
Ana Maria Cemin – 17/03/2025
A situação não está nada boa para quatro presas políticas brasileiras que arriscaram entrar clandestinamente nos Estados Unidos com a expectativa de conseguir asilo. Elas estavam exiladas na Argentina, porém com a prisão de cinco brasileiros na Argentina no final do ano passado (que continuam no cativeiro) essas quatro mulheres arriscaram as suas vidas numa perigosa travessia até chegar no Texas, EUA, onde se entregaram para a imigração.
Desde janeiro, Michely Paiva Alves, de Limeira, SP; Raquel de Souza Lopes, de Joinville, SC; Rosana Maciel Gomes, de Goiânia, GO; e Cristiane da Silva, de Balneário Camboriú, SC, estão presas em solo americano, na cidade de El Passo, no Texas. A expectativa em relação ao asilo é praticamente nula e é forte a possibilidade de extradição das presas políticas ao Brasil nas próximas semanas.
VÓ RAQUEL
Das quatro presas políticas que estão presas desde janeiro dos Estados Unidos, entrevistei somente Raquel, que me contou sobre a sua ida a Brasília em janeiro de 2023. Essa senhora é procurada como uma criminosa “perigosa” após ter sido condenada a 16 anos de meio de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Das quatro, ela é quem tem a pena maior, então ao ler a história dela você pode entender melhor quem são essas pessoas. Em tempo: Rosana foi condenada a 13 anos e meio, Cristiane a um ano e Michely não foi julgada.
Na entrevista que me concedeu já há algum tempo, me disse que entrou num prédio público em 8 de janeiro para fugir das bombas jogadas de helicópteros pela polícia. E nas linhas seguintes ela conta a razão do seu autoexílio.
“Eu tenho 53 anos, sou Raquel de Souza Lopes, mãe de dois filhos e avó de netas de 4 aninhos. Eu trabalhava num restaurante em Joinville, SC. Por ter estado em Brasília em 8 de janeiro eu fui lesada de todas as maneiras: saúde, psicológico, emocional e no âmbito financeiro. Eu e minha família perdemos muito dinheiro. Fiquei presa sete meses em Brasília, no Presídio Colmeia, e saí de lá uma série de restrições, como uso de tornozeleira que provocava feridas no meu tornozelo.
CONVITE DO EXÉRCITO PARA ENTRAR
“Entrei no Palácio do Planalto para fugir do mal-estar provocado pelas bombas jogadas pela Polícia Federal na Praça dos Três Poderes. Entrei no prédio sem pensar, bem ingênua, sem maldade. Inclusive tinha um policial com roupa do Exército que me chamou para entrar e eu perguntei se precisava ser revistada, ao que ele respondeu prontamente que “não”. Achei até normal, porque eu não estava com mochila ou bolsa, e tinha comigo apenas o meu celular, documento e cartão de crédito. Mostrei a ele.
Ao entrar me senti segura, pois encontrei o General G. Dias logo na entrada e ele me cumprimentou. Um funcionário do Planalto me ofereceu uma garrafa com água como se já me conhecesse e eu me senti como se eu fosse bem-vinda ali.
Fiz um vídeo que confirma que eu entrei no Planalto às 15h50 com meu celular na mão, gravando o ambiente e fazendo self. Fui gravando até que acabou a bateria. Andei pelo corredor e depois me sentei no chão perto da porta de entrada da rampa de acesso.
Eu estava esperando que as bombas lá fora parassem de cair sobre os patriotas, para só então voltar para o hotel onde eu estava hospedada. Eu estava muito cansada da viagem, até porque cheguei em Brasília justamente no dia 8 de janeiro, depois de 30 horas de viagem de ônibus.
Quando estava sentada no chão, vi a chegada de uma grande quantidade de policiais. Eles entraram jogando bombas em cima de todas as pessoas que estavam ali naquele lugar fechado. Foi terrível! Comecei a tossir muito e passar muito mal, então deitei-me no chão e cheguei muito próxima a um desmaio.
“VAMOS FUZILAR TODOS VOCÊS!”
Os policiais entraram com violência e aos gritos: “Vamos fuzilar todo mundo”. E xingavam a todos nós com palavreado promíscuo. Bateram em pessoas, como a Senhora D, colocaram revólver na cabeça da Senhora V e ameaçaram atirar nela. Cai em desespero e senti muito medo frente a todo aquele cenário de horrores.
Uma das coisas que chamou a nossa atenção foi que os policiais começaram a andar entre nós, que estávamos rendidos no chão, e disseram para três homens mascarados que usavam roupa do Exército que estavam no chão conosco: “Esse é nosso, esse é nosso e esse é nosso”.
