Ana Maria Cemin – 01/12/2025
Escrevi duas matérias sobre o preso político Sílvio Semprini, 62 anos, em meu site www.bureaucom.com.br que você pode ler procurando pelo nome dele. O que você lerá agora é um texto escrito a partir da conversa que tive com a esposa de Sílvio, Alessandra Grisolia, 53 anos.
São casados há 26 anos e têm duas filhas, de 15 e 23 anos. Eles vivem em extrema dificuldade desde 2023, mas desde 2016 já vinham com crises financeiras que abalaram o seu lar.
Após a segunda matéria que publiquei no site, Alessandra se sentiu ofendida com comentários feitos em relação ao seu marido, que admira e respeita. E ela, mais do que ninguém, se preocupa com o fato de Sílvio estar na Itália, numa região fria, sem local definido para morar, trabalhar e vivendo de forma absolutamente desumana.
Você pode ler as matérias que já escrevi e entender com mais detalhe a experiência traumática de Sílvio. Aqui temos a voz de Alessandra, uma mulher que sente culpa por ter estimulado o marido a participar das manifestações em Belo Horizonte naquele final de dezembro de 2022. Jamais pensaria que viveriam o drama instaurado a partir das perseguições políticas da esquerda.
“Nós mudamos de São Paulo para Belo Horizonte há alguns anos porque enfrentamos graves dificuldades financeiras. Como temos duas filhas, precisei pedir socorro para a minha família e passei a morar com a minha mãe, hoje com 88 anos. Quando isso ocorreu elas eram bem pequenas. A nossa vida já não era fácil antes de tudo acontecer em 2023, e depois só piorou. Vivemos juntos, mas entre aspas, porque atualmente ele está exilado na Itália. Já são 26 anos de união.
Sobre o 8 de janeiro: eu trabalhava como recenseadora para o IBGE, um bico que arranjei. No caminho, vi a movimentação em frente ao Comando da 4ª Região Militar do Exército Brasileiro. Comecei a chamar o meu marido para ir à manifestação, porque todos estavam inconformados com a censura que Alexandre de Moraes impunha, derrubando postagens do pessoal conservador nas mídias sociais. O Sílvio estava quase desistindo de participar, mas eu insistia para ele não desanimar. Sílvio acabou indo, inclusive, para Brasília naquele 2023.
Lembro que uns dois dias antes, ele separou uma capa de chuva e uma sombrinha, porque apareceu uma vaga no ônibus para viajar até a capital federal. Eu não pude ir, pois minha mãe estava em outra cidade e tinha que ficar com as meninas. O resto você já sabe: era para a manifestação ter sido no dia 9 de janeiro de 2023, mas no dia 8 eles desceram do acampamento para a Praça dos Três Poderes, em pleno domingo. A intenção era acampar, mas acabou acontecendo tudo aquilo. Foi muito triste, teve gente ferida, como o Epaminondas que perdeu o olho. E meu marido viu tudo isso.
Entraves burocráticos na Itália: Sílvio e eu não somos casados no papel, vivemos em união estável. Por questões financeiras, nunca conseguimos oficializar. Temos uma filha de 15 anos que eu cuido muito bem, mas quando ele tentou obter residência na Itália, foi negada. O consulado não incluiu o meu nome nos documentos, e isso fez parecer que ele abandonou uma filha no Brasil, o que complicou ainda mais a situação dele que não é nada fácil. Para ele conseguir a residência, ele precisa de um endereço fixo e contrato de trabalho de longo prazo.
As meninas, por outro lado, acham que ele não deveria ter ido a Brasília. Elas não entendem que ele não fez nada de errado, mas na cabeça delas ele se expôs sem necessidade. Em resumo, eu sou a única que dá apoio a ele. Me sinto culpada, porque fui eu quem o incentivou a ir. Fora eu que o apoio, contamos com algumas pessoas de boa vontade que estendem a mão para alguma ajuda, mas são poucas.
Antes de sair do Brasil, o Sílvio trabalhava em restaurantes, sempre na cozinha, porque é o setor de trabalho que ele atua. Além disso, ajudava na banca aqui perto, sem receber nada, apenas para estar junto e apoiar.
Antes do 8 de janeiro, estávamos tentando superar as dificuldades. Minha mãe, que na época ainda ajudava bastante, fazia comida e cuidava das coisas de casa. Hoje, com 88 anos, já não consegue mais. Ela faz tratamento para esquizofrenia há mais de trinta anos. Durante esse tempo, ela já apresentava tremores e crises, mas em determinado momento, em função da prisão do Sílvio e também pelo contexto político da época, já que eu era ativista, a condição dela se agravou. Esse episódio não foi a única causa, mas contribuiu para que a esquizofrenia atacasse de forma mais intensa. Hoje sou eu quem toma conta dela, especialmente após a crise recente que teve.
TRAUMAS
O Sílvio, desde que passou 72 dias na Papuda, não consegue dormir. Além disso, está com o braço lesionado e sem tratamento. O processo dele é uma confusão: para a Polícia Civil, ele está no inquérito 4921; para a Federal, já foi incluído no 4922, apenas porque encontraram fotos dele na Praça dos Três Poderes. Ele nunca entrou nos prédios, mas o Alexandre de Moraes pode tudo.
O Sílvio nunca aceitou assinar acordo para assumir uma culpa que não tem. Ele não compactua com o que está errado, e por isso não aceitou ser chamado de “golpista”. Essa postura firme trouxe ainda mais dificuldades. Além dos problemas de saúde e instabilidade emocional, ele parece estar em depressão.
Na Itália, onde está há quase um ano, a dificuldade é enorme. Imigrantes refugiados conseguem mais apoio do que cidadãos italianos. Agora, ele precisa sair do abrigo onde está até o dia 7 de dezembro, justamente no início do inverno europeu. Sem residência, não consegue nem fazer um raio-X do braço. A situação é muito difícil: precisa de moradia e trabalho para sobreviver. Precisa de ajuda para tratar da saúde…
O Sílvio está atualmente vivendo em condições muito difíceis. Ele mora em um quartinho subterrâneo de um prédio residencial, abaixo do nível da rua. Muitas vezes ficamos dias sem contato, porque ele não tem crédito no celular. Passo uma semana sem falar com ele, e eu fico sem dormir, preocupada com o que pode ter acontecido.
Infelizmente, até pessoas que deveriam apoiar acabam atacando. Um senhor da Suíça, por exemplo, virou contra ele apenas porque disse que não era bolsonarista. Houve quem ajudasse no início, mas depois vieram cobranças e críticas. O Sílvio nunca pediu dinheiro a ninguém, apenas aceitou ajuda pontual. Ele sempre trabalhou, só não aceitou cuidar de idosos porque não tem condições físicas e psicológicas para isso.
É revoltante ver alguém honesto, que não se nega a trabalhar, ser deixado à míngua por questões de egoísmo ou divisões internas. Essa separação entre 4921 e 4922 não faz sentido: todos deveriam se ajudar, porque a dor e a injustiça são as mesmas.”
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