
(“Fernando Pessoa”)*
Senhora,
A ti me dirijo, não como acusador, mas como poeta que vê o abismo entre o que é humano e o que se tornou o avesso disso: o desumano.
Escrevo-te, porque do teu ventre nasceu um homem. E o ventre materno é o primeiro templo da humanidade: nele se aprende a batida do coração, a cadência da vida, a promessa da continuidade. Foi nesse templo que a senhora gestou um menino e, como todas as mães, sonhou que ele fosse justo, que sua inteligência servisse ao bem, que sua força fosse abrigo dos frágeis.
Mas o tempo e as escolhas transformaram esse menino em juiz de homens e, mais grave, em ministro que esqueceu aquilo que, em sua simplicidade de mãe, certamente lhe ensinou: que a lei existe para proteger e não para destruir.
Não redijo este apelo para que o renegues; escrevo para que o salves. Pois só uma mãe pode atravessar as trevas da alma de um filho. Só o teu amor pode ser o espelho que o obrigue a ver-se como é: não o guardião da Justiça, mas o algoz da liberdade.
Do teu parto veio ao mundo um filho que, na infância, talvez brincasse entre risos, tivesse os olhos puros de quem ainda não conhece a sede do poder. Mas esse filho, um dia, vestiu a toga como quem veste uma sombra e deixou que a escuridão o devorasse.
Suplico-lhe, então, como quem fala ao destino, porque sei que não escrevo apenas a ti, mas à ferida secreta que em ti jorra sangue e lágrimas. Um filho não deixa de sê-lo, mesmo quando se torna verdugo. Sei ainda que, no ventre das mães, não se gera apenas a vida e a humanidade, mas também os algozes da história.
Teu filho, Alexandre, fez da justiça pedra fria, e sobre ela esmagou os frágeis. Eram seres humanos! Velhos enfermos, mães sem os filhos, jovens sem defesa… e o mundo viu.
Não se viram apenas julgamentos estranhos às leis, mas, principalmente, destinos arruinados. As mães do 8 de janeiro, que são também tuas irmãs no mistério da maternidade, ainda choram com os filhos arrancados à fórceps da liberdade e da inocência.
Sob o nome de Alexandre praticaram-se prisões arbitrárias, julgamentos sem contraditório, recusas de provas e testemunhas, progressões de regime negadas, acordos cumpridos depois rasgados. Sob sua caneta, chamaram de terroristas homens e mulheres que ainda não haviam sido julgados. Sob sua autoridade, mães foram separadas de filhos, idosos privados de remédios, mulheres encarceradas sem absorventes íntimos, famílias reduzidas à miséria moral e material.
Mas tu, senhora, certamente viste de outro modo: viste como mãe. E, no pranto das mulheres do 8 de janeiro, reconheceste o teu próprio choro. O espelho cruel devolveu-te o reflexo do colapso de ti mesma. Tens em tuas entranhas a contradição mais cruel: geraste um homem que renegou a humanidade.
Sei que, em tua dor, te identificas com aquelas outras mães que não vestem togas, não falam em tribunais, mas choram na solidão das celas de seus filhos. Tu és mãe como elas. E sabes que o amor não justifica o erro, mas é capaz de despertar uma consciência.
Como já disse, não te escrevo para maldizer teu filho. Clamo para dizer que ainda há tempo. Porque até o mais cruel dos homens pode ouvir a oração de uma mãe. Até a pedra pode recordar que um dia foi pó. Até o supremo ministro pode recordar que um dia foi criança de uma mãe.
Certamente, essa é a dor que te consome: amar quem o mundo rejeita.
Senhora, o tempo urge: a condenação do hoje homem-ministro não escapará de um novo capítulo de Nuremberg, onde os réus disseram: “cumpríamos ordens”. Pois nenhuma ordem lava a culpa. Hoje, o teu filho caminha pelo mesmo corredor estreito dos que, na história, confundiram autoridade com tirania. As algemas já lhes foram postas: condenado como violador de direitos humanos, nome inscrito entre os que esqueceram a dignidade humana. E o peso dessa sentença não é apenas dele. É nosso, que o sofremos.
Por isso te escrevo: ergue tua voz como quem ergue um espelho. Aponta-lhe o rosto do menino que já foi. Mostra-lhe que as mães do 8 de janeiro são tuas irmãs. Ensina-lhe novamente que a vida não é toga, a justiça não é vingança.
Senhora, o teu ventre carregou esse menino. Agora é a tua alma que pode gerar, de novo, um homem. Como mãe, ainda podes guardar em ti a esperança, os sonhos. Porque a mãe, mesmo diante do monstro, ainda vê a criança. Talvez por isso eu te diga, como já disse de mim: “Tenho em mim todos os sonhos do mundo.”
E, entre eles, certamente sonhas que teu filho desperte do abismo. Sei que sonhas, em noites claras e longas, que teu pranto não seja apenas o de uma mãe sozinha, mas o de todas as mães unidas, as que perderam filhos nas prisões e as que, como tu, perderam o filho para as trevas.
Lembro-te de que ainda tens o poder que nenhuma toga carrega: o poder de mãe. Pede ao teu filho que pare, que repense seu destino, antes que o julgamento final o alcance. Não o julgamento dos homens, mas o da eternidade.
Senhora, esta carta é um apelo: que o teu coração de mãe se una ao das mães do 8 de janeiro. Que juntas, como coro de justiça, se levantem para redimir não apenas os filhos encarcerados, mas também o filho que criaste e que se perdeu no labirinto da tirania.
Que ele saiba, pela tua voz, que ainda há tempo de escolher entre ser lembrado como juiz ou como carrasco, entre ser tirano ou homem. E se ele não ouvir tua voz, que ao menos escute de tua boca o eco do que escreveu Rui Barbosa: “A força do direito deve superar o direito da força.”
Porque nenhum poder, por mais que se esconda sob capas pretas e símbolos dourados, resistirá ao julgamento da História, nem ao veredito das mães que choram. Porque, no fim, não há lei mais alta que esta: a justiça é filha do ventre materno, e só quem aprende com a mãe sabe ser humano.
Com a fé de quem crê no poder redentor da maternidade e com a dor que não cabe na palavra,
assino-me.
*Explicação do Texto: Uma Súplica Poética à Mãe de Alexandre de Moraes
Este texto é uma manifestação literária e simbólica que busca transcender os limites institucionais da Justiça brasileira. Ao dirigir-se à mãe de Alexandre de Moraes, o autor propõe uma reflexão profunda sobre o papel da maternidade como instância moral superior — uma “jurisdição afetiva” que ultrapassa até mesmo o Supremo Tribunal Federal.
Assinado sob o pseudônimo de Fernando Pessoa, o texto adota um tom poético e filosófico, evocando o poder transformador da maternidade. A escolha do nome do poeta português não é casual: ela sugere uma tentativa de tocar o coração por meio da arte, da sensibilidade e da introspecção.
O autor expressa um clamor desesperado, pedindo que a mãe de Moraes o recorde de sua origem humana — não como agente de punição, mas como alguém que deveria zelar pela justiça com empatia e humanidade. Há também um alerta: o silêncio diante de ações que ferem valores fundamentais pode, um dia, ser julgado pela própria história.
Por fim, o texto amplia o seu apelo, convidando essa figura materna a assumir simbolicamente o papel de “mãe do Brasil” — alguém que inspire justiça, bondade e coragem em tempos difíceis. Trata-se de uma súplica que mistura crítica, esperança e lirismo, com o desejo de preservar a liberdade de expressão e provocar reflexão sem agressividade.
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