
Ana Maria Cemin – 2/09/2025
A advogada Carla Junqueira, responsável pela defesa do brasileiro Rodrigo Moro, preso há quase 10 meses na Argentina, detalha o estado de saúde do detento e os entraves jurídicos que impedem a sua libertação. Segundo ela, o caso é marcado por negligência humanitária e perseguição política.
“Rodrigo está preso há quase um ano e sua situação é mais grave do que a dos demais quatro presos na Argentina. Ele sofreu uma ruptura no ligamento do joelho e precisa urgentemente de cirurgia. Conseguimos que ele realizasse uma ressonância magnética, mas agora precisamos solicitar uma intervenção cirúrgica”, explica Dra. Carla.
Além da questão médica, a advogada destaca o drama familiar. “Rodrigo é o único provedor de uma família que sofre de uma condição extremamente delicada. A esposa e os dois filhos têm a síndrome conhecida como ‘ossos de vidro’. A esposa não consegue trabalhar, pois se fratura constantemente. A família já teve mais de 60 fraturas pelo corpo, sendo que um dos filhos teve 24 dessas fraturas. Sem Rodrigo, eles não conseguem sobreviver com dignidade.”
Do ponto de vista jurídico, Carla relata que já foram apresentados pedidos de prisão domiciliar e habeas corpus, todos negados. “O juiz entende que há risco de fuga, pois Rodrigo já havia recebido o benefício da tornozeleira eletrônica no Brasil e fugiu. Isso criou um precedente que dificulta qualquer flexibilização.”
Ela afirma que Rodrigo não está em um pavilhão prisional, mas sim em uma casa com outros três detentos brasileiros, com quem mantém um acordo de convivência. “Toda vez que ele solicita atendimento médico, é atendido. Por isso, o juiz argumenta que não há motivo para conceder a prisão domiciliar.”
O processo de extradição está travado, pois depende da análise do pedido de asilo político, que também não avança. “Já apresentamos dois ‘amparos por mora’, que são uma espécie de mandado de segurança pela demora. Mas o governo argentino alega que essa demora é razoável.”

“Analisei todo o caso, do processo à condenação. Não há nenhuma evidência que o vincule a qualquer ameaça ao Estado Democrático de Direito. Rodrigo estava apenas presente no QG em Brasília e a sua presença não pode ser usada como prova de que ele atentou contra a democracia.”
Ela reforça que todos os instrumentos jurídicos possíveis já foram acionados. “Estamos diante de uma situação em que justificativas jurídicas são usadas para sustentar uma injustiça. É muito complicado.”
A advogada também destaca que Rodrigo e sua família não estavam ilegais na Argentina. “Eles vieram com a intenção de pedir asilo político. Rodrigo já tinha trabalho, alugado uma casa, além de conseguir licença para conduzir e a aprovação do aplicativo UBER. Mesmo assim, quando chegou o pedido de extradição, ele foi um dos primeiros a ser detido.”
A DEMORA DO CONARE E O IMPASSE POLÍTICO
Dra. Carla afirma que a morosidade do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) na análise do pedido de asilo político de Rodrigo Moro configura uma violação direta à Convenção de Genebra e ao Estatuto dos Refugiados.
“Essa demora é uma afronta ao princípio internacional do non-refoulement, que proíbe a devolução de um solicitante de refúgio a um país onde sua vida ou liberdade estejam ameaçadas. Isso está claramente exposto no parecer jurídico que elaborei”, explica Carla.
Ela destaca que, apesar de o governo argentino ser liderado por um presidente conservador, não há qualquer interferência política no caso. “A expectativa era de que, por afinidade ideológica, houvesse algum tipo de acolhimento. Mas o que vemos é que, tanto na Argentina quanto nos Estados Unidos, onde também há presos políticos detidos na imigração há meses, não há qualquer ação efetiva por parte dos governos.”
Segundo Carla, o caso dos presos políticos que estão na Argentina é sustentado por três pilares: jurídico, político e humanitário. “Do ponto de vista jurídico, já fiz tudo o que era possível. A única coisa que ainda não apresentei foi o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, porque estou aguardando uma resposta sobre os comissários. Se houver uma rejeição, isso pode legitimar a decisão do ministro Alexandre de Moraes, e não posso correr esse risco sem saber o que enfrentarei.”
No aspecto humanitário, ela relata que, apesar das dificuldades, Rodrigo tem conseguido realizar exames e receber atendimento médico. “Ele conseguiu fazer a ressonância. Se for autorizada a cirurgia por um médico, também vamos garantir que seja realizada.”
Já no campo político, a ausência de resposta é frustrante. “Há especulações de que os Estados Unidos teriam orientado a Argentina a não se envolver, por se tratar de uma questão bilateral entre Brasil e EUA. A impressão que fica é que o presidente Javier Milei não quer mexer nesse vespeiro.”
Carla relata que congressistas brasileiros de direita têm se mobilizado para pressionar o governo argentino. “Eduardo Girão e Marcel Van Hattem vieram até aqui na Argentina recentemente e tiveram uma agenda intensa, falaram com todo mundo. Estão articulando com deputados da coalizão Liberdade Avança, que é a direita argentina, para tentar destravar o processo.”
Segundo ela, o próximo passo é conseguir uma reunião com a presidência do Conare, que é responsável pela emissão da nota técnica. “A decisão sobre o asilo político passa primeiro por essa análise técnica. Depois, vai para um colegiado de ministros do Governo e, por fim, precisa da assinatura do presidente Milei. O problema é que o processo sequer foi colocado em pauta, porque nem a nota técnica está pronta. Nada anda.”
PROCESSO TRAVADO, TENSÃO FAMILIAR E PERSPECTIVA SOMBRIA
A advogada segue acompanhando de perto o processo de pedido de refúgio de Rodrigo Moro, que permanece paralisado. “Todos os dias eu entro no sistema eletrônico para verificar o andamento, mas o processo simplesmente não anda. A nota técnica, que deveria ser elaborada como primeiro passo, sequer foi concluída. Isso é o que mais chama atenção.”
Sobre o número de brasileiros em situação semelhante, Carla estima que haja mais de 600 no país, embora a maioria esteja em condição irregular. “Os que tentaram fazer tudo corretamente, como pedir refúgio, foram justamente os que acabaram presos.”
Carla reforça que, apesar das dificuldades, Rodrigo tem recebido atendimento médico. “Ele já fez uma ressonância e está agendado para realizar um raio X no dia 3 de setembro, próxima quarta-feira. A cirurgia ainda não foi oficialmente solicitada, pois dependemos de um pedido médico formal, com data e hospital definidos. Assim que isso estiver em mãos, o juiz deve autorizar.”
Ela destaca que, embora o atendimento não seja ideal, nada foi negado até agora. “Tudo o que pedimos foi concedido. Pode demorar, mas não houve rechaço.”
A advogada também compartilha a angústia da família. “Eles estão em um nível de estresse altíssimo. São pessoas honestas, que nunca imaginaram passar por isso. “A sensação é de impotência. Mesmo com pareceres jurídicos sólidos, baseados em tratados internacionais e convenções de direitos humanos, nada avança. O direito os assiste, mas a realidade não acompanha.”
A ESPERA POR UMA RESPOSTA E O SENTIMENTO DE DESIGUALDADE
Na visão da advogada, a indefinição do Conare sobre o pedido de asilo político de Rodrigo Moro não é apenas uma omissão administrativa — é uma violação ao direito internacional. “Se o Conare dissesse ‘não’, afirmando que não há perseguição política e que a prisão não foi arbitrária, eu poderia negociar com o Ministério Público Federal do Brasil uma devolução segura e digna, garantindo que Rodrigo não fosse preso ao retornar. Mas sem resposta, não há como agir.”
Ela explica que essa demora tem nome no direito internacional: reformatio in pejus por omissão, ou seja, uma violação por ausência de decisão. “A perspectiva dos meus clientes é que o Conare se manifeste. Não dá para entender por que pedidos de asilo de venezuelanos, que são muito mais numerosos, foram resolvidos em três meses, enquanto os deles (os brasileiros) estão há mais de um ano sem resposta.”
Há um sentimento claro de desigualdade. “Eles compartilham essa percepção de que não são tratados como os demais. Qualquer outra nacionalidade parece receber atenção mais rápida e justa. Os processos de outras pessoas estão saindo muito mais rápido.”
Ela relata que, ao apresentar o amparo por mora — uma ação jurídica para contestar a demora — a resposta foi que o caso de Rodrigo é mais complexo e exige análise aprofundada. “Mas eu já destrinchei o processo inteiro para eles. Já expliquei ponto por ponto, juridicamente. Não há justificativa plausível para essa lentidão.”
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