ao meu redor. Hoje eu entendo que cada grão de arroz que a gente compra, que a gente come, que a gente põe na nossa mesa significa política. Hoje eu entendo que a gente precisa orientar melhor os nossos filhos, os nossos netos e os nossos vizinhos a escolher um pouco melhor os nossos representantes.
A gente trabalha tanto para pagar os salários deles, e depois de eleitos pouco se importam com a população. Portanto, todos nós devemos prestar mais atenção à política, porque é por meio dela que construiremos um mundo melhor ou um mundo pior.
O que está acontecendo hoje conosco no Brasil não foi escolha nossa. Mas por conta da nossa dormência de 30 anos que chegamos a esse ponto. Estamos colhendo o que plantamos. Hoje eu tenho esse discernimento.
A gente não pode dizer “eu não vou votar porque todos são ladrões, prefiro pagar a multa”. Aprendi que a gente tem que votar, sim, ter consciência e fazer o nosso papel, porque o direito ao voto foi uma conquista dos nossos antepassados.
TORNOZELEIRA
Eu não parei no tempo, mas tem muitas coisas que eu não faço pelos limites impostos pela liberdade provisória com tornozeleira. Porém estou sempre antenada e não consigo me desligar. Eu cantei muito naquele acampamento: “Ou deixar a pátria livre ou morrer pelo Brasil”.
Foi isso que a gente foi fazer lá no dia 8: expressar os nossos sentimentos em prol de uma pátria livre para os nossos filhos e netos. Graças a Deus eu saí da prisão e lógico que não estou bem todos os dias. Tem momentos em que vem as lembranças de tudo que vivemos e o psicológico fica abalado.
Então é a hora de chorar, de ficar cabisbaixa. A maioria das vezes, eu consigo sair desse estado e agradeço a Deus por ele ter me dado essa oportunidade. Foi com essa experiência que cresci um pouco. Eu amadureci! Sem contar as pessoas maravilhosas que eu encontrei na QG e na prisão. Aprendi muita coisa boa. Eu não canso de repetir que foram aulas de sobrevivência.
CIRCO DE HORRORES
Tinha muita gente idosa, inclusive na faixa dos 80 anos no Ginásio da Polícia Federal. Na prisão tinha uma colega de mais de 70 anos, tadinha. Ela é descendente de japoneses. Gente boa. Conversava muito com ela no banho de sol. Quando lembro de tudo que aconteceu em Brasília no dia 8 de janeiro, daquela guerra injusta travada no meio dos prédios dos Três Poderes, com a força nacional, a cavalaria passando por cima das pessoas, eu fico mal.
No meio daquela loucura, tinha um senhor idoso, de seus 80 anos, que não queria sair dali. Tivemos muito trabalho para retirar o pessoal, porque era muito gás e os nossos olhos ardiam, a pele queimava. Dos helicópteros vinham as bombas e os tiros, como se fôssemos inimigos. Eu via muitas crianças naquele cenário, até um bebê de colo de quatro meses, criança de dois aninhos. Um absurdo o que foi feito naquele dia.
A MARCHA DE 8 KM
Nós descemos do QG com o intuito de fazer uma manifestação pacífica e ordeira; planejamos acampar próximo ao Congresso Nacional. A ação dos infiltrados nos pegou de surpresa. Quando cheguei na praça, depois de caminhar os 8 km, eu desconfiei que algo muito errado estava acontecendo. Vi a destruição das janelas. O mais surpreendente é que os black blocs estavam lá, com suas máscaras de gás, para deixar claro que a armadilha foi preparada. A gente via bandeiras do MST e do PT. Eles quebravam de dentro para fora, e muitos de nós gritávamos para não quebrarem o nosso patrimônio.
A esquerda manipulou tudo e, infelizmente, estamos sofrendo as consequências. Outro detalhe alarmante é que tinha policiamento, mas a polícia não fez nada para evitar os acontecimentos. Nós descemos desde o QG escoltados por policiamento, o que passou muita tranquilidade para famílias inteiras fazerem a caminhada, com idosos e crianças. Ninguém foi para Brasília para quebrar. Se algum patriota se envolveu no meio deles, que só apurando os fatos poderemos saber, infelizmente foi por algum apelo emocional, coisa do momento.
PERSEGUIÇÕES
Eu tive que sair do trabalho que consegui como costureira de camisetas e moletons recentemente, porque eu fiquei com medo de continuar diante das ameaças. Foram três e não podem ser coincidência. Na última vez que fui perseguida, parei a moto em frente a uma farmácia por segurança, até porque a moto não era minha. Não dá para viver com medo.
No outro dia, liguei para o meu patrão e contei o que ocorreu e pedi para ele me demitir, por não ter condições física e psicológica trabalhar naquele local. A minha intenção agora é mudar de cidade, ir morar na chácara e sobreviver. Se eu criar galinha, vou ter ovo para comer.
MOMENTO ATUAL – A gente passará por tempos muito difíceis nas nossas vidas. Ainda assim devemos manter a confiança em Deus e sempre o colocando na nossa frente. Tudo que a gente passou e está passando não será em vão e, acredite, um dia isso terá uma reviravolta. Pode demorar, pode passar um bom tempo, mas teremos a vitória.
Em algum momento o povo vai sair da bolha e nesse momento espero ter tempo para virar esse jogo ! 🇧🇷🇧🇷🇧🇷🇧🇷