Ana Maria Cemin – 15/12/2025
Até ir a Brasília naquele início de 2023, a vida de Joanita de Almeida, que está em véspera de tornar-se uma idosa, se dividia entre o seu trabalho de psicoterapeuta, filha, netos e atividades de entrega de marmitas à carentes. Hoje, completamente destruída física e psicologicamente, cumpre uma pena de 16 anos e meio em regime fechado num hospital psiquiátrico. A sua execução penal iniciou em 22 de outubro de 2024.
Após a constatação de episódios graves de tentativa de autoextermínio e agressões sofridas dentro do Hospital Psiquiátrico e Judiciário Jorge Vaz, em Minas Gerais, onde a sentenciada está internada desde novembro de 2024, defesa da presa política protocolou neste mês um novo pedido de prisão domiciliar humanitária.
Segundo relatórios médicos anexados pela defesa, Joanita apresenta Transtorno Afetivo Bipolar e Epilepsia Generalizada Tônico-Clônica, além de comorbidades que incluem alterações hepáticas, infecção urinária e edemas.
A defesa argumenta que o tratamento hospitalar intramuros é insuficiente e que há risco concreto à integridade física e mental da custodiada. O Procurador-Geral da República, Paulo Gonet Branco, se manifestou recentemente sobre o caso. Reconheceu a gravidade do quadro clínico, mas apontou insuficiência da documentação apresentada pela defesa e solicitou que Joanita seja submetida a uma nova junta médica oficial. O objetivo é avaliar de forma completa seu estado físico e mental e verificar a viabilidade de acompanhamento dentro do sistema prisional.
Com a manifestação da PGR, o caso agora está nas mãos do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo. Caberá a ele decidir se mantém Joanita internada no hospital psiquiátrico ou se concede a prisão domiciliar humanitária, medida que a defesa considera essencial para salvar a vida da sentenciada.
A situação expõe não apenas o agravamento da saúde de Joanita, mas também o dilema jurídico e humanitário em torno da execução da pena. A defesa insiste que a permanência em ambiente hospitalar não tem garantido condições adequadas de tratamento e que a prisão domiciliar seria a única alternativa para preservar sua integridade e evitar um desfecho trágico.
LINHA DO TEMPO DA DEGENERAÇÃO DE UMA SENHORA NO CATIVEIRO DO 8 DE JANEIRO
- Janeiro de 2023
Joanita, conhecida por sua atuação social em Minas Gerais, viaja a Brasília. Mais curiosa do movimento verde-amarelo do que uma manifestante ativa, acaba presa durante os atos e posteriormente condenada. - Condenação
Sentenciada a 16 anos e meio de prisão em regime fechado. - 22 de outubro de 2024
Início do cumprimento da pena. Seu estado de saúde começa a se deteriorar rapidamente. - 13 de novembro de 2024
Internada no Hospital Psiquiátrico e Judiciário Jorge Vaz, em Minas Gerais, por decisão judicial, devido ao agravamento de seu quadro clínico. - 20 de maio de 2025
O ministro Alexandre de Moraes determina a continuidade do tratamento hospitalar fora do presídio. - 14 de junho de 2025
Moraes reforça a decisão e solicita exame médico-legal para avaliar condições clínicas, incluindo epilepsia. - 1º de julho de 2025
Deferido pedido de dilação de prazo para perícia médica detalhada. - 17 de julho de 2025
Decisão de Moraes mantém Joanita internada em regime hospitalar, com base em laudo que confirma Transtorno Afetivo (CID-10 F33.1) e Epilepsia Generalizada Tônico-Clônica (CID-10 G40.3). - 21 de outubro de 2025
Consulta emergencial com psiquiatra particular registra tentativa de suicídio com lençol e necessidade de alteração medicamentosa. - 22 de novembro de 2025
Joanita sofre agressão física de outra interna, resultando em hematomas e boletim de ocorrência. - 30 de novembro de 2025
Durante visita familiar, apresenta alucinações, sonolência intensa e tremores incapacitantes, precisando ser alimentada por terceiros. - 1º de dezembro de 2025
Assistente social informa solicitação de consulta com neurologista para aprofundar avaliação clínica. - 4 de dezembro de 2025
Defesa protocola pedido de prisão domiciliar humanitária, alegando insuficiência do tratamento hospitalar e risco concreto à vida da custodiada. - 12 de dezembro de 2025
O Procurador-Geral da República, Paulo Gonet Branco, manifesta-se pela submissão de Joanita a uma nova junta médica oficial, para avaliação completa de seu estado físico e mental. O caso é colocado novamente nas mãos do ministro Alexandre de Moraes.
PENA SENDO CUMPRIDA NO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO
Internada desde 13 de novembro de 2024 no Hospital Psiquiátrico e Judiciário Jorge Vaz, tem há meses laudo psiquiátrico que atesta um quadro clínico gravíssimo, com transtorno mental severo, risco moderado de violência e alto risco de autoextermínio.
Joanita era uma psicopedagoga ativa e respeitada, com 28 anos dedicados à coordenação pedagógica da Associação Adalberto Teixeira Fernandes Filho, em Juiz de Fora. Decidiu fazer uma excursão turística para Brasília, algo que acalentava havia anos. Viajou sozinha, sem conhecer os outros integrantes do grupo, e se hospedou com eles em um hotel da cidade. Estava exultante: realizar aquele sonho simbolizava liberdade, celebração pessoal e o simples prazer de conhecer a capital do seu país.
Foi a última vez que exerceu plenamente seu direito de ir e vir.
No dia 8 de janeiro de 2023, ao buscar abrigo da violência policial no Plenário do Senado — para onde foi guiada por agentes —, foi detida. O que se seguiu foi um percurso de horrores: condenada pelo STF a 16 anos e meio de prisão, passou dois meses na Ala de Tratamento Psiquiátrico do Presídio Colmeia. Lá, afirma ter sido constantemente dopada, exposta a humilhações e privada de assistência médica adequada. À época, ela só fazia uso de medicamentos para controle de epilepsia. Após a experiência, passou a apresentar distúrbios mentais graves que nunca havia manifestado.
Hoje, suas palavras carregam o peso de quem se sente anulada — alguém que perdeu a vida ainda em vida. Fala com frequência sobre a perda de autonomia e a presença constante de pensamentos suicidas. Seu caso expõe, com brutal clareza, as falhas de um sistema que insiste em punir antes de cuidar, e que transforma pessoas em números, apagando trajetórias, sonhos e dignidade.
Leia também a entrevista feita com Joanita antes de ser presa.
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