Mãe patriota de criança autista perde emprego
Ana Maria Cemin – Jornalista
16/11/2023 – (54) 991337567
Ana Lúcia Aparecida dos Reis, de Ribeirão das Neves, MG, está sem poder trabalhar em função da tornozeleira eletrônica. Só de prestação do apartamento Ana tem R$ 900,00 todo mês a pagar, sendo que somente a filha de 20 anos trabalha, recebendo salário-mínimo. O filho de 4 anos é autista não-verbal, com três más formações cerebrais: nas vias ópticas, no cerebelo e na hipófise. O diagnóstico é de paralisia cerebral, conforme explica na conversa que tenho com ela. Além de não falar, somente nesse ano começou a dar os seus primeiros passinhos. Ela me procurou por estar em situação muito difícil financeiramente.
Convido você a acompanhar o relato de Ana:
“Antes de 8 de janeiro, eu trabalhava numa pizzaria e não tinha tempo para participar das manifestações em Belo Horizonte. Confesso que o meu peito ardia, pois queria muito estar lá, mas o meu horário de trabalho não me permitia. Como tinha acompanhado nas ruas a popularidade do Bolsonaro, era difícil aceitar o resultado das urnas sem questionar. E por isso mesmo, depois das eleições, as manifestações continuaram, com o povo de baixo de sol e chuva e eu ainda me cobrando muito. Sabia que deveria estar lá também!
Foi quando todos foram tirados de lá – alguns de forma violenta e as pessoas começaram a enviar vídeos nos chamando para ir a Brasilia. Como eu tinha muitas horas a mais no trabalho, sem pensar duas vezes solicitei que me dessem folga naquele final de semana. Trabalhei na sexta-feira, 6 de janeiro, e de lá fui direta para a rodoviária. Não fui financiada por ninguém, muito menos induzida. Paguei pela minha passagem e cheguei no QG no sábado pela manhã.
Meu propósito era somar e me sentia em dívida com o nosso País, e não com o Bolsonaro. Estava lá não porque o Bolsonaro perdeu e, sim, porque não aceitamos mais ser enganados pelo sistema. Eu não conhecia ninguém em Brasília e algumas pessoas me cederam lugar para passar a noite. No sábado participei de alguns cultos, conversei com várias pessoas e em nenhum momento foi dito que iríamos para Esplanada para fazer o que foi feito. O combinado era acampar na Praça dos Três Poderes e só sair de lá quando fosse entregue o código-fonte.
Saímos do QG no domingo à tarde, e quando chegamos assistimos todo aquele teatro. O único lugar que entrei foi na portaria do Senado, onde tem um banheiro ao lado de uma portaria e tinha uma pessoa responsável naquele momento. Pedi licença a ele para levar uma moça que se perdeu do irmão e estava passando mal ao banheiro. Inclusive estava com dificuldade para enxergar, devido às bombas jogadas pelos policiais. Era preciso lavar o seu rosto. Não entrei em nenhum outro lugar, voltei ao QG e, quando percebi, não tinha mais como sair. Então passei a noite no QG á e imaginava retornar para Belo Horizonte na segunda-feira pela manhã.
SENSAÇÃO DE IR PARA UM MATADOURO
Ao acordar no dia seguinte tive a impressão de que toda a Polícia de Brasília estava no QG e era impossível definir a quantidade. Então fomos informados que só sairíamos da capital federal se entrássemos nos ônibus que estavam disponibilizando para nós, e que nos levariam para a rodoviária. Eu embarquei como todos os outros. Do QG fomos para um estacionamento da Polícia onde ficamos por duas horas sem poder sair e, depois, nos levaram para Academia da Polícia Federal.
Passei a noite de segunda-feira dentro do Ginásio e mesmo com a triagem iniciada eu tive receio de ir para fila porque fiz um teste lá mesmo: peguei o telefone de uma pessoa que foi para a triagem e depois de algum tempo comecei a ligar para ela e o telefone só dava desligado. Tive a sensação de estar indo para o matadouro. Só fui para a fila na terça-feira à noite porque não tinha mais opção.
Quando passei pela triagem já era bem tarde da noite. Fizeram algumas perguntas, entre elas se eu tinha entrado em algum dos prédios e respondi a verdade: só para socorrer uma pessoa, levando-a ao banheiro para lavar o rosto. Depois me pediram para mostrar a senha do meu celular e deixar o aparelho para que fosse feita perícia. Porém, em nenhum momento recebi ordem de prisão. Depois, fui levada para outra sala e lá tive que assinar uma nota de culpa e então compreendi que seria presa.
Fui levada para um auditório e de lá saímos após o horário de almoço. Nos colocaram num ônibus penal com destino ao Instituto Médico Legal para fazer o exame de corpo delito. E, por fim, acabei no Presídio Colmeia. O desespero me consumia, pois quando fui Brasília o meu filho estava passando o final de semana com o pai dele e a minha filha ainda não trabalhava. Sendo assim, eu imaginava que a minha filha cuidaria do pequeno e na minha cabeça surgiam perguntas: “Mas com qual recurso irão viver?”, “Quando tempo ficarei longe deles?
No 10º dia presa, tive a minha audiência de custódia e sai no 12º dia, deixando para trás uma cela lotada com as patriotas. Eu não tenho a menor intenção de culpar a Polícia Penal, mas fomos humilhadas, tratadas como bandidas.
SAUDADES DO MEU FILHO
Quando sai do Presídio Colmeia eu só queria notícia do meu filho e mais nada. Fomos para o Centro Integrado de Monitoramento Eletrônico – CIME, onde colocaram a tornozeleira eletrônica. Todos nós fomos muito bem tratadas ali e voltamos para casa acreditando na retomada da vida que deixamos para trás em 8 de janeiro. Voltei para a minha família e para o meu trabalho, mas isso durou pouco.
Recebi uma intimação para a troca da tornozeleira de Brasília por outra do meu Estado, e a partir de então não consegui mais ir ao meu trabalho na comarca de Belo Horizonte. O meu horário de recolher também mudou das 21h para 18h. Eu trabalhava no Pizza Hut na função de gerente e passei a ser um peso para a empresa. Tentei recurso na Defensoria Pública e tive retorno só depois de 30 dias e, ainda, a liberação foi apenas nos dias de semana e meu horário de recolher passou para as 21h. Infelizmente, eu não conseguiria atender a necessidade da empresa dessa forma, sendo assim não tiveram outra alternativa a não ser me mandar embora.
Passei a receber o seguro, mas quando acabou entrei com o pedido do LOAS – Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência, em função do filho de 4 anos. Como sempre trabalhei nunca tinha entrado com esse pedido. A perícia foi marcada para dezembro e estou aguardando por este dia há três meses.
Nos últimos três meses só posso contar com a ajuda da minha filha e do pai do meu filho. Ganhei alguns mantimentos também, mas as contas não fecham. A minha família não é daqui, são do interior de Minas Gerais, e sinto que não posso levar mais problemas para minha mãe, por ela fazer tratamento de câncer. Perdi o emprego e hoje cuido do meu filho e só. Sinto como se eu estivesse sendo castigada, mas questiono a Deus o porquê. Se tem propósito tudo isso, não deveria existir consequência. Eu sinto que a minha saúde mental está debilitada“.
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