
Ana Maria Cemin – 01/08/2025
Condenada pelo Supremo Tribunal Federal a 13 anos e 6 meses de prisão, a brasileira Crisleide Gregorio Ramos escreve do exílio — alternativa que encontrou para preservar sua liberdade diante do que considera uma injustiça histórica. A carta que agora compartilha com a jornalista Ana Maria Cemin não é apenas uma manifestação pessoal, mas um apelo por compreensão e reconciliação nacional.
Em meio a um cenário de polarização e profundas divisões, Crisleide reconhece o peso da condenação que recebeu e, com sinceridade, relata sua trajetória, seus sentimentos e suas convicções. A carta é publicada com sua autorização e pretende abrir espaço ao debate necessário sobre os acontecimentos de janeiro de 2023 e suas consequências.
Sem revanchismo ou rancor, o texto revela a esperança de que o Brasil encontre caminhos de pacificação — entre eles, a construção de uma proposta de anistia que alcance os envolvidos, como gesto de reconstrução institucional e social. Em suas palavras, Crisleide expressa o desejo de que o país volte a se unir em torno da liberdade, da justiça e da verdade, abandonando as feridas de um tempo marcado por conflitos e incompreensões.
“Olá, população brasileira!
Meu nome é Cris Leite Gregório Ramos, tenho 30 anos, sou brasileira, natural da Bahia, e morava em Campinas, São Paulo. Venho, através dessa carta, resumir o que está acontecendo na minha vida nesses quase 2 anos e 8 meses após o dia 08/01/2023.
No dia 8 de janeiro, fui presa dentro do prédio do Palácio do Planalto. Fui lá para salvar a minha vida porque eu estava na Praça dos Três Poderes, e os policiais, de dentro de helicópteros, começaram a soltar bombas e dar tiros nas pessoas que estavam na praça. Então entrei no prédio para salvar a minha vida, mas também porque um policial estava chamando todos para entrarem.
Naquele dia, sofremos todo tipo de humilhação. Ao sair do Planalto, fomos para a delegacia e, depois, para os presídios. Dentro da Colmeia, fiquei 214 dias presa. Nesses 7 meses, passei por todo tipo de agressão e sofrimento de saúde, sem atendimento. Tenho problema de coração e não recebi nenhum atendimento médico.
Passamos fome, frio, saudade da família, e fora o fato de estar ali presa sem dever nada. Parte da alimentação que nos serviam continha plástico, vidro, pedra, bicho… tudo que você pode imaginar que não prestava tinha na comida. Fora a humilhação: havia policial que colocava nossa comida no chão e nós éramos obrigados a pegar a comida no chão!
Eu não conseguia comer. No meu caso, emagreci 20 kg. Sofri racismo de uma policial porque eu tenho cabelo black, e ela era uma senhora branca, de cabelo loiro e olhos claros. Veio com racismo para cima de mim por causa do meu cabelo, só porque eu tenho cabelo de negro. Então até isso eu passei.
Infelizmente, saí com tornozeleira eletrônica. Na minha cidade, o horário era das 6h da manhã até às 19h da noite; depois disso, tinha que ficar dentro de casa. Passei muitas humilhações, muita necessidade para arrumar trabalho — tudo era muito complicado.
Além disso, nas segundas-feiras, tinha que ir até o fórum para assinar. Fiquei 8 meses usando a tornozeleira e assinando todas as segundas-feiras.
No julgamento, fui condenada a 13 anos e 6 meses. A única opção que eu tinha, no momento era sair do país e abandonar minha família e minha casa. Foi a única escolha que eu tinha.
Saí do meu país porque eu sei que não aguentaria uma cadeia novamente. Já tem 1 ano e 2 meses que estou na Argentina, mas também estou vivendo uma liberdade falsa, porque 24 horas por dia estou preocupada com a família que está longe, preocupada se eu não vou ser presa aqui porque existe um pedido de extradição.
Meu nome está na lista dessas mais de 60 pessoas que receberam um pedido de extradição do governo brasileiro. Há 5 pessoas presas aqui por causa dessa lista que o ministro enviou para a Argentina. Então é uma liberdade entre aspas.
Tenho preocupação com as pessoas que ficaram presas até hoje desde o dia 8 de janeiro e que não saíram, e com as outras que voltaram para os presídios, e com as pessoas que estão presas aqui na Argentina. Enfim, me preocupo com todos os que estão espalhados pelo mundo pedindo asilo político.
Também há a questão de estar em outro país: as necessidades financeiras, o clima aqui é muito frio, a comida é diferente — tudo que vocês imaginarem aqui é diferente. Não está fácil. Esses 2 anos e 8 meses da nossa vida têm sido muito complicados.
A única coisa que desejo do fundo do coração é que vocês lutem por nós, porque não podemos fazer nada de longe, mas vocês estão no Brasil e podem lutar.
O que está acontecendo com o nosso representante, o Bolsonaro, neste momento, pode chegar até vocês e a toda a população brasileira.
Fora censuras, taxas… Então está na hora de vocês despertarem, está na hora de vocês irem para as ruas.
A única coisa que eu desejo, do fundo do meu coração, é que vocês não cheguem à situação que estamos vivendo — de serem presos, de passarem necessidades, e de terem que abandonar sua família, abandonar o seu país, por causa da censura, por causa da ditadura que o Brasil está se tornando.
Então a única coisa que eu peço é que vocês vão para as ruas e lutem pela sua família, pelos seus filhos e netos, pelo próximo. Porque, se não for agora, não vai ser mais.
O Brasil vai se tornar uma Venezuela. Então este é o único momento que temos para lutar, e é agora.
A população está acordando — vá para as ruas! Faça um esforço, faça um sacrifício.
Não é só por nós, não é só pela vida do Clezão, que foi assassinado dentro da Papuda, é pelas outras pessoas que foram mortas usando tornozeleira.
Então, população brasileira, o que vai acontecer no país será bem pior, se não for agora.
Se não for agora, nunca mais!
Então, desperte, Brasil! Vá para as ruas, lute! Chegou a hora de todos vocês lutarem pelo futuro da nação!
Dia 03 de agosto de 2025 — todos nas ruas pela liberdade do Brasil!
Muito obrigada a todos pelas orações. Que Deus abençoe a vida de todos!
Deus, pátria, família e liberdade.
Anistia já para todos os presos do 8 de janeiro.
— Chrisley de Gregório Ramos (@patriotaboneca)”
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