
Ana Maria Cemin – 27/02/2025
Desde ontem, 26 de fevereiro, há o temor de novas prisões de presos políticos pela Polícia Federal por determinação do Gabinete do Ministro Alexandre de Moraes. Estas prisões seriam por violações de cautelares. Com essa angústia no ar, a manhã de hoje começou quente com a prisão de Gláucia Maria Rabelo Cruz, 50 anos, moradora de Praia Grande, SP. Ela é uma presa política do Inq. 4921 e foi levada pelos policiais, porém ao longo do dia o assunto foi esclarecido e retornou para casa.
Agora à tarde, foi a vez do Dr. Antônio Caliare, 58 anos, advogado, professor e radialista de Juína, MT, ser recolhido em seu escritório e levado à delgacia de polícia, sob a justificativa de quebra de medidas cautelares. A sua tornozeleira apresenta falhas de GPS e a central de monitoramento relata mais de cem episódios, justificados nos autos pelo seu advogado Dr. Hélio Júnior. No entanto, a situação de Caliare ainda está sem solução.
Consta na ordem de prisão:
O acusado deliberadamente está desrespeitando as medidas cautelares impostas nestes autos e referendadas pelo Plenário do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, revelando seu completo desprezo por esta SUPREMA CORTE e pelo Poder Judiciário… Em 10/1/2025, alertei o réu sobre a necessidade de justificar os descumprimentos relatados, sob pena de decretação imediata da prisão (eDoc. 69), entretanto, limitou-se a prestar justificativas genéricas. Imprescindível, ainda, a realização de novas diligências, inclusive com o afastamento excepcional de garantias individuais, que não podem ser utilizadas como um verdadeiro escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito (HC nº 70.814- 5/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, DJ de 24/6/1994). Assim, torna-se necessário, adequado e urgente o bloqueio imediato das contas bancárias e demais ativos financeiros do réu, além do bloqueio de bens móveis e imóveis, a fim de assegurar a eficácia da persecução penal. Diante do exposto, com fundamento no art. 21 do Regimento Interno deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DECRETO a prisão preventiva de ANTONIO VALDENIR CALIARE . Expeça-se o mandado, destinado à Polícia Federal”
QUEM É CALIARE E COMO TORNOU-SE UM RÉU DO INQ. 4921
Caliare é da área de comunicação há pelo menos 20 anos e atua na Rádio Comunitária Metropolitana de Juína, onde narra e comenta futebol, além de fazer matérias jornalísticas. Sua principal atividade, no entanto, ocorre no escritório de advocacia.

Ao ir à Brasília no início do ano de 2023, para a manifestação na Praça dos Três Poderes, Dr. Caliare jamais imaginaria ser preso. Inicialmente ficou preso dentro do Ginásio da Polícia Federal junto com outras 2 mil pessoas, inclusive crianças e idosos. Depois foi ao presídio, de onde saiu no dia 1º de março de 2023, mesmo sendo safenado e tendo parecer favorável de soltura desde o dia 26 de janeiro. Foram 52 dias de prisão.

Desde então, Dr. Caliare não pode sair de sua comarca, das 22 horas da noite às 5 horas é obrigado a permanecer em sua residência, e está proibido de colocar o pé fora da porta de sua residência nos finais de semana. Sobre a OAB, o advogado diz que é uma instituição que tem sido insuficiente, pois não faz os enfrentamentos necessários para defender as prerrogativas de seus membros.
Na opinião do advogado, as pessoas que vandalizaram e quebraram devem responder pelos seus crimes, mas ele não vê qualquer possibilidade de associar o ocorrido em Brasília como um golpe de estado, porque não havia a presença do Exército.
“Sendo assim, se eu tivesse cometido os crimes que eu seu que não cometi, eu deveria ter assinado e vindo embora para casa. Caberia, então, ao Estado Brasileiro provar que eu cometi esses crimes. Mas pela ordem escrachada do ministro Alexandre de Morares eu fui preso por 52 dias atrás de grades, vivendo as agruras de uma prisão, que eu não desejo para ninguém. E ainda estou com as cautelares e a tornozeleira eletrônica até hoje”.
CONTEÚDO EXTRA: RESUMO DE PROGRAMA DE TV CONCEDIDO PELO DR. CALIARE
Além de entrevista o Dr. Caliare, também assisti e resumi uma entrevista que ele concedeu para a TV Cidade de Juína no dia 23 de janeiro de 2024. O link: https://www.youtube.com/watch?v=fBG4G7DV1j8
- O Dr. Caliare chegou no acampamento de Brasília por volta das 9 horas do dia 8 de janeiro. Por volta das 14h desceu em marcha para a Praça dos Três Poderes. Foi participar da manifestação pacífica e ordeira, e fazer cobertura jornalística para a Rádio Metropolitana. Já tinha estado em Brasília com esse objetivo de noticiar por duas vezes.
