“VAI MORRER GENTE AQUI NA ARGENTINA!”

Ana Maria Cemin – 18/11/2024

O pânico tomou conta dos mais de 300 presos políticos (estimativa) que se encontram exilados na Argentina desde que Rodrigo Moro, 35 anos, e de Joelton Gusmão de Oliveira, 47 anos, foram presos pela polícia da província de La Plata.

Ambos tinham documentação provisória de solicitação de refúgio para viverem no país vizinho, porém ao comparecerem para renovar o documento provisório foram presos e levados para a delegacia. As prisões ocorreram nas instalações da Comissão Nacional de Refugiados (CONARE) na quinta-feira e sexta-feira.

Diante dessa situação, quem tem o documento provisório para estar em dia em solo argentino e poder viver sem problemas com a justiça, não poderá renová-lo até saber qual o posicionamento do presidente Javier Milei. O governo argentino, até o momento, parece cumprir o pedido de extradição de 61 presos políticos, iniciando com a prisão dessas pessoas.

Conversamos com o corretor de seguros Gilberto Ackermann, 50 anos, que foi condenado a 16 anos e meio de prisão pelo Supremo Tribunal Federal por estar se defendendo das bombas e tiros da polícia dentro do Palácio do Planalto na tarde de 8 de janeiro.

Ackermann concedeu uma breve entrevista antes de sair de sua residência com destino indeterminado. “Vou desaparecer”, disse ele, ao explicar que está entre esses 61 patriotas que podem ser presos a qualquer momento pela polícia da Argentina, assim como Rodrigo e Joelton foram presos, sem perspectiva de serem libertos. A saída, segundo ele, é se esconder, porque voltar para um presídio está fora de questão.

A seguir, a conversa com Gilberto, casado há 25 anos com Fernanda, 47 anos, e pai de Maria Fernanda, 19 anos, e Matheus, 12 anos. Cursilhista desde 1997, ele é católico praticante. Ele ficou no cárcere de 08.01.2023 a 09.08.2023 no Presídio Papuda e, depois de perceber que voltaria para a prisão para cumprir uma longa pena, cortou a tornozeleira eletrônica e migrou para a Argentina, aonde chegou em 07.04.2024. O governo brasileiro tentou incluir o patriota na lista da Interpol, porém a própria instituição internacional disse que não prende pessoas por crime de opinião. Agora, ele foge em função do pedido de extradição feito via Itamarati.

“Estamos arrumando as nossas coisas, porque mesmo com o nosso aluguel pago, nós temos que sair daqui. Nossos nomes estão na lista dos 61 e a polícia pode bater aqui a qualquer momento. O pânico é geral entre todos nós. Falei há poucos dias para um senador que os exilados políticos, aqui na Argentina, estão numa situação psicológica insustentável. As prisões de Joelton e Rodrigo, que estavam legalmente aqui, só piorou a situação. Agora o copo transbordou e eu vou avisar: Vai morrer patriota aqui na Argentina! Da mesma forma que avisei no ano passado, lá dentro do Papuda, na visita dos parlamentares, que ia morrer gente lá dentro, pelas condições precárias, agora aviso novamente.

O pedido de extradição encaminhado pela Advocacia Geral da União para o governo da Argentina pressupõe que primeiro eles nos prendem para depois iniciar o processo de extradição. Porém, a prisão de pessoas como nós, que não representam risco à sociedade, deveria ser apenas pelo período de verificação. E a gente entende que deva ser feito isso: se entre os brasileiros se encontrar um criminoso que matou, roubou, estuprou ou traficou, é justo que ele fique apartado do ambiente social. Não é o nosso caso e, tecnicamente, tanto Rodrigo quanto Joelton já deveriam estar respondendo esse processo de extradição soltos.

Isso nos parece uma traição orquestrada por integrantes da esquerda aqui na região de La Plata. A ex-presidente Dilma esteve aqui na região há dois meses falando com o governador da Província de Buenos Aires.  O Joelton está aqui com a esposa e filhos, e não oferece risco, não é bandido. Na audiência de custódia, o próprio delegado disse que não é crime ter opinião, e mesmo assim manteve o Joelton preso. Por isso, achamos que tem a mão da esquerda nessas prisões aqui na Argentina também.

Frente a esses acontecimentos, hoje todos nós tememos a renovação dos nossos documentos, porque vamos ficar retidos e isso é como uma pena de morte. O Ângelo Sotero de Lima, por exemplo, que está aqui e veio do Brasil comigo, é pai de família, avô de cinco netos e um cantor profissional. Qual o risco que oferece para a sociedade? Ele tem 59 anos e se voltar para a cadeia para cumprir uma pena de 16 anos e meio é praticamente uma pena de morte.

Gilberto e Ângelo se conheceram no Presídio Papuda. Foram condenados pelo STF e hoje se encontram na Argentina. Estão em fuga, porque estão na lista de extradição para o Brasil.

Só quem viveu como nós dentro do presídio sabe o que é isso. E todos que estão aqui na Argentina estiveram no cárcere por ordem do governo Lula, que quer nos levar novamente para presídios, e eu sei que tem gente que não vai aguentar.