Isso mostrou que aqueles homens com roupa do Exército que nos influenciaram a entrar faziam parte daquele grupo de policial que estava naquele momento nos ameaçando. Tudo que falo pode ser confirmado em imagens que estão em um vídeo, onde podemos conferir a entrada da Tropa de Choque no Planalto em 8 de janeiro.
Depois nos algemaram e nos levaram de ônibus para uma Delegacia da Polícia Civil. Eu sentia muita vontade de ir ao banheiro, mas ninguém permitiu a ida, mesmo implorando para várias pessoas. Eu não tive outra escolha a não ser urinar na minha própria roupa, situação que me causou muito sofrimento.
Lá na Delegacia da Polícia Civil, achei que iriam pegar o meu depoimento e logo me liberar, mas não foi o que aconteceu. Apreenderam o meu celular e segui todos os procedimentos para a minha prisão, como exame de corpo delito. Nunca tinha passado por uma humilhação tão grande. Nós passamos a noite inteira em procedimento até que, por volta das 6 horas da manhã do dia 9 de janeiro eu cheguei no Presídio Colmeia, onde fiquei sete longos meses.
OS 7 MESES MAIS HORRÍVEIS NA MINHA VIDA
Logo na entrada, mandaram tirar a minha calça jeans, camiseta, sutiã e calcinha. Me deram uma bermuda e uma camiseta de uniforme do presídio. Fiquei com a mesma roupa por 16 dias e não tinha toalha para tomar banho, nem calcinha ou sutiã. Somente 20 dias depois chegaram doações de roupas íntimas.
A Audiência de Custódia demorou muitos dias para acontecer, sendo que a legislação brasileira determina ser em 24 horas.
Na ala onde fui presa junto com 172 patriotas existia apenas um (1) vaso sanitário, onde fazíamos a nossa necessidade e, ainda, estava entupido. Tivemos que fazer as nossas necessidades em sacos plásticos.
Tinha apenas dois (2) chuveiros para 172 pessoas, num verão atordoante de Brasília. A espera era de até quatro horas na fila para tomar um banho. O detalhe: no inverno era horrível, porque o banho era gelado.
A comida era igual a uma lavagem para porcos. Sem contar que eu tenho alergia a vários alimentos, como carne suína, soja, leite, glúten, cacau, feijão e amendoim). Não recebi uma dieta apropriada. O achocolatado e o pãozinho que recebia todos os dias continham leite, cacau e glúten. As carnes de suíno e de soja eram os carro-chefe do almoço e do jantar.
Já na delegacia avisei que tomo remédios controlados de uso contínuo (gabapentina, ritalina, entre outros) para um problema neurológico. Avisei também no presídio, mesmo assim não deixaram entrar a ritalina. A gabapentina entrou somente depois de três (3) meses. Tudo era uma burocracia. Passei muito mal, não conseguia dormir por causa do problema neurológico e pela tortura emocional em que fui submetida pelo sistema. Até hoje não consegui ainda voltar ao normal. Tive que abandonar o tratamento.
Vi muitas pessoas passando mal na ala, algumas desmaiavam por desnutrição, outras por pressão alta, outras por problemas de saúde que não estavam sendo tratados.
A médica da instituição ficou até dois meses em férias. Nós éramos atendidas por um enfermeiro na maioria das vezes.
Passávamos até três (3) dias sem tomar o banho de sol e na maioria das vezes era por apenas 30 minutos.
Nos obrigavam a sentar no chão quando íamos ao pátio, num piso quente, embaixo de um sol de 40°C, por um período de 30 minutos. Isso causou hemorroidas e insolação em várias mulheres.
Tenho problemas sérios de coluna L5S1, que se agravam ao ficar muito tempo sentada ou em pé. Eu vivia a base de anti-inflamatório e remédios para dor lá dentro.
A maioria dos policiais de plantão nos tratavam mal, nos xingavam e ameaçavam nos colocar junto com as presas comuns. Isso nos levava a uma tortura psicológica sem dó nem piedade.
Nos deixavam por até nove (9) horas numa sala mofada e suja no dia de falar com o advogado. Às vezes éramos esquecidas lá.
Quando nós precisávamos passar por revista íntima, as policiais ordenavam que tirássemos toda a roupa e nos abaixássemos três vezes. Ficávamos constrangidas. Não éramos acostumadas a passar por essas situações. Elas riam.
As histórias de tortura física e emocional que estes presos sofrem ou sofreram dentro de presídios brasileiros estão registradas no site.
Depois que Raquel saiu da Argentina, onde pensava estar segura, para empreender a fuga em direção aos Estados Unidos nunca mais nos falamos. Se confirmada a extradição para o Brasil, ela deve ser levada a um presídio para cumprir os 16 anos e meio de prisão.
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