Ana Maria Cemin – Jornalista 31/07/2024
A vida de Ana Paula Neubaner Rodrigues, 36 anos, pode ser dividida em três fases desde o 8 de janeiro de 2023.
A primeira delas foi o drama de se transformar numa cidadã comum, sem antecedentes criminais, em uma presidiária em Brasília sem que tenha sido julgada e condenada.
Viveu sete meses dentro do Presídio Colmeia, onde passou a tomar medicação para suportar as crises emocionais devido à pressão vivida no cárcere. Por pior que tenha sido essa fase, das três essa foi a única em que Ana Paula manteve a esperança de tudo ter um fim.
A segunda fase de Ana Paula iniciou em 8 de agosto de 2023 ao voltar para casa em Ipatinga, MG, onde residia com a sua mãe Augusta, 66 anos.
A presa política imaginava que retomaria as atividades como confeiteira autônoma e, novamente, sairia vendendo suas sobremesas na rua. A realidade foi muito cruel, não conseguiu reencontrar a clientela na rua e passou a ser rejeitada pela população por ser uma presa política e usar tornozeleira.
Essa experiência de volta para casa revelou sua impotência em ganhar o sustento e, somada aos traumas de Brasília, mexeu tanto com a sua cabeça que chegou a comprar uma corda para se enforcar. Ela me diz que a presença constante da sua mãe, o amor que ambas sentem uma pela outra, a impediu de seguir com o projeto de enforcamento. A corda foi comprada para esse fim, mas não seguiu em frente por saber que a Dona Augusta não resistiria à perda.
Ana Paula então ficou trancada dentro de casa acompanhando as notícias sobre “os golpistas” e o resultado de seu julgamento virtual, quando foi condenada a 17 anos de cárcere pelo Supremo Tribunal Federal (STF), levando a sua mãe ao desespero.
A TERCEIRA FASE
A fase atual é de exilada política na Argentina, país onde chegou há pouco mais de três meses e não consegue trabalhar formalmente por ter um registro de asilo provisório. Ela estranha a língua, o clima, a comida e se sente presa dentro daquele país.
O medo da Polícia Federal ronda todos os mais de 300 presos políticos brasileiros que se encontram por lá. 300 é um número aleatório, porque ninguém tem o controle da evasão dos presos políticos.
Ana Paula conta que se estão trabalhando informalmente em algum local, ao enxergarem um policial logo se escondem para não ter problema. Sentem medo, muito medo! Mesmo conhecendo outros brasileiros exilados, Ana Paula sofre pela falta da família e, para compensar, só mesmo as ligações telefônicas diárias.
Esta é uma vantagem que o exílio traz em relação ao cárcere, pois se Ana Paula estivesse no Brasil estaria presa em algum presídio de Minas Gerais, para cumprir a pena de 17 anos, incomunicável.
Onde está o final do túnel?
“No Brasil, eu era confeiteira. Aqui (Argentina), atualmente eu estou desempregada. Eu vendia sobremesa, bolo no pote, como autônoma.
Eu sempre gostei de política e nunca votei no PT. Era seguidora do Enéias e, depois, do Olavo de Carvalho. Conheci o Bolsonaro através do Enéas. Quando teve o impeachment da Dilma, me envolvi mais e passei a conhecer os políticos da minha cidade.
Logo em seguida veio o Bolsonaro e trabalhei como fiscal nas eleições de 2018. Fui convidada por três partidos para ser candidata à vereadora e me filiei no Patriota. Sem muitos recursos para divulgar a minha candidatura, mesmo assim fiquei como vereadora suplente.
Em 2022, trabalhei novamente na campanha do Bolsonaro e, quando ele perdeu, entrei em pânico. Na TV Band eu vi que a minha cidade foi a primeira do Brasil a fechar a rodovia BR com um caminhão, em protesto à eleição do Lula. Muita gente foi às ruas naquele dia na minha cidade e foi criado o QG para a manifestação naquela noite mesmo.
Me juntei ao movimento, totalmente espontâneo e sem uma bandeira que liderasse, e fiquei no QG da minha cidade do dia 31 de outubro de 2023 até o dia 2 de janeiro de 2024. No dia 6 de janeiro, fui a Brasília e, no dia 8 de janeiro, fui presa dentro do Palácio do Planalto.
Entrei porque vi que os policiais nos convidavam a entrar e eu precisava me abrigar, pois já tinha vomitado pelo menos três vezes por conta do gás das bombas. Não era comida que eu vomitava, mas alguma coisa tóxica, de cor transparente. Um amigo que estava comigo tomou um tiro na testa. Então, correr para o Planalto para nos abrigar parecia a coisa certa para preservar as nossas vidas, porque os helicópteros faziam movimentos que nos induziam a avançar em direção a ele, jogando bombas e nos cercando por todos os lados. Parecia impossível pegar outra direção e sair da praça.
PRISÃO E ISOLAMENTO
Fui presa e levada para a Polícia Civil, onde fiquei por muitas horas até que me levaram para o Presídio Colmeia, onde cheguei às 6 horas da manhã do dia 9 de janeiro.
Fiz o teste de Covid ao chegar e me levaram para cela onde fiquei por 15 dias trancada, sem banho de sol. Era um local úmido e frio, com um único banheiro para doze mulheres. As policiais, creio que por medo de pegar Covid, praticamente jogavam a comida para a gente por uma janelinha. Como se fôssemos bichos.
Depois de encerrado o período de isolamento, fui levada para uma ala com mais de 140 mulheres patriotas, com dois banheiros para todas. Ficamos nesse local até o começo de março, quando nos dividiram e nos transferiram para outras alas. Creio que esse movimento era para nos desiquilibrar emocionalmente, tanto que muitas patriotas não tomavam antidepressivos antes de serem presas passaram a tomar, como eu, que usava dois tipos para suportar o estresse.
Eu estava muito abalada e acabei brigando dentro da prisão e fui parar numa solitária. Me mudaram de bloco e me puseram no meio das bandidas. Fiquei dez dias em isolamento e retornei para a ala das patriotas. As duas que brigaram comigo ficaram dois meses no isolamento.
Ao voltar, fiquei mais tranquila, se é que isso é possível num presídio. A comida era muito ruim e engolia para sobreviver. Tinha cabelo, plástico, vidro e vinha azeda.
Nossa rotina era de tomar esporro das policiais. Quando queriam castigar, nos deixavam meia hora debaixo do sol forte. Dentro da cela, tomávamos banho gelado, não tínhamos descarga no vaso ou a mínima higiene sanitária naquele local. Medicação nem sempre chegava, então era difícil ter regularidade no tratamento.
VOLTA PARA CASA
Eu me sentia em estado precário na cadeia, mas o pior foi quando eu cheguei em casa depois de sete meses. O uso da tornozeleira era uma tortura e mexeu com o meu psicológico. A vida mudou completamente e não consegui voltar para o meu serviço.
A começar por não ter dinheiro para comprar os insumos para fazer os produtos para vender. O que tinha em estoque quando fui presa, cerca de R$ 5 mil, foi todo para o lixo. Além disso, muita gente me rejeitou e disse que não compraria mais nada de mim. Essa realidade me desestruturou, só chorava e dormia. Não conseguia me levantar da cama e foi nesse período que tive a ideia de comprar uma corda para me enforcar.
A situação financeira ficou crítica, pois minha mãe recebe salário-mínimo e eu fiquei sem a minha renda. A tornozeleira eletrônica estava sempre estragada, não conseguia carregar, e a polícia me ligava sempre para falar sobre tornozeleira, uma perturbação constante. Uma tortura.
Eu pensei em fugir do Brasil, mas eu não tinha coragem de sair de Ipatinga, de perto da minha mãe. Mas só de ver o desespero dela ao pensar que eu seria presa a qualquer hora e levada para o presídio novamente, me fez ter essa força para sair do Brasil. Fui condenada a uma pena de 17 anos de cadeia. E não fiz nada para merecer isso, nenhum crime previsto em lei!
ARGENTINA: UMA VIDA MUITO DIFÍCIL
Hoje moro de aluguel aqui na Argentina, que é caríssimo. Nós ainda não temos documentação de residente, então só conseguimos alugar alguma coisa direto com os proprietários. Por uma quitinete minúscula se paga R$ 2,6 mil ao mês.
Eu tive que pedir ajuda para alguns amigos no Brasil para poder comer, porque o dinheiro é muito pouco, ao ponto de ter apenas arroz e ovos dentro de casa. É uma situação muito difícil.
Minha expectativa é de conseguir trabalho, mesmo que seja com todo o temor que envolve trabalhar sem documentação. Aqui tem polícia a cada esquina, mas o nosso problema não é nem a polícia municipal ou militar, mas a federal. Quando a gente vê um, a gente se esconde por receio de ser deportado. No documento provisório que temos está escrito que somos exilados e vivemos inseguros”, conclui, muito abalada.