- Na praça, assistiu o conflito com a Polícia Federal e das demais forças armadas. Viu que tinha pessoas quebrando, mas diz ser impossível saber se eram ou não patriotas, porque quem foi para Brasília não conhecia a maioria das pessoas que lá estavam. Era o seu caso.
- Ao retornar à Praça dos Cristais, viu a polícia cercar o QG e utilizar helicópteros em sobrevoo, o que durou a madrugada inteira.
- Por três vezes, Dr. Caliare teve a possibilidade de fugir do QG e voltar para casa, mas se considera um cidadão e não abandonou seus colegas de manifestação e não viu razão para fugir. “Eu assumo os meus atos. Se fomos junto, vamos voltar juntos”, diz o advogado.
- Cedo, no dia 9 de janeiro, foram convidados pelo Exército Brasileiro para que entrassem em ônibus para serem conduzidos para um local seguro e liberados a voltar para suas casas.
- Ao entrarem nos ônibus, diz que sentiu que o Estado Brasileiro estava exibindo os seus presos pelas ruas de Brasília como se fossem troféus de uma conquista. Depois de rodarem muito, sem as mínimas condições sanitárias, com sede e fome dentro dos veículos, foram levados para Polícia Civil e, depois, para o Ginásio da Polícia Federal, onde ficaram sem comer. À tardinha, chegaram marmitas com uma comida muito ruim que foi ingerida somente pelas condições de fome. 2 mil pessoas estavam presas no local.
- Na madrugada do dia 10 de janeiro, Dr. Caliare foi para a fila de triagem da PF e lá recebeu a voz de prisão por “depredar o patrimônio público” e por “tentar derrubar o governo”. Nas palavras do advogado: “Eu não sou a favor do governo que aí está, mas também não estava em Brasília para bancar o terror contra ninguém. Fui para manifestar a minha insatisfação em relação ao governo, por não concordar com as pautas que prega. Discordar é uma coisa, agir de forma destrutiva é outra completamente diferente e eu não concordo com esse tipo de atitude. E outra, eu não entrei em nenhuma das casas da República. Fiquei na avenida e na praça, mas assim mesmo fui preso”.
- Lá no Ginásio, ele se negou a assinar um termo de culpa, porque como advogado sabia que não devia criar provas contra si.
- Passou-se um ano e ele continua tornozelado por defender os direitos do cidadão brasileiro de liberdade de ir e vir e, também, a liberdade de expressão. Pelas palavras dele: “Agora sou eu que tenho a minha liberdade restrita, mas num breve espaço de tempo, se as coisas continuarem como estão, todos terão as suas liberdades vigiadas.”
- Essa não é uma prisão por termos cometido crime, é uma prisão política, segundo o advogado.
- Ele não falou para ninguém que era professor, advogado e radialista. Ficou junto com todas as pessoas e foi levado para o CDP II do Presídio Papuda, onde permaneceu por dois dias. Ficou numa cela para oito pessoas em 18 presos políticos, mais do que o dobro da capacidade. Não tinha água a não ser a da única torneira. Não tinha descarga para o vaso sanitário, portanto depois de defecar era preciso encher um caneco com água e jogar no local para os dejetos saírem, além de dormirem em dois num colchão de solteiro. Diz que foi um verdadeiro suplício.
- Quando souberam que Caliare era advogado, o levaram para o Batalhão da Polícia Militar que também fica no Complexo Papuda. Lá ficou 50 dias preso.
- Segue preso com tornozeleira, com as suas liberdades restritas, mas não se arrepende de ter estado lá. Se tivesse que ir, iria novamente em defesa da família, da pátria, da liberdade. “Eu dou a minha vida. Eu não vou desistir de lutar”, diz ele.
- O advogado sente orgulho de ter sido testemunha ocular da manifestação de 8 de janeiro. “As pessoas foram de forma ordeira e pacífica para a Praça dos Três Poderes em marcha e clamor pela liberdade, pátria livre de corrupção e em desenvolvimento. Devemos lutar por aquilo que é mais sagrado. O Brasil ainda tem jeito apesar dos pesares. As fases são cíclicas e ainda podemos ter um País com condições de vida dignas para todos os brasileiros, com saúde e trabalho para o seu sustento”, declarou.
- O advogado está revoltado com a forma de condução de todo o processo de 8 de janeiro. “Rasgaram a nossa Constituição e o Código de Processo Penal. Não individualizaram as condutas. Estávamos em milhares de pessoas e colocaram todos numa vala comum. Coloca num balaio e manda pena para todo mundo”.
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