Ana Maria Cemin – 17/10/2024
Desde 14 de outubro, Raquel de Souza Lopes é procurada pela Polícia Federal para ser presa, por ordem do Gabinete do Ministro Alexandre de Moraes.
Ela foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a cumprir uma pena de 16 anos e meio de prisão, pagar multa de aproximadamente R$ 47 mil e dividir com os demais condenados do Inq. 4922 uma indenização de R$ 30 milhões (se forem 200 condenados, fica R$ 150 mil para a Raquel pagar ao governo).
Raquel foi condenada por entrar num prédio público em 8 de janeiro, fugindo das bombas jogadas de helicópteros pela polícia.
Virou ré ao ser acusada pela Procuradoria-Geral da União de cometer os crimes de abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada.
“Eu saí do Brasil para não voltar ao presídio e com muita dificuldade cheguei na Argentina, deixando as minhas netas sem os meus cuidados, porque eu ficava com elas todas as tardes para os pais trabalharem. Eu cruzei a fronteira seca do Uruguai ainda e 1º de março e depois de uma semana cheguei aqui. Sinto muita dificuldade para me adaptar, por não saber falar a Língua Espanhola, sem contar que não há trabalho, minha família está longe e é difícil ter atendimento médico e acesso aos medicamentos que preciso tomar”, relata Raquel.
CONHEÇA A HISTÓRIA DA PERIGOSA RAQUEL
“Eu tenho 52 anos, sou mãe de dois filhos e avó de netas de 3 aninhos. Eu trabalhava num restaurante em Joinville, SC, mas por ter estado em Brasília em 8 de janeiro do ano passado minha vida mudou. Fui lesada de todas as maneiras: saúde, psicológico, emocional e no âmbito financeiro.
Eu e minha família perdemos muito dinheiro. Fiquei presa sete meses em Brasília, no Presídio Colmeia, e saí de lá uma série de restrições, como uso de tornozeleira que provocava feridas no meu tornozelo. Precisei ir todas as segundas-feiras no Fórum para assinar um documento.
Tudo isso por ter entrado no Palácio do Planalto para fugir do mal-estar provocado pelas bombas jogadas pela Polícia Federal na Praça dos Três Poderes.
Entrei sem pensar, bem ingênua, sem maldade. Inclusive tinha um policial com roupa do Exército que me chamou para entrar e eu perguntei se precisava ser revistada, ao que ele respondeu prontamente que “não”. Achei até normal, porque tinha comigo apenas o meu celular, documento e cartão de crédito. Mostrei a ele.
Quando entrei no prédio, me senti segura, pois encontrei o General G. Dias logo na entrada, que me cumprimentou. Um funcionário do Planalto me ofereceu uma garrafa com água como se já me conhecesse, e eu me senti como se eu fosse bem-vinda ali. Depois disso, encontrei ele várias vezes nos corredores. É possível conferir em vídeos publicados em rede nacional e internacional, como a CNN do Brasil.
BOMBAS JOGADAS DENTRO DO PLANALTO
Fiz um vídeo que confirma que eu entrei no Planalto às 15h50 com meu celular na mão, gravando o ambiente e fazendo self. Fui gravando até que acabou a bateria. Andei pelo corredor e depois me sentei no chão perto da porta de entrada da rampa de acesso.
Eu estava esperando que as bombas lá fora parassem de cair sobre os patriotas, para só então voltar para o hotel onde eu estava hospedada. Eu estava muito cansada da viagem, até porque cheguei em Brasília justamente no dia 8 de janeiro, depois de 30 horas de viagem de ônibus.
Quando estava sentada no chão, vi a chegada de uma grande quantidade de policiais. Eles entraram jogando bombas em cima de todas as pessoas que estavam ali naquele lugar fechado. Foi terrível! Comecei a tossir muito e passar muito mal, então deitei-me no chão e cheguei muito próxima a um desmaio.
“VAMOS FUZILAR TODOS VOCÊS!”
Os policiais entraram com violência e aos gritos: “Vamos fuzilar todo mundo”. E xingavam a todos nós com palavreado promíscuo. Bateram em pessoas, como a Senhora D, colocaram revólver na cabeça da Senhora V e ameaçaram atirar nela. Cai em desespero e senti muito medo frente a todo aquele cenário de horrores.
Uma das coisas que chamou a nossa atenção foi que os policiais começaram a andar entre nós, rendidos no chão, e diziam para três homens mascarados que usavam roupa do Exército que estavam no chão conosco: “Esse é nosso, esse é nosso e esse é nosso”. Isso mostrou que aqueles homens com roupa do Exército que nos influenciaram a entrar faziam parte daquele grupo de policial que estava naquele momento nos ameaçando. Tudo que falo pode ser confirmado em imagens que estão em um vídeo, onde podemos conferir a entrada da Tropa de Choque no Planalto em 8 de janeiro.
Depois algemaram todo mundo e mandaram entrar em um ônibus rumo à Delegacia da Polícia Civil. Durante todo esse processo, eu sentia muita vontade de ir ao banheiro, mas ninguém permitiu a ida, isso que eu implorei para várias pessoas. Eu não tive outra escolha a não ser urinar na minha própria roupa, situação que me causou muito sofrimento.
Lá na Delegacia da Polícia Civil, achei que iriam pegar o meu depoimento e logo me liberar, mas não foi o que aconteceu. Apreenderam o meu celular e segui todos os procedimentos para a minha prisão, como exame de corpo delito. Nunca tinha passado por uma humilhação tão grande nos meus 51 anos. Nós passamos a noite inteira em procedimento até que, por volta das 6 horas da manhã do dia 9 de janeiro eu cheguei no Presídio Colmeia, onde fiquei sete longos meses.
SETE MESES NO PRESÍDIO
Logo na entrada do Presídio Colmeia, mandaram tirar a minha calça jeans, camiseta, sutiã e calcinha. Me deram uma bermuda e uma camiseta de uniforme do presídio. Fiquei com a mesma roupa por 16 dias e não tinha toalha para tomar banho, nem calcinha ou sutiã. Somente 20 dias depois chegaram doações de roupas íntimas.
Fui para uma ala com 172 patriotas, com um único vaso sanitário, onde fazíamos a nossa necessidade e, ainda, estava entupido. Tivemos que fazer as nossas necessidades em sacos plásticos. Para o banho, tínhamos dois chuveiros, num verão atordoante de Brasília, o que resultava numa espera de até quatro horas na fila.
A comida era igual a uma lavagem para porcos. Sem contar que eu tenho alergia a vários alimentos, como carne suína, soja, leite, glúten, cacau, feijão e amendoim). Não recebi uma dieta apropriada.
Eu uso remédios controlados de uso contínuo (gabapentina, ritalina, entre outros) para um problema neurológico, mas não deixaram entrar a ritalina. A gabapentina entrou somente depois de três (3) meses. Tudo era uma burocracia. Passei muito mal lá dentro. Não só eu…vi muitas pessoas passando mal na ala, algumas desmaiavam por desnutrição, outras por pressão alta, outras por problemas de saúde que não estavam sendo tratados. A médica da instituição ficou até dois meses em férias e nós éramos atendidas por um enfermeiro na maioria das vezes.
Passávamos até três dias sem tomar o banho de sol e na maioria das vezes era por apenas 30 minutos. Nos obrigavam a sentar no chão quando íamos ao pátio, num piso quente, embaixo de um sol de 40°C e isso causou hemorroidas e insolação em várias mulheres.
Lembro que a maioria dos policiais de plantão nos tratava mal, xinga e ameaçava nos colocar junto com as presas comuns. Isso nos levava a uma tortura psicológica sem dó nem piedade. Nos deixavam esperando por até nove horas numa sala mofada e suja no dia de falar com o advogado. Às vezes éramos esquecidas lá.
Quando nós precisávamos passar por revista íntima, as policiais ordenavam que tirássemos toda a roupa e nos abaixássemos três vezes. Ficávamos constrangidas. Não éramos acostumadas a passar por essas situações. Elas riam. Jamais esqueceremos o que vivemos no Colmeia e a possibilidade concreta de voltar ao presídio, por crimes que não cometi, me obrigou a pedir asilo aqui na Argentina”, conclui.