As pessoas estão abaladas psicologicamente por sofrerem injustiças e fugiram do país largando tudo. E quando eu falo tudo é tudo mesmo:  trabalho, estabilidade e família.

Quando eu vou comprar pão hoje eu nem sei quantos compro, porque não sei se vou estar aqui nesse lugar amanhã. Nós não sabemos nada do nosso amanhã, não temos um norte. Somos pessoas sem um futuro. Essas condições são desesperadoras. Nos últimos dias, os nossos telefones não paravam de tocar porque os exilados queriam alguma informação, que nós não temos.

Quem está aqui é gente muito humilde. Muitos dizem que vão se matar antes de voltar para um presídio. Dizem que não vão se entregar, que vão fugir e alguns estão com ideias absurdas que colocam suas vidas em grandes riscos. Por isso eu volto a dizer: estou com uma forte sensação de que pessoas inocentes, sequestradas, acusadas e condenadas pelo governo brasileiro estão em risco de  vida. Essa caçada pode resultar em tragédia, porque o estado psicológico está muito alterado, de uma maneira em geral.

Eu quero saber até que ponto a gente está sendo usado por políticos e outras pessoas!

Estamos à beira de um colapso!

A vida dessas pessoas se resume a esperar e mudar de um lado para o outro em busca de alguma segurança. Quem está por essas pessoas?

A gente pode confiar em pouquíssimas pessoas, porque têm pessoas que usaram a gente de vitrine ou que nos tratam como leprosos. Isso vale para parlamentares, mas serve para os nossos familiares e para os que se diziam amigos. Hoje a gente tem uma leitura certinha de quem é quem.

Nós não cometemos crime algum e passamos sete meses dentro de um presídio, um local doentio, um ambiente hostil. Nós passamos fome, morreu o Clezão lá dentro e agora a gente sente que está morrendo um pouco a cada dia aqui, sem saber o que vai acontecer conosco, num país estranho. Não temos trabalho…e agora estamos com essa ameaça de prisão a qualquer momento.

Se é para voltar para o inferno, de uma maneira injusta, ou morrer, então eu juro que eu prefiro morrer. E sei que esse é o sentimento várias pessoas. Talvez se eu nunca tivesse entrado num presídio, se eu nunca tivesse passado fome, nunca tivesse sido humilhado enquanto cidadão, talvez eu até ficaria esperando me prenderem aqui na Argentina.

O que a gente espera dos brasileiros é que acordem e defendam o que é certo, o que é constitucional. Nós, os presos políticos, precisamos que o Brasil acorde, porque já perdemos muito. Eu, por exemplo, perdi meu pai e não pude me despedir. Cheguei aqui na Argentina no dia 7 de abril e oito dias depois meu pai morreu. Não pude estar perto do Seu Jens nos seus últimos momentos, não pude abraçar meus familiares. Assim como eu tenho histórias tristes, todos têm para contar, porque não estamos vivendo uma vida normal. Estamos sendo perseguidos e injustiçados, e a nossa forma de resolver o nosso problema é fugir porque sabemos que não há lei para nós.

O pai de Gilberto, o Seu Jens, faleceu oito dias depois que ele chegou na Argentina para pedir asilo político.

3 comentários sobre ““VAI MORRER GENTE AQUI NA ARGENTINA!”

  1. Waldiria Ackermann

    Muito triste o que está acontecendo com os asilados patriotas na Argentina. Que Deus tenha misericórdia e compaixão de todos
    Como também de suas famílias, pois sou mãe de Gilberto Ackermann e sei bem a dor que estou sentindo. Nunca imaginei passar por isto.😢 Deus é mais🙏🏻🙏🏻🙏🏻

  2. Marcia Bezerra de Mello

    Ditadura! É o sistema de governo em que você não tem direito a opinião nem a manifestar-se . Um país onde soltam criminosos, traficantes e estupradores e condenados por corrupção e prendem senhorinhas com terço e bíblia, moradores de rua, pipoqueiros e patriotas que apenas se manifestaram contra o sistema de votação e a absurda soltura inconstitucional do presidiário condenado em todas as instâncias da justiça

  3. Carlos Antonio De Toledo

    Esta situaçào tào delicada e dolorosa, que diretamente e indiretamente tem machucado emocionalmente psicologicamente e financeiramente tantas pessoas inocentes e indefesas, Chegou em um ponto inssuportavel de ver tanta maldade e injutisça, Pessoas da esquerda e da direita, temos que nos concientizar que todos os cidadoès Brasileiros estao correndo estes mesmos risco, afinal aonde ta a DEMOCRACIA DO NOSSO BRASIL, AONDE TA O AMOR E O RESPEITO PELOS CIDADOES DO NOSSO BRASIL QUE FORAM JULGADOS E CONDENADOS, COM PENAS SEVERAS POR COMETER UM ATO POLITICO.( SENHOR JESUS CRISTO ) AJUDE NOS A TER UMA PATRIA GOVERNADA POR HOMEMS DE BOM CORAÇAO E QUE TENHAM EXPERIENCIA DE VIDA PARA SABER DISDINGUIR A DIFERENÇA DE PESSOAS DO BEM E DO MAL.

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