
Ana Maria Cemin – 25/07/2025
Recebi ontem à noite uma carta que mexeu profundamente comigo — daquelas que ficam latejando na alma. Ela veio do presídio de Ezeiza, na Argentina, escrita pela brasileira Ana Paula de Souza. Ao ler e compartilhar essa mensagem, você se une a uma rede de apoio que ajuda Ana Paula a romper o silêncio que a cerca e revela uma história comovente de coragem, dor e esperança.
Presa há oito meses sob o que denuncia como acusações injustas e processos protelados no país vizinho, Ana Paula revela uma situação marcada por negligência, violação de direitos humanos e profunda dor emocional e física.

A carta foi entregue no Brasil por sua sobrinha, Isabelly Letícia de Paula, que vem lutando incansavelmente pela liberdade da tia e pela dignidade de todos os brasileiros detidos em situação semelhante. No relato, Ana Paula denuncia a falta de ação das autoridades brasileiras e argentinas, o descaso da CONARE (Comisión Nacional para los Refugiados) frente ao pedido de asilo, e as precárias condições médicas e jurídicas que enfrenta.

Mais do que um grito por liberdade, as suas palavras são um chamado à consciência: um apelo para que a sociedade, a imprensa e os órgãos internacionais atentem para o drama vivido por refugiados brasileiros que, ao fugir da perseguição, encontraram novas formas de sofrimento fora de seu país.
A seguir, publicamos a carta na íntegra como registro urgente de uma história que não pode ser ignorada.
Carta aberta de Ana Paula de Souza – 24/07/2025 – Argentina
Olá, Ana Cemin,
Primeiramente, agradeço profundamente por me dar voz. Sou uma brasileira presa injustamente há 8 meses, esquecida dentro de uma penitenciária argentina.
Como você deve saber, ninguém faz nada de concreto para nos ajudar. É um abandono total, um descaso absoluto com nossas vidas.
Dois meses e meio se passaram desde que senadores prometeram às nossas famílias que retornariam em 15 dias. Até hoje, seguimos aguardando. A CONARE continua nos ignorando, sem demonstrar qualquer intenção de tomar uma decisão sobre nosso pedido de refúgio. Não bastasse isso, nós fomos entregues à Polícia, e ainda dizem que, mesmo presos, não temos prioridade no processo de asilo.
Minha audiência de extradição já foi cancelada várias vezes, sempre às vésperas, por razões absurdas.
Estamos sendo representados por advogados que nos ignoram, mentem sobre as leis e impõem obstáculos ao nosso processo. Continuamos presos, sem acesso às garantias mínimas que até criminosos têm por direito.
Até hoje, nenhum político “de direita”, tampouco a associação que foi criada para nos representar, cobrou o governo argentino por permitir essas prisões arbitrárias. Nenhuma denúncia foi feita em relação ao nosso caso. Não estou pedindo privilégio. Só quero que parem de nos torturar.
Venho, com esta carta, pedir socorro. Estou presa há mais tempo aqui do que estaria no Brasil.
O que estamos vivendo aqui é um cenário de negligência total com nossos direitos mais básicos como solicitantes de asilo. Tive que pagar pelos meus exames médicos depois de esperar por 7 meses. Só então, ouvi de um médico e de um psicólogo que minhas dores não eram psicológicas, como diziam antes.
Os resultados revelaram gastrite, tireoide aumentada e nódulos mamários. Provavelmente terei que passar por mais uma cirurgia. Enfrento tudo isso com uma alimentação completamente inadequada para alguém com intolerâncias alimentares e doenças autoimunes. É tortura não apenas emocional, mas física. Tomo medicação para dores diariamente. Sempre fui saudável. Hoje, minha saúde se deteriora a cada mês.
Exploram nossa vulnerabilidade por sermos estrangeiros, por não falarmos o idioma, por não conhecermos as leis do país. Sem ajuda financeira, estamos completamente à mercê. Fomos obrigados a fugir da perseguição no Brasil e agora somos tratados como criminosos por buscarmos proteção.
Espero que o CONARE pare de protelar. Não há nenhuma justificativa plausível para tanta injustiça. Fui submetida a uma audiência de extradição como se não fosse uma solicitante de refúgio. Fugi do Brasil por não confiar mais nas instituições. E aqui, na Argentina, encontrei o mesmo tipo de tratamento.
Quero o mesmo tipo de proteção dado aos refugiados venezuelanos, russos e ucranianos, que aguardam suas decisões em liberdade. Por que essa perseguição seletiva contra nós, brasileiros?
Peço, ao menos, respeito. Não só por mim, mas pela dor das nossas famílias, que já sofrem há 8 meses com nossa ausência. O que mais precisa acontecer para que alguém nos enxergue?
O mundo precisa saber: estamos sendo esquecidos, adoecendo e sendo calados em silêncio.
Não estamos presos. Estamos sequestrados.
E se manter calado diante disso, é ser cúmplice.
Ana Paula de Souza
Depoimento de Isabelly Letícia de Paula – Sobrinha de Ana Paula de Souza
“Minha tia sente dores nas mamas todos os dias. A ecografia revelou a presença de nódulos, e mais exames estão sendo marcados. Recentemente, ela passou por uma endoscopia devido a dores estomacais constantes — resultado de uma dieta inadequada para alguém que possui intolerância à proteína do leite, ovo e sementes.

Estamos aguardando ainda o exame da tireoide, que aponta aumento da glândula, algo grave para quem convive com doenças autoimunes.
Eu acompanho tudo isso com revolta e tristeza. Ela está presa e esquecida, longe da família, sem acesso ao mínimo necessário para cuidar da própria saúde.

Cada relatório médico que chega reforça o que venho dizendo há meses: o sistema está destruindo minha tia aos poucos. Ela precisa estar em liberdade enquanto aguarda o trâmite do pedido de asilo.
Luto diariamente para que alguém ouça. Para que alguém veja. Porque ignorar isso não é apenas negligência — é crueldade.”